• Nenhum resultado encontrado

Justiça restaurativa: uma nova forma de solução dos conflitos criminais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Justiça restaurativa: uma nova forma de solução dos conflitos criminais"

Copied!
55
0
0

Texto

(1)

JULIANA BOZ

JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA NOVA FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS CRIMINAIS

Santa Rosa (RS) 2012

(2)

JULIANA BOZ

JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA NOVA FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS CRIMINAIS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular de Trabalho de Curso - TC.

UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Francieli Formentini

Santa Rosa (RS) 2012

(3)

Dedico este trabalho ao meu esposo Franque, meu filho Arthur e demais familiares que através do carinho e apoio contínuos, permitiram que pudesse concluir o curso sem grandes culpas, por não dispor do tempo necessário para dispensar-lhes a devida atenção.

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida, força e coragem, durante esta longa caminhada.

Ao meu esposo Franque verdadeiro companheiro e amigo, que com muito amor e carinho sempre me apoiou e incentivou inclusive, muito bem desempenhando, durante minha ausência o papel de pai e mãe.

Ao meu filho Arthur que por ser bebezinho pouco compreende das atribuições da vida, mas soube aceitar minha ausência e, quando do meu retorno para o lar me aguardava com um lindo sorriso nos lábios.

Aos meus pais Luiz e Marta a quem agradeço pelos ensinamentos, principalmente de humildade, coragem e de luta na busca de sonhos e ideais, que me tornaram a pessoa que hoje sou, bem como pelo carinho, amor, incentivo.

Aos meus irmãos Abriana, Volnei e Mariana, cunhados Jaque e Márcio e sobrinho Luiz Henrique pelo carinho, apoio, amizade e momentos de descontração, que tornaram essa jornada mais alegre.

A minha professora orientadora Francieli Formentini pelo conhecimento, dedicação, atenção e disponibilidade permanentes, o que me passou confiança e tranquilidade, contribuindo grandiosamente para o bom desenvolvimento deste trabalho.

(5)

“Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça”.

(6)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica tem como finalidade estudar a justiça restaurativa como uma nova forma de solução de conflitos na esfera criminal. Primeiramente realizar-se-á um breve apanhado histórico sobre os sistemas punitivos retributivo e distributivo, apontando suas principais características, bem como discorrendo acerca da crise destes sistemas convencionais de justiça. Em um segundo momento, o objetivo é trazer conceitos, elencar princípios, valores e modelos já existentes de justiça restaurativa, além de verificar a possibilidade de sua aplicação no processo penal brasileiro, com a análise de alguns artigos da lei nº 9.099/95, que também dispõem acerca dos Juizados Especiais Criminais e do Projeto de Lei nº 7006/2006. Por último são apontadas algumas experiências realizadas em forma de projeto piloto como em Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e São Caetano do Sul/SP, sendo a atuação das duas primeiras em Juizados Especiais Criminais e as demais em Juizados da Infância e Juventude, no atendimento de menores infratores em conflito com a lei.

Palavras-chave: Sistemas punitivos. Solução de Conflitos. Justiça Restaurativa. Projeto de Lei nº 7006/2006.

(7)

ABSTRACT

This monographic research work aims to study the restorative justice as a new solution way of conflicts in the criminal sphere. First we will make a brief historical overview about the punitive retributive and distributive systems, pointing their main characteristics, as well as discoursing about the crisis of these justice conventional systems. In a second moment, the goal is to bring concepts, listing principles, values and existing models of restorative justice, beyond to verify the possibility of its application in Brazilian criminal process, with an analysis of some articles of law number. 9.099/95, which also have about the Special Criminal Courts and the bill number 7006/2006. Finally it points some experiences realized in a pilot project form as in Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre and São Caetano do Sul/SP, been the performance of the first two in the Special Criminal Courts and the others in Childhood and Youth Courts in attendance of young offenders in conflict with the law.

Keywords: Punitive Systems. Conflicts Solution. Restorative Justice. Bill Number. 7006/2006.

