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4 CAMINHO METODOLÓGICO

4.4 A ANÁLISE DOS DADOS

Durante todo o processo de coleta, ou seja, em todas as fases da investigação, a reflexão e análise se fizeram presentes, propiciando a cada entrevista, singularidade e possibilidades de alterações do processo de captação dos dados. A atitude de reflexão é

intrínseca ao processo da pesquisa, proporcionando que as dúvidas sejam esclarecidas e outras suscitadas; que as certezas sejam reafirmadas e outras colocadas em dúvidas, configurando-se em um movimento dialético e que, por sua vez, faz parte da metodologia da História oral.

A primeira etapa da análise consiste na organização dos dados segundo Biasoli-Alves (1995, p.47), acontece ―através da transcrição e revisão de tudo que foi gravado, durante cada uma das entrevistas, resguardando o linguajar próprio de cada informante, suas pausas e até entonações, para então, posteriormente, considerar que os dados estejam prontos para serem analisados‖.

Utilizei o método genealógico proposto por Michel Foucault. A questão da genealogia aparece com mais fluência nos trabalhos de Foucault na década de 70, quando seu interesse pelo discurso (arqueologia) é substituído pela ênfase nas formações discursivas (genealogia). No discurso inaugural pronunciado no Collège de France, em 1970, denominado A ordem do

discurso, Foucault aborda rapidamente a questão da genealogia e sua relação com a

arqueologia. Naquele momento, ele ainda estava tentando preservar suas idéias arqueológicas e complementá-las com a genealogia. Já em ―Vigiar e Punir‖ e ―História da Sexualidade I‖, a genealogia, considerada um diagnóstico que se concentra nas relações de poder, saber e corpo na sociedade moderna, (DREYFUS; RABINOW, 1995) e precede à arqueologia (PADILHA, 1998).

Para Queiroz (1999), a história genealógica de Foucault é uma história de ―invenções‖. Não de invenções grandiosas e sublimes, mas de mínimas e desprezíveis invenções; não é uma história de objetos que navegam serenos nas águas calmas da maturação, porque falar em genealogia é enunciar o campo de forças, as relações de poder, os jogos de saber-poder, as estratégias e os mecanismos destes jogos configurando o real.

Machado (2000) define o método genealógico como a análise do porque dos saberes, que pretende explicar sua existência e suas transformações situando-o como peça de relações de poder ou incluindo-o em um dispositivo político. A genealogia seria o estudo das formas de poder: ―(...) na sua multiplicidade, nas suas diferenças, na sua especificidade, na sua reversibilidade: estudá-las, portanto, como relações de força que se entrecruzam, que remetem umas às outras, convergem ou, ao contrário se opõem (...)” (FOUCAULT, 1997, p. 71).

Entendemos que a genealogia, como procedimento explicativo, desconstrói as lutas no interior do discurso, as relações de poder e ―assinala a singularidade dos acontecimentos fora de toda a finalidade monótona‖ (FOUCAULT, 1982, p.15), buscando descontinuidade onde desenvolvimentos contínuos foram encontrados; registra a singularidade dos eventos fora de qualquer finalidade estática. Busca o começo, os detalhes e acidentes que o acompanham, não

a origem (PADILHA, 1998). Isso significa que é preciso trabalhar arduamente com o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que lhe é peculiar.

As respostas são dadas ao genealogista através dos mínimos detalhes, da superfície dos acontecimentos, das menores mudanças e dos contornos sutis. Foucault sugere que para fazer a genealogia dos valores, da moral, do conhecimento, devemos ao invés de partir em busca da origem, nos demorar nas ―meticulosidades e acasos dos começos, prestar atenção escrupulosa à sua derrisória maldade‖ (FOUCAULT, 1982, p.19); sem negligenciar como inacessíveis todos os episódios da história. O genealogista evidencia que a luta pelos espaços de poder não são apenas relações entre governantes e governados, de dominadores e dominados, mas sim, que a ―relação de dominação não é mais uma relação em que o lugar onde ela se exerce não é um lugar. E é por isso, que a CADA MOMENTO DA HISTÓRIA, ela se fixa num ritual, impõe obrigações e direitos e constitui procedimentos cuidadosos‖ (FOUCAULT, 1982, p.17).

Foucault simplesmente não fez apologia a descontinuidades, mas se propôs a discutir a seguinte questão: como é possível que se tenha em certos momentos e em certas ordens de saber, mudanças bruscas, evoluções, transformações que não correspondem à imagem tranqüila e contínua que normalmente se faz? Ele não se preocupou com o tempo ou a amplitude dessas transformações, mas sim, com a modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Em suma se preocupou com o problema da política do enunciado científico.

Nesse sentido, afirma Machado (2000), não se trata de saber qual é o poder que age do exterior sobre a ciência, mas que efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos; qual é seu regime interior de poder; como e por que em certos momentos ele se modifica de forma global.

