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Ao examinar uma demanda que veicula um conflito ambiental, o Poder Judiciário é inspirado em ideais de legalidade, formalidade e segurança jurídica. Por essa razão, e por outras que serão examinadas no decurso deste trabalho, os mecanismos processuais de controle dos conflitos não exercem o papel de absorver tensões, dirimir conflitos ou ainda de administrar disputas.

Com efeito, um mecanismo de acesso à justiça em que um sai vencedor e o outro sai vencido não resolve a controvérsia ou o conflito. Em que pese ser complexa a missão de conceber que em um conflito haverá um “ganha, ganha”, pela simples eleição do método propício, também vislumbra-se, por vezes, inadequado aos escopos de pacificação um método pautado na declaração de um vencedor e a condenação de um vencido.

Por outro lado, convém salientar que a atividade substitutiva da jurisdição6 é subsidiária à da própria parte envolvida no litígio, razão pela qual

não deve ser o principal método de resolução de conflitos ou de controvérsias, mas apenas um dentre os vários métodos possíveis (DEMARCHI; ROMANO, 2010).

Fruto de uma necessidade social, o paradigma da resolução dos conflitos de forma monopolizada e com o perfil tradicional do Judiciário está se alterando em diversos países. De igual modo, no Brasil, começam a ser estimuladas novas formas de solução de controvérsias e conflitos que estimulam preponderantemente o entendimento entre os conflitantes e, com isso, permitem a celebração de acordos em que, na medida do possível e do pactuado, os envolvidos tutelam seus interesses, mitigando a tradicional dicotomia entre um vencedor e um perdedor.

Nesse sentido, Almeida (2008) leciona que:

Essas assertivas não pretendem mitigar a importante função do Judiciário, que é uma legítima instituição de acesso à justiça. O objetivo é ressaltar a importância dos novos mecanismos de resolução de conflitos que se mostrem mais flexíveis às suscetibilidades das partes, que estimulem a criação de um ambiente de diálogo e que funcionem como fator de agregação social, preservando os relacionamentos entre as pessoas. Contrapõe-se a atuação cooperativa à competitiva; busca- se a postura colaborativa, no lugar do embate aguerrido e, dessa forma, a realização do escopo social da justiça em seu sentido mais amplo, conferindo a relevância necessária aos mecanismos consensuais de resolução de conflitos e controvérsias. (ALMEIDA, 2008, p. 129)

Em que pese ser ainda preponderante em algumas áreas do direito, a “cultura da sentença”, que se materializa na busca preferencial pela solução adjudicada do conflito ou controvérsia, parece que está “com os dias contados”

6 A “substitutividade” consiste na circunstância de o Estado, ao apreciar o pedido,

substituir a vontade das partes, aplicando ao caso concreto a “vontade” da norma jurídica. Em suma, o poder judiciário ao compor o litígio substitui a vontade das partes.

no Brasil. Isso não significa dizer que a utilização de meios consensuais de solução de conflitos é o melhor horizonte para solução da atual situação de crise do Judiciário, manifestada pelo congestionamento dos tribunais e pela demora na tramitação dos feitos.

Na seara ambiental, pela sensibilidade da causa e pela vulnerabilidade dos quase sempre atingidos, é ainda mais conveniente o despertar para as diversas possibilidades e mecanismos de solução de conflitos, de forma a superar dificuldades operacionais com a utilização de formas autocompositivas de solução de controvérsias e conflitos.

Efeito dessa mudança de paradigma é a farta literatura que tem se desenvolvido sobre os meios ou métodos de resolução alternativa de disputas (ADRS – Alternativa Dispute Resolutions). Esses meios são conhecidos como Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias (MASCs), também denominados de Meios Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias (MESCs). Não obstante, “o lugar de aplicação desses meios – ambiente judicial ou não – vem deixando de ocupar a centralidade, daí a tendência em designá-los como meios de Resolução Apropriada (ou Adequada) de Disputas (RAD)”. (VASCONCELOS, 2012)