(8)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AJURIS – Associação de juízes do Rio Grande do Sul CCJC –Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania CF – Constituição Federal

DF – Distrito Federal

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente JECrim – Juizado Especial Criminal

JR – Justiça Restaurativa MG – Minas Gerais

MVO – Mediação vítima-ofensor ONU – Organização das Nações Unidas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SP – São Paulo

TC – Termo Circunstanciado

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 SISTEMAS PUNITIVOS ... 11

1.1 Apontamentos introdutórios ... 11

1.2 A crise dos sistemas convencionais de justiça – retributiva e distributiva ... 13

1.3 Justiça restaurativa ou justiça do reconhecimento: Considerações gerais e conceituais...16

1.4 Princípios e valores norteadores ... 20

1.5 Modelos de justiça restaurativa ... 22

1.5.1 Mediação vítima-infrator/ofensor ... 23

1.5.2 Encontros restaurativos (conferencing) ... 26

1.5.3 Círculos de emissão de sentenças ( sentencing ou sentencing circles) ... 26

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO ... 29

2.1 A justiça restaurativa para possível solução: Projeto de Lei nº 7006-2006 ... 29

2.2 A aplicabilidade da justiça restaurativa no Processo Penal Brasileiro ... 35

2.3 Experiências brasileiras ... 40

2.3.1 Experiências desenvolvidas pela Promotoria de Justiça do Gama e Núcleo Bandeirantes– DF ... 41

2.3.2 Projeto Mediar – Belo Horizonte/MG ... 43

2.3.3 Em Porto Alegre/RS ... 44

2.3.4 Em São Caetano do Sul/ SP ... 46

2.4 A construção de uma justiça diferente com a adoção dos valores e práticas da justiça restaurativa ... 47

CONCLUSÃO ... 49

REFERÊNCIAS ... 51

(10)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende realizar um estudo acerca da Justiça Restaurativa, analisando a viabilidade de sua implementação no Sistema de Justiça Penal e Processual Brasileiro, sendo desenvolvida em dois capítulos.

No primeiro capítulo serão tratados alguns aspectos históricos sobre o surgimento, evolução e finalidade de imposição da pena, a qual vem sendo utilizada como forma de controle social, com objetivo de evitar o cometimento de crimes. O que se verifica nos dias atuais é que a imposição da penalidade como forma de intimidação e reeducação do delinquente não surte mais o efeito desejado, constatando-se uma verdadeira crise nos sistemas convencionais de justiça.

Devido esta crise do sistema retributivo/distributivo, aos poucos está surgindo um novo modelo conhecido como Justiça Restaurativa, visando principalmente à instituição de uma cultura de paz e de resolução pacífica de conflitos sociais, não objetivando apenas a simples punição do infrator, mas a sua reflexão, conscientização e mudança de comportamento por meio do diálogo e reparação dos danos e traumas sofridos pela vítima.

Na sequência serão destacadas algumas diferenças entre os modos convencionais de justiça e os utilizados pelas práticas restaurativas, bem como princípios e valores que permeiam sua aplicação. Será realçado também o papel que cada um dos envolvidos no delito, autor, vítima e comunidade desempenham neste novo tipo de procedimento. Finalizando o primeiro capítulo serão trazidos os modelos e técnicas mais utilizadas para solução pacífica de conflitos quais são a mediação, os círculos restaurativos e círculo de emissão de sentenças.

(11)

Já no segundo capítulo será feito uma análise do Projeto de Lei nº 7006/2006, o qual tramita na Câmara dos Deputados e visa alterar alguns dispositivos da legislação penal e processual penal, permitindo desta forma a implantação da justiça restaurativa no Brasil. Apesar do sistema penal brasileiro ainda não possuir legislação que autorize a utilização de práticas restaurativas, através do aporte teórico de alguns autores, como Gomes Pinto, busca-se evidenciar que a Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, respalda a aplicação dos ideais restaurativos.

E, para finalizar o trabalho monográfico, citam-se algumas experiências realizadas em forma de projeto piloto em Porto Alegre, Distrito Federal, Minas Gerais e São Caetano do Sul, que utilizaram-se de práticas restaurativas para solução dos mais variados tipos de conflitos, como delitos envolvendo menores infratores, violência doméstica e os tipos penais abarcados pelo Juizado Especial Criminal.