A genealogia é a paciente procura dos começos históricos (seus micronascimentos), lá onde não há uma identidade originária, apenas o disparate dos acasos, daquilo que já foi começado. Ela aponta em direção ao lugar onde a história ainda guarda em si seu caráter mesquinho, baixo, pouco nobre e demasiadamente modesto, ou seja, trata da proveniência, do lugar onde os acontecimentos são acasos e não causalidades; faz descobrir que ―na raiz daquilo que nós conhecemos e daquilo que nós somos – não existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente‖ (FOUCAULT, 2000, p. 21). O genealogista não pretende descobrir entidades substanciais (sujeitos, virtudes, forças) nem revelar suas relações com outras entidades deste tipo, estuda o surgimento de um campo de batalha que define e esclarece um espaço. Por conseguinte, os sujeitos emergem num campo de batalha no qual desempenham

seus papéis. O mundo não é um jogo que apenas mascara uma realidade mais verdadeira existente por trás das cenas. Ele é tal como aparece; esta é a profundidade da visão genealógica.

Segundo Fisher (2001), a primeira tarefa para chegar a isso é tentar desprender-se de um longo e eficaz aprendizado que ainda nos faz olhar os discursos apenas como um conjunto de signos, como significantes que se referem a determinados conteúdos, carregando tal ou qual significado, quase sempre oculto, dissimulado, distorcido, intencionalmente deturpado, cheio de reais intenções, conteúdos e representações, escondidos nos e pelos textos, não imediatamente visíveis. É como se no interior de cada discurso, ou num tempo anterior a ele, se pudesse encontrar, intocada, a verdade, desperta então pelo estudioso.

Para Foucault (1995), nada há por trás das cortinas, nem sob o chão que pisamos. Há enunciados e relações, que o próprio discurso põe em funcionamento. Analisar o discurso seria dar conta exatamente disso: de relações históricas, de práticas muito concretas, que estão vivas nos discursos. Desta forma, procurei explorar ao máximo o discurso dos atores que participaram do processo de implantação das UTI neonatais, na medida em que as palavras são também construções; na medida em que a linguagem também é constitutiva de práticas/da realidade e produz, como o poder, inúmeros saberes.

O método genealógico proposto por Foucault não é, ―a priori‖, operacional; ele elaborou um conjunto de informações e indicou algumas ―precauções metodológicas‖ no sentido de orientar a observação e reflexão.

Após a transcrição e validação de cada entrevista, o material era organizado em uma tabela contendo duas colunas, na primeira eram colocados os dados brutos e, na segunda buscava-se extrair os enunciados diretamente da simples leitura, tentando conferir-lhes de imediato uma sistematização provisória. Após compilação de todas as entrevistas, procurei agrupar os enunciados em formações discursivas provisórias.

Assim, construir um panorama geral ajudou-me a orientar a re-leitura das entrevistas, e possíveis alterações nos modos de reagrupar os enunciados, uma vez que minhas re-leituras conduziram a reconfigurações do que seria analisado inicialmente. Ou seja, os focos de análise foram constituídos e organizados por mim depois de eu ler, reler e perceber na interação com todas as entrevistas que apresentavam algumas regularidades a respeito dos significados que produziam. Nesse percurso, procurei realizar agrupamentos temáticos, dando-lhes significados a partir do referencial pensado para a análise.

Enfim, operei com as entrevistas uma conexão entre discursos que se articulam, que se sobrepõem, que se somam ou, ainda, que diferem. Isso significa escapar da fácil interpretação

daquilo que está ―por trás‖ dos escritos, procurando explorar ao máximo os materiais, na medida em que eles são uma produção histórica, política; na medida em que as palavras são também construções; na medida em que a linguagem é também constitutiva de práticas. (FISCHER, 2001, p. 199).

Por um lado, as entrevistas não permitiram ―dizer uma ou a verdade sobre as coisas e os fatos, mas pode-se considerá-las como a instância central que, somada a outras,‖ trouxe ―informações fundamentais acerca do vivido e‖ possibilitou ―uma interpretação (mesmo que provisória e parcial) da história das transformações das práticas e dos saberes no cuidado ao recém-nascido em terapia intensiva (ANDRADE, 2008, p. 51).

Andrade (2008) diz-nos que as histórias que nos são narradas através das entrevistas não são dados prontos, mas documentos produzidos na cultura através da linguagem, no encontro entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa; documentos que adquirem diversos significados ao serem analisados no contexto de determinado referencial teórico, época e circunstância social e cultural. Seguindo a reflexão da autora, ―as narrativas não constituem o passado em si, mas sim aquilo que os(as) informantes continuamente (re)constroem desse passado, como sujeitos dos discursos que lhes permitem significar suas trajetórias‖ profissionais de determinados modos (ANDRADE, 2008, p. 52).

Desta forma, apresento as unidades analíticas que serão discutidas em nossa pesquisa:  A UTI neonatal possibilitando novas práticas no cuidado ao recém-nascido;

 Percepção da equipe de saúde sobre a família na UTI neonatal: resistência aos novos saberes;

 O Hospital Infantil como referência no atendimento ao recém-nascido de alto risco em Santa Catarina.