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A aplicabilidade da justiça restaurativa no Processo Penal Brasileiro

Segundo a Resolução da ONU nº 2002/12, os programas de justiça restaurativa podem ser utilizados em qualquer estágio do sistema criminal de acordo com a lei do país. Leonardo Sica (apud PRUDENTE, 2008, p. 210) acredita haver cinco formas de inserção da justiça restaurativa no sistema penal brasileiro, quais são:

I) Pré-acusação, com encaminhamento do caso pela polícia; II) pré-acusação, com encaminhamento pelo juiz ou pelo ministério público, após o recebimento da notítia criminis e da verificação dos requisitos mínimos, que, ausente, impõe o

arquivamento do caso e devem ser estabelecidos conforme as particularidades de cada ordenamento; III) pós-acusação e pré-instrução, com encaminhamento imediato após o oferecimento da denúncia; IV) pré-sentença encaminhamento pelo juiz após o encerramento da instrução, como forma de viabilizar a aplicação da pena alternativa na forma de reparação de dano, ressarcimento etc.; V) pós-sentença, encaminhamento pelo tribunal, com a finalidade de inserir elementos restaurativos durante a fase de execução. (grifo do autor).

Conforme menciona Gomes Pinto (2005), apesar do Brasil não possuir legislação específica sobre a justiça restaurativa, com previsão explícita na lei, em que possibilite o encaminhamento de infrações penais a procedimentos alternativos, vislumbra-se esta possibilidade de aplicação, principalmente após haver previsão constitucional da criação dos juizados especiais no caso de infrações penais de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido a Constituição Federal em seu art. 98, I, autoriza a utilização da conciliação e da transação:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (BRASIL, Constituição federal, 1998).

Assim, Gomes Pinto (2005) acredita haver compatibilidade da legislação brasileira com os procedimentos de justiça restaurativa, principalmente após o advento da Lei nº 9.099/95, que criou os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, dando maior flexibilidade ao princípio da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública.

Nos países do sistema common law, o sistema é mais receptivo à alternativa restaurativa (restorative diversion), principalmente pela chamada discricionariedade do promotor e da disponibilidade da ação penal (prosecutorial discretion), segundo o princípio da oportunidade. Naquele sistema há, então, grande abertura para o encaminhamento de casos a programas alternativos mais autônomos, ao contrário do nosso, que é mais restritivo. .Mas com as inovações da Constituição de 1988 e o advento, principalmente, da Lei 9.099/95, abre-se uma pequena janela, no sistema jurídico do Brasil, ao princípio da oportunidade, permitindo certa acomodação sistêmica do modelo restaurativo em nosso país, mesmo sem mudança legislativa (GOMES PINTO, 2005, p. 29, grifo do autor).

Como mencionado pelo autor acima citado a Lei nº 9.099/95 abriu uma janela, a partir da qual se vislumbra a possibilidade de aplicação da justiça restaurativa no Brasil, motivo

pelo qual será feito uma análise de alguns artigos da referida lei, no tocante a esta possibilidade. Inicialmente cabe salientar que a lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais divide-se em quatro capítulos, sendo o Capítulo III destinado aos Juizados Especiais Criminais.

Pelos Juizados Especiais Criminais foram abarcadas todas as infrações penais de menor potencial ofensivo, inicialmente considerando-se menor potencial ofensivo os crimes e as contravenções penais que a lei estipule pena máxima não superior a 1 (um) ano, sendo posteriormente alterada pela Lei nº 10. 259/01 cominada com a Lei nº 11.313/06, a qual ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais para a apreciação de crimes e contravenções penais com pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, nos termos do art. 61.

Segundo esta lei, todos os crimes e contravenções penais com pena inferior a 2 (dois) anos cumulada ou não com multa, serão apreciados e julgados pelos Juizados Especiais Criminais, seguindo-se o princípio da oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual.

Seguindo estes princípios, o processamento dos crimes de menor potencial ofensivo se dá em duas fases, a fase preliminar e a fase do procedimento sumaríssimo ou mais conhecida como fase judicial.

A fase preliminar inicia-se com a lavratura do Termo Circunstanciado pela autoridade policial que tomar conhecimento do crime, a qual não imporá prisão em flagrante, nem fiança ao autor, desde que seja imediatamente encaminhado ao JECrim, ou assuma o compromisso de a ele comparecer em horário e data aprazada para audiência preliminar.

Nesta audiência, na qual deverão estar presentes o autor, a vítima e o ministério público, será proposto pelo juiz a composição dos danos civis, sendo que nos casos em que houver acordo este será homologado pelo magistrado, extinguindo-se o feito, bem como encerrando-se a fase preliminar.

Havendo representação pela vítima ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada o ministério público irá propor a transação penal, que consiste na imposição

de uma pena restritiva de direitos ou multa, sendo aceita pelo autor, não será processado, nem constarão antecedentes criminais contra ele, encerrando-se a fase preliminar (a qual é objeto do estudo em tela). Caso não aceite a transação, o promotor oferecerá a denúncia, passando-se para a segunda fase, quando se inicia processo penal propriamente dito.