Antes de qualquer aprofundamento, faz-se necessário ponderar sobre o termo Métodos Alternativos de Solução de Disputas - MASD. É também recorrente o tratamento do tema como mecanismos de Resolução Alternativa de Conflitos derivada do inglês Alternative Dispute Resolution (Resolução Alternativa de Disputas) (PONIEMAN, 2005). Diz-se ponderar pois não se trata de resolução no sentido de eliminar o conflito propriamente dito, tarefa esta um tanto quanto complexa. Além do mais, os conflitos, por serem processos, são de ordem da evolução ou involução e não da solução. (SOARES, 2008)

A institucionalização desses instrumentos, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, iniciou-se nos Estados Unidos, no final da década de 1970, em virtude de proposta do professor Frank Sander denominada Multidoor

Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas). Esta forma de estruturação e organização judiciária, proposta pelo Fórum de Múltiplas Portas (FMP), pauta-se na visão do Poder Judiciário como um centro de resolução de disputas, proporcionando a escolha de diferentes processos para cada caso, baseando-se na premissa de que existem vantagens e desvantagens em cada procedimento que devem ser consideradas em função das características específicas de cada conflito. (AZEVEDO, 2016)

Assim, ao invés de existir uma única “porta” (o tradicional processo judicial), o FMP trata de um sistema amplo com várias espécies distintas de processo formando um “centro de justiça”. Tal cento de justiça seria organizado pelo Estado e apoiado pela iniciativa privada, onde as partes poderiam ser direcionadas ao processo mais adequado a cada disputa. Na concepção original, nenhum desses métodos deveria ser percebido ou conceituado de forma rígida. Ao contrário, propunha-se no FMP uma abordagem pluralista que abrigaria cada um desses métodos.

O campo da chamada ‘Resolução Apropriada de Disputas’ (ou RADs) é constituído por uma série de métodos capazes de lidar com os conflitos. Tais métodos oferecem, de acordo com suas respectivas peculiaridades, vários caminhos para se chegar a um consenso, ou a um entendimento provisório, à paz ou apenas a um acordo, tudo a depender do propósito para o qual o processo de resolução de disputas foi concebido. Inicialmente, a sigla RADs representava a expressão ‘Resolução Alternativa de Disputas’, valendo como denominação conjunta dos métodos alternativos ao julgamento pelo Judiciário. Atualmente, registra-se também o uso da expressão Resolução ‘Adequada’ (ou mesmo ‘Amigável’) de Disputas para significar uma escolha consciente de um processo ou método de resolução de conflitos. (AZEVEDO, 2016)

Quando o termo surgiu nos EUA, pretendia referir-se a alguns métodos extrajudiciais que já existiam, a exemplo da negociação direta, da mediação, da conciliação e da arbitragem. Porém, tais métodos tinham usos muito limitados

ou não valorizados devido à cultura do litígio e ao monopólio da jurisdição pelo Estado. (SOARES, 2008).

Esses múltiplos processos de resolução (a exemplo do processo judicial, da arbitragem, da conciliação, da mediação, entre outros) formam um verdadeiro sistema pluriprocessual. Com esse sistema, busca-se dotar o ordenamento jurídico processual de variadas características que sejam intrínsecas de cada processo, de forma a serem observadas para proporcionar a melhor solução possível para uma disputa – de acordo com as particularidades – analisada como um caso concreto. Por essa razão, a eleição do método de resolução mais indicado para determinado conflito precisa levar em consideração as características e os aspectos de cada processo, tais como: custo financeiro, celeridade, manutenção de relacionamentos, flexibilidade procedimental, exequibilidade da solução, adimplemento espontâneo do resultado, entre outros. (AZEVEDO, 2016)

A década de 1990 registrou um incremento no ordenamento jurídico quanto aos métodos alternativos, contemplando alguns projetos piloto nos mais diversos campos da autocomposição, como a mediação civil, mediação comunitária, conciliação previdenciária, conciliação em desapropriações, entre muitos outros, bem como práticas autocompositivas inominadas. Nesse contexto, ante alguns resultados desses projetos piloto e diante necessidade de se estabelecer uma política pública nacional em resolução adequada de conflitos, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010, cujos objetivos são: “i) disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de qualidade (art. 2º); ii) incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas amplos de autocomposição (art. 4º)”, entre outros, (AZEVEDO, 2016)