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A Análise de Gottschalk para os Parâmetros Curriculares de Matemática

GRUPO 5. PROPOSTAS DE REFORMULAÇÃO DO ENSINO MÉDIO

3.3. Compreendendo os Argumentos

3.3.1. A Análise de Gottschalk para os Parâmetros Curriculares de Matemática

Gottschalk (2008) afirma que em correntes filosóficas dogmáticas, a Matemática é considerada verdade universal e absoluta. Nessas correntes, a linguagem tem apenas uma função comunicativa e descritiva de significados. Essa função, chamada de função

referencial da linguagem, afirma que as palavras têm um significado essencial que se

referem ao objeto que elas nomeiam. De acordo com essa visão, a Matemática é uma linguagem na qual cada símbolo tem um significado autônomo. Isso contraria as idéias de Wittgenstein, para quem as palavras não têm esse significado essencial, mas adquirem significados diversos dentro de jogos de linguagem diversos. A Matemática, para Wittgenstein, é um jogo de linguagem.

Ao analisar a Matemática, nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental – os PCN/97 –, Gottschalk (2008) verificou que predominam as correntes cognitivistas do construtivismo, que concebem os conhecimentos matemáticos como produtos de desenvolvimentos mentais do aluno, num processo natural de interação entre estruturas cognitivas e o meio físico e social. De acordo com essas correntes construtivistas, todas as crianças percorrem o mesmo caminho em etapas de desenvolvimento cognitivo, desde o

estágio sensório motor até o hipotético-dedutivo. Também se pressupõe uma autonomia de significados matemáticos, considerados dentro da concepção referencial da linguagem, subjacente às práticas pedagógicas. Além disso, os Parâmetros apresentam a Matemática como um conhecimento empírico, construído em experimentações com o meio de natureza física ou social ou de natureza matemática (numa concepção realista platônica).

Essas perspectivas pedagógicas foram contestadas por Gottschalk (2008), a partir da abordagem de Wittgenstein. De acordo com essa autora, a Matemática não é descritiva, como as ciências empíricas, mas é vista por Wittgenstein como um conjunto de “regras de como proceder”, expressadas simbolicamente e envolvidas numa determinada atividade. As regras têm natureza convencional. A atividade regulada é chamada, por Wittgenstein, de Jogo de Linguagem. Os significados das palavras são aprendidos no uso delas dentro dos jogos de linguagem.

A Matemática é um dos muitos possíveis jogos de linguagem. Ela tem uso normativo, mas também forma conceitos, isto é, tem uso empírico. As proposições matemáticas nos permitem organizar nossas experiências, mas o uso empírico não comprova a verdade das proposições.

“Assim, a atividade matemática distingue-se radicalmente dos procedimentos empíricos: o cálculo não é um experimento, não é preditivo, tampouco a prova matemática se baseia em experiências empíricas” (GOTTSCHALK, 2008, pg. 81).

Essa autora afirma que os PCN/97, ao aderir às orientações construtivistas, pressupõem que exista uma racionalidade natural no aluno que o levaria a traçar estratégias de resolução de problemas, construindo, por si só, novos conceitos. Sugerem, então, que o professor deva aplicar o método de resolução de problemas para que o aluno avance, em sua racionalidade, dos conceitos mais simples e próximos aos demais. Porém, para Wittgenstein, não há avanço de um conceito a outro. O aluno só aprende algo novo quando há uma nova aplicação para o conceito e essas aplicações são convencionais.

Na perspectiva wittgensteiniana, o papel do professor seria o de ensinar conceitos através do uso que se faz deles em seus respectivos contextos lingüísticos. Os conteúdos não são meios de desenvolvimento intelectual, nem ferramentas úteis para a produção de novas experiências (como nas teorias de Dewey), mas são condições para que o aluno

aprenda. Os significados não são construídos naturalmente pelos alunos através de situações empíricas, mas são escolhas que envolvem valores a respeito de uma herança cultural a ser transmitida. A essência do conceito matemático é convencional e pragmática e daí, para a sua construção e transmissão, é fundamental o ensino das técnicas e procedimentos criados pelos matemáticos ao longo dos tempos.

Em sua tese de doutoramento, Gottschalk (2000) também analisou os PCNEM/99. Nessa obra, a autora constatou que tanto no PCN/97, como no PCNEM/99, o construtivismo é adotado tanto nos aspectos metodológico, epistemológico e lógico. Verificou que os Parâmetros aliam uma imagem realista do conhecimento matemático a uma imagem idealista. A imagem realista transparece na concepção de investigação e de descoberta que se inspira nos modelos das ciências naturais. Afirma-se, nos PCN/97 e PCNEM/99, que é possível aprender Matemática através da experiência empírica. Na imagem idealista, a criança possui uma inteligência prática que se desenvolve com a experiência empírica, que a leva à construção de conceitos e procedimentos. As características desse construtivismo, levantadas por Gottschalk (2000) são:

• Os conteúdos devem ser escolhidos para desenvolver as capacidades requeridas.

• Os alunos são os sujeitos de sua própria formação. Eles devem construir os significados sobre os conteúdos da aprendizagem. Os alunos constroem conhecimentos a partir dos seus conhecimentos prévios e de suas experiências individuais.

• Prioriza-se a construção de estratégias de verificação e de comprovação de hipóteses na construção do conhecimento.

• O conhecimento torna-se significativo se forem estabelecidas relações substantivas entre os conteúdos escolares e os conhecimentos prévios. Esse processo envolve etapas do método de investigação das ciências naturais, que é o método de aprendizagem, por excelência, válido para todas as disciplinas escolares.

Ao criticar o construtivismo dos Parâmetros pela abordagem de Wittgenstein, a autora nos diz que a metodologia de ensino proposta nos remete à concepção realista de Matemática: ela é descoberta por experimentação empírica. Os elementos empíricos necessários viriam da resolução de problemas, dos materiais manipuláveis (no caso do Ensino Fundamental) ou dos temas transversais.

Para a autora, essa abordagem construtivista promove a confusão na aprendizagem em Matemática, pois os conceitos matemáticos não são empíricos, mas sim, normativos, convencionais, pragmáticos (no sentido de Wittgenstein):

“o matemático não descobre, apenas inventa.... Inventam-se formas que atribuem determinados sentidos ao mundo” (GOTTSCHALK,

2008, pg. 92).

Numa proposta alternativa para o ensino de Matemática, apresentada por Gottschalk (2008) como uma “Perspectiva Pragmática de Ensino”, os significados não são construídos naturalmente pelos alunos através de situações empíricas. Os significados são escolhas que envolvem valores e a herança cultural a ser transmitida. O professor é quem tem a tarefa de introduzir novos paradigmas que passam a ser condições de sentido para a atividade matemática. Nessa perspectiva, a compreensão é concebida a capacidade de seguir uma regra, dominar uma técnica.