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Pautando-se na classificação de Acselrad (2004), é possível analisar as diversas correntes de pensamento, segundo a maneira como concebem o conflito ambiental. Por um lado, uma primeira corrente do pensamento compreende o conflito segundo a visão evolucionista, nitidamente caracterizada como adaptações possíveis do homem ao mundo natural, sem qualquer preocupação com uma análise sob o aspecto político ou mesmo de tensões provocadas pela distribuição de poder e recursos.

Por outro lado, segundo uma visão econômica, os conflitos ambientais são considerados como problemas na dimensão das externalidades/impactos ou, ainda, como problemas advindos em razão da exploração dos recursos naturais. Ainda nessa perspectiva, há também autores que enxergam os conflitos dentro da conjuntura da globalização, como interesses e estratégias diferenciadas de apropriação e uso dos recursos ambientais. Exala essa preocupação econômica com o próprio nome de “recurso” natural. Assim, nem o mercado, nem as normas jurídicas serviriam para resolver as tensões que estão presentes nos modos de reprodução da sociedade (ACSELRAD, 2004).

Há também outras compreensões sobre o conflito ambiental, a exemplo da visão da economia ecológica.

De fato, a economia ecológica registra a existência de um conflito estrutural entre economia e meio ambiente. Segundo Alier (2007) “a economia ecológica difere da economia ortodoxa pela sua insistência em assinalar a incompatibilidade do crescimento econômico com a conservação em longo prazo dos recursos e dos serviços ambientais.”(Alier, 2007. p. 59).

Martínez Alier (1998, p. 268) assim propõe:

O que é economia ecológica? É uma economia que usa os recursos renováveis (água, pesca, lenha e madeira, produção agrícola) em ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) em ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo). Uma economia ecológica conserva, assim, a diversidade biológica, tanto silvestre quanto agrícola. [...] é também uma economia que gera resíduos apenas na quantidade que o ecossistema pode assimilar ou reciclar

Já segundo a visão do “estruturalismo construtivista”, autores como Acselrad (2004) e Zhouri et. al, (2005) sustentam que as relações sociais e a construção do mundo são, na verdade, processos históricos e, por isso, podem ser modificados através de lutas simbólicas, cada uma com os seus significados.

Com efeito, os conflitos ambientais guardam estreita conexão com a forma de sobrevivência de alguns grupos sociais no território, mormente quando tal sobrevivência é ameaçada por impactos indesejáveis causados pela ação de outros grupos sociais (ACSELRAD, 2004). Daí surgem ações de disputa entre os atores sociais, ocasião em que se apresenta a desigual distribuição de poder entre eles.

Passa a existir assim uma disputa por recursos, que não são apenas materiais, mas também simbólicos, uma vez que envolvem o desafio de conquista por espaços de expressão das insatisfações e injustiças, de reivindicação para a edição de novas leis e de luta por reconhecimento de legitimidade, de significados e de identidades.

Segundo Acselrad (2004), os multicitados modelos de apropriação do mundo material são sustentados por acordos simbióticos, integrados por atores

que têm interesse na sua existência, manutenção ou mesmo de um certo sucesso do outro para que o modelo continue funcionando.

A forma de análise sugerida por Acselrad possibilita apreender o conflito ambiental de forma holística, considerando-se a complexidade do conjunto dos sujeitos envolvidos, bem como o campo de relações sociais e o respectivo espaço. Ao ver o conflito ambiental associado a uma luta comum contra a modernização ecológica de feição capitalista, o autor pondera que os grupos sociais se organizam para lidar com as mudanças estruturais no lugar, no território e nos seus modos de vida.

Nesta senda, o conflito ambiental é definido por Acselrad (2004) como: aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (ACSELRAD, 2004.p.26)

Com efeito, os modos sociais de apropriação do mundo material têm estreita relação com eventual modelo de desenvolvimento adotado, mediante a utilização de técnicas existentes de acordo com a espacialidade e temporalidade. De igual modo, os modos sociais de apropriação do mundo material guardam íntima relação com as formas sociais de diferenciação de poder, com as formas culturais, que exprimem valores e racionalidades que orientam as práticas sóciotécnicas. (ZHOURI et al, 2005)

Nessa trilha de ideias, os conflitos ambientais seriam desdobramentos desse campo bourdiesiano4 deflagrando as contradições que existem no

interior dessas relações. Via de regra, é através da existência desse conflito que são conhecidos os sujeitos envolvidos, seus lugares, seus significados,

4 Pierre Bourdieu, (1930-2002) foi um importante sociólogo e pensador francês, autor de uma

série de obras que contribuíram para renovar o entendimento da Sociologia e da Etnologia no século XX. Tornou-se uma referência na Antropologia e na Sociologia publicando obras e estudos sobre diversos temas como: educação, cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política.

ocasião em que exsurgem as formas e as relações espaciais e de apropriação do território e seus recursos (ACSELRAD, 2004).

É nessa perspectiva que o conflito é também estudado pela ecologia política, que se propõe a analisar os conflitos ecológicos distributivos, que são conflitos pelos recursos ou serviços ambientais, sejam eles comercializáveis ou não. Alier (2007) identificou que existem duas frentes dentro da ecologia política para estudar os conflitos:

a) a fusão da ecologia humana com a economia política – estuda os diversos atores e interesses, em diferentes níveis de poder que se confrontam num contexto ecológico específico; b) e o que utiliza como matriz a análise do discurso, com a preocupação de verificar os fatos.

Na visão do autor, a união entre esses dois estilos seria o ideal para se aprofundar nos estudos sobre os conflitos ambientais. Com efeito, para além da questão ambiental, os casos de tensão ecológica devem ser analisados na perspectiva de uma relação de poder, de disputas de posições e significados, com o objetivo de impor uma decisão ou um procedimento para resolver o conflito. Essa decisão para ser reconhecida socialmente exigiria uma integração dos discursos ou linguagem de valoração, científica, jurídica, etc. Não obstante, difícil é a missão de simplificar algo que é em si complexo escolhendo qual ou quais discursos serão preponderantes, quais serão os procedimentos para a avaliação, de quem seria o poder de decisão, entre outros desdobramentos que lhes são correlatos. (ALIER, 2007).

Com efeito, existem diversos tipos de conflitos ambientais cuja marca característica é a apropriação social do espaço. Em que pese esse mesmo universo semântico a partir da configuração da problemática ambiental, para efeito analítico, Zhouri (2005) propõe a identificação de três modalidades de conflitos ambientais, quais sejam, os conflitos ambientais distributivos, decorrentes das desigualdades sociais no acesso e na utilização dos recursos naturais; os conflitos ambientais espaciais, caracterizados pelos impactos ambientais que transcendem os limites entre os territórios de diversos agentes

ou grupos sociais; e, por fim, os conflitos ambientais territoriais, que possuem relação à apropriação capitalista da base territorial de grupos sociais. Convém, doravante, proceder-se à análise de cada um.