Para Pinto (2005, p. 30) “A fase preliminar prevista no art. 70 e 72 a 74, da Lei nº 9.099/95, pode ter a forma restaurativa.” Vejamos o que diz a lei:

Da Fase Preliminar

Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes.

(....)

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. (BRASIL, Lei 9.099/95).

Salienta ainda Gomes Pinto (2005) que se fosse feita uma interpretação extensiva dos artigos acima mencionados, com base no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, verificar-se-ia que tais normas são permissivas, o que legitima a aplicação dos procedimentos de justiça restaurativa durante a fase preliminar, podendo os Termos Circunstanciados ser encaminhados a um núcleo de justiça restaurativa e não ao juiz/ JECrim, como vem sendo feito atualmente.

Apesar de haver esta abertura para a justiça restaurativa em alguns ritos processuais, como é o caso do Juizado Especial Criminal, o que se observa nas audiências preliminares é que as técnicas aplicadas não são adequadas, para que haja efetiva restauração, pois são realizadas num ambiente formal, com juiz e promotor, não dando espaço para o diálogo entre as partes para que possam expor seus sentimentos e restaurar os laços rompidos.

O procedimento que vem sendo adotado no caso de crimes de menor potencial ofensivo é o seguinte: é feito a lavratura do Termo Circunstanciado no estado do Rio Grande do Sul, pela Polícia Civil ou Brigada Militar que consiste basicamente em um inquérito simplificado, com oitiva das partes, eventuais testemunhas, provas colhidas no local da ocorrência, requisição de exames periciais, bem como termo de compromisso das partes em comparecerem ao JECrim, com data e horário aprazadas, sendo este inquérito simplificado remetido ao Juizado Especial Criminal.

Para um melhor esclarecimento sobre a conceituação de Termo Circunstanciado cita- se a Nota de Instrução Operacional 025.1, da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que assim explica:

Boletim lavrado pelo policial militar que efetivamente atender a ocorrência, no qual devem ser registrados os dados essenciais do fato, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, desde que presentes todos os elementos do flagrante delito e que o autor do fato assuma o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, na data estabelecida pelo policial, ou quando for regularmente intimado.

Após a lavratura do TC, comparecendo as partes ao JECrim, no dia da audiência preliminar, onde estão presentes o juiz e o promotor, é proposto o acordo, ou seja, a conciliação que está prevista no art. 73 da Lei nº 9.099/95 normalmente é feita por um juiz e não por um conciliador ou mediador, como prevê o referido artigo, sendo que na maioria das vezes o magistrado apenas pergunta se há acordo ou não quanto a composição civil dos danos, sem ao menos permitir que as partes se manifestem sobre o fato.

Logo após é passada a palavra ao representante do ministério público, o qual expõe a proposta de transação penal ao autor, que consiste basicamente em aceitar ou então se ver processado, sendo normalmente aceita pelo acusado, de forma coercitiva. O acordo é então homologado pelo juiz e o processo extinto, sem ouvir o que as partes tem a dizer sobre o ocorrido, ou se estão realmente satisfeitas com o acordo.

Para Azevedo quando há imposição do acordo, ou não há a utilização da técnica adequada a restauração não ocorre em sua plenitude, assim esclarece:

De fato, há indicações de que, quando a autocomposição se desenvolve sem técnica adequada, em regra há a imposição do acordo e, com isso, a perda de sua legitimidade, na medida em que as partes muitas vezes não são estimuladas a comporem seus conflitos e sim coagidas a tanto (AZEVEDO, 2005, p.137).

Na prática o que se percebe é que os operadores do direito, incluindo-se os juízes, não são preparados para a autocomposição, pois esta não é inerente à função da magistratura, como menciona Luiz Augusto da Veiga Elias (2005, p. 8) “[...] juízes não estão familiarizados com o procedimento conciliatório, vez que não conseguem se transpor da função de julgar”.

Outro fator segundo Elias (2005) é a necessidade de esgotamento da pauta dos magistrados, onde os juízes preocupam-se apenas em ver o maior número de lides “solucionadas” e consequentemente arquivadas, forçando uma composição entre as partes, sem ao menos permitir que conversem podendo assim estreitar laços. Em muitos casos inclusive é feita a proposta de transação penal mesmo sem haver justa causa para a propositura denúncia.

Segundo nossa legislação, além dos crimes capitulados no Código Penal, e na Lei de Contravenções Penais há várias outras leis esparsas que se inserem dentro do contexto de menor potencial ofensivo, podendo também ser inseridas no processo restaurativo, quais são Crimes de Trânsito, Estatuto do Idoso e Crimes Ambientais, bem como algumas de médio potencial ofensivo, que comportam a aplicação de técnicas restaurativas como é o caso de violência doméstica e cometimento de ato infracional.

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