(12)

1 SISTEMAS PUNITIVOS

Primeiramente será feito um breve apanhado histórico sobre sistema punitivo, tentando evidenciar como e quando se iniciou a ideia de punição, bem como em que consiste. Após, tratar-se-á da crise dos sistemas convencionais de justiça, retributivo/distributivo utilizados por nossa sociedade atual, fazendo um comparativo com o modelo de sistema restaurativo, o qual tem como objetivos a busca do diálogo entre os conflitantes, a reparação do dano sofrido pela vítima, a reflexão por parte do delinquente, bem como a mudança de seu comportamento.

Finalmente serão abordados conceitos, princípios e valores que norteiam a justiça restaurativa, bem como os modelos e técnicas mais utilizadas para aplicação dos procedimentos restaurativos.

1.1 Apontamentos introdutórios

Os sistemas punitivos são utilizados pelo ramo do direito penal, como forma de controle social, na qual se impõe uma sanção (pena) a indivíduos que desobedecem as regras de convivência, determinadas pela sociedade, ou como afirma Marcelo Gonçalves Saliba (2009, p. 32), impostas pelos grupos dominantes, que modificam as leis penais de acordo com seus interesses sociais, como forma de dominação dos grupos subalternos.

Para um melhor entendimento é necessário um breve histórico, até porque, os modelos de sistema punitivo – retributivo/distributivo, adotados pela sociedade atual, são resquícios de tempos passados, os quais foram se adequando e se moldando de acordo com as necessidades da sociedade em desenvolvimento.

Nos primórdios da existência social, não havia um sistema penal regulado por leis, o que regia as relações sociais entre os homens, eram os costumes e a religião, ou seja, um direito natural pode-se dizer hoje, “bárbaro”, devido à crueldade com que eram tratados os que contrariavam as regras daquele grupo.

Segundo Marcus Felipe (2008, p. 3), este período da história foi denominado de vingança privada ou defesa privada, no qual o próprio ofendido e/ou seu grupo vingava-se do

(13)

malfeitor, bem como de sua família, para que este nunca mais voltasse a delinquir, foi do início da origem do homem até final do século XVIII. Subdividiu-se em outros dois períodos, um mais primitivo, onde não existia uma proporcionalidade entre a pena e o crime, e, o segundo, após o surgimento do Código de Hamurabi e com ele a Lei de Talião, quando passou-se a estabelecer uma certa proporcionalidade entre o delito e a pena.

Com o crescimento da sociedade houve o surgimento do estado, o qual passou a ser o responsável pela aplicação da lei e da pena, representando a vontade do povo. Neste período histórico as penas permaneciam cruéis e o indivíduo pagava com seu próprio corpo pela infração cometida.

Somente em meados do século XVIII, com as ideias iluministas, de liberdade igualdade e legalidade e, no século XIX com o positivismo jurídico, que a pena foi humanizada, ao invés da aplicação de penas corpóreas, passou-se a restringir a liberdade das pessoas, surgindo o sistema penitenciário. Nesta época houve também uma significativa preocupação com a finalidade da pena.

A respeito disso, assim se manifesta Felipe (2008, p. 6):

[...] foi neste período, mais do que em todos os outros passados, que se procurou consagrar o sentido de que as penas fossem utilizadas como profilaxia social, deixando de ter o simples caráter intimidador, mas passando a preocupar-se com as formas possíveis para a recuperação do delinqüente, ou seja, trazê-lo de volta ao meio social, obrigando ao Estado a ressocialização do ofensor.

Em tempos atuais, segundo Albert Eglash (apud HAUSER, 2010) existem três formas de resposta ao crime, utilizadas por nossa sociedade, a resposta retributiva, baseada na punição do agressor, a distributiva, fundamentada na reeducação do agressor e a restaurativa, alicerçada na reparação do dano sofrido pela vítima e na restauração dos vínculos sociais abalados com a prática do crime.

Nesse contexto, para um melhor esclarecimento sobre a questão, Pedro Scuro Neto (2004, p. 197), faz uma diferenciação entre os modos de justiça existentes, quais são:

*Justiça retributiva (ou comutativa) – atua segundo a máxima punitur quia peccatum, ou seja, impondo pena proporcional ao mal praticado, adaptada à lógica do mercado, característica do capitalismo;

(14)

*Justiça distributiva (ou justiça pelo mérito) – não atribuída a todos igualmente, mas segundo a situação jurídica e social da conduta do infrator, a quem são destinados serviços e benefícios para recuperá-lo e reintegrá-lo à sociedade;

*Justiça restaurativa (ou justiça do reconhecimento), que visando à correspondência entre a sentença judicial e o sentimento de justiça dos atores afetados pela infração.

Após introdução histórica, percebe-se que desde o Código de Hamurabi o modelo de sistema punitivo adotado foi o retributivo, onde o infrator era penalizado com um mal idêntico ao cometido, pagando com seu próprio corpo pelo crime praticado. Na atualidade o modelo utilizado para justificativa da pena permanece sendo o retributivo/distributivo, claro, não tão primitivo como naquela época, em vez de pagar com o corpo, o indivíduo paga com a privação de sua liberdade e quanto mais grave o crime cometido, maior o tempo do cumprimento de sua pena, para que se reabilite e possa voltar a conviver em sociedade.

No entanto, Marcelo Gonçalves Saliba (2009, p. 80) tem posicionamento diferente quanto à evolução do sistema retributivo/distributivo e da pena de prisão, afirmando que a mesma continua cruel, desumana, estigmatizadora e desproporcional, aduzindo que:

Superados mais de 150 anos de história, a punição pouco ou nada evoluiu. A miséria do cárcere continua retratada diariamente. A estigmatização, o etiquetamento, a dor, o sofrimento são produzidos não só pelas marcas no corpo, mas também, por aquelas, produzidas na alma do condenado. Os meios de comunicação identificam o criminoso e a classe dominada, num movimento marginalizador, agora retratado em tempo real. Os direitos humanos são negados a esses criminosos, como se não fossem “inteiramente humanos”.

Apesar de o autor afirmar que não houve evolução na punição, constata-se que a forma de aplicação das penas evoluiu à medida que a sociedade foi se desenvolvendo, pois sua finalidade é justamente atender aos anseios desta.

1.2 A crise dos sistemas convencionais de justiça – retributiva e distributiva

Para Saliba (2009, p. 64), a crise dos sistemas convencionais de justiça não é de hoje, instalou-se desde a concepção do Estado, e a principal causa foi o capitalismo, aliado ao positivismo jurídico, que deu legitimidade a este novo sistema baseado no lucro. Assim explica:

O paradigma da imposição da ordem social, pelo sistema penal, que representa, nas palavras de Zaffaroni, o “controle social punitivo institucionalizado”, foi desde a concepção do estado, direcionado de forma repressiva e alicerçado no positivismo. Isso afastou o sistema punitivo do interesse social e majoritário, para recolher-se ao

(15)

interesse da classe privilegiada, dominante, o que permite identifica-lo como estigmatizante, repressivo, excludente, desproporcional, segregador e desumano. A estigmatização e exclusão social do desviante são marcas indeléveis e mais que uma retribuição ou meio de defesa da sociedade, a criminalização e a punição tornaram-se meios para o livre detornaram-senvolvimento do capitalismo em ascensão.

Ademais, Saliba (2009) salienta, que não só o sistema penal, mas todo o aparato repressivo como, polícias, ministério público, judiciário, delegacias e sistema prisional, foram criados e pensados com a finalidade de disciplinar os indivíduos que não se enquadram no modelo de produção, proposto pela classe dominante - muito trabalho e pouco salário. Esta exploração da burguesia sobre o proletariado originou o acúmulo de capital, e com a finalidade de proteção de seus bens, a classe dominadora passou a tipificar como crimes, delitos contra o patrimônio.

Essa ideologia da classe burguesa, alicerçada na ideia de ordem e legalidade passou a excluir indivíduos que não se enquadram neste sistema proposto pela classe dominante, os quais passaram a ter suas condutas criminalizadas, sendo tidos pelos demais membros do grupo social, como desviantes, baderneiros, delinquentes, retirando-os do convício social e encarcerando-os em presídios, assim entende o autor:

A preservação da ordem, expressão máxima da razão, foi a direção seguida pela sociedade moderna e, por consequência, pelo sistema penal, o que impediu qualquer questionamento da estratificação social e do regime dominante. O progresso é representado pela visão da “sociedade positiva”, com a manutenção da ordem e sem possibilidade de mudança. Todos aqueles que questionaram a ordem passaram a ser taxados de desordeiros, e a resposta social foi a movimentação do sistema repressivo em sua direção, representado pelo braço mais forte do grande Leviatã. A ordem foi a meta do positivismo jurídico e não a justiça (SALIBA, 2009, p. 71, grifo do autor).

O sistema retributivo/distributivo é seletivo, tendo como fim específico a pena para os oprimidos, enquanto as condutas da classe detentora do poder permanecem imunes, exemplo disso são os crimes de colarinho branco que dificilmente são punidos, o que leva ao descrédito total do sistema punitivo. Saliba (2009, p. 76) aponta ainda outros motivos que levaram a crise do sistema punitivo atual quais são: “A distância entre a realidade fática e a lei e entre as necessidades de segurança e a lei, bem como o descrédito da justiça, por se dar vazão à seletividade do sistema.”

Na verdade, não há como determinar o real motivo, ou a causa da crise do sistema punitivo, o que se sabe e o que se vivencia nos dias atuais é um sistema penal falido, que está

(16)

prestes ao colapso, pois a criminalidade vem aumentando dia-a-dia, os presídios estão superlotados, os quais não cumprem com a sua função de ressocialização, pelo contrário, são conhecidos como “depósitos de delinquentes” e como “escolas do crime”. Ao estar liberto do cárcere o indivíduo é ainda mais marginalizado, e não tendo outra alternativa para sobreviver volta à delinquência, gerando um círculo vicioso.

Aliado a isso, as polícias e o ministério público, responsáveis pela investigação e persecução penal do infrator, bem como o judiciário, responsável pela aplicação da lei e da pena, não atendem a demanda, devido ao sistema ser extremamente burocratizado e positivista. Tudo isso gera insatisfação e insegurança na população que clama por justiça, segurança e por penas mais cruéis para conter a proliferação do crime. Conforme Saliba (2009, p. 86),

Até mesmo para situações que não envolveriam, em regra, alterações na legislação penal, o poder político apresenta proposta de mudanças nessa legislação, fortalecendo, ainda mais, o sistema punitivo. O encarceramento é, então, apresentado, numa falsa ideologia, sem aprofundamento da discussão, como o único meio para o controle das relações sociais e eliminação da criminalidade, apaziguando os ânimos da mídia e das classes populares sedentadas por uma forte resposta estatal. Ao final de cada projeto ou pacote, o que resta é o aumento do sistema repressivo e a deslegitimidade do mesmo.

Esta banalização do crime que levou indivíduos cometedores de pequenos delitos ao encarceramento, sendo taxados pela “sociedade ordeira” como os criminosos, inimigos da sociedade que devem ser retirados do convívio social e enjaulados, ocasionou a exclusão social, e, o indivíduo marginalizado, passou a se revoltar contra o seu opressor, gerando uma guerra dos “delinquentes” contra a “sociedade de bem” e vice-versa.

Como o sistema retributivo não cumpre com seu papel e está cada vez mais longe de alcançar seus objetivos, aos poucos está ganhando espaço o modelo de justiça restaurativa, a qual procura abater essa “necessidade de castigo”, preocupando-se na restauração da paz jurídica e da comunicação entre as partes conflitantes.

Acrescenta Raffaella da Poriuncula Pallamolla (2008, p. 177) que:

Frente à constatação de que o modelo de justiça criminal da modernidade está repleto de promessas não cumpridas, como a suposta função intimidatória das penas e a ressocialização, e de que, portanto este modelo histórico encontra-se falido, sua estrutura não funciona para a responsabilização dos infratores, não produz justiça e

(17)

tampouco constitui um verdadeiro sistema. A tendência é, cada vez mais, a busca de alternativas a esta forma de gerir a conflitualidade social.

Não é pretensão da presente pesquisa, passar a idéia de abolição da pena do sistema punitivo, para todos os tipos de delitos, como é a idéia dos garantistas mais extremistas, pelo contrário, é pela manutenção da pena, principalmente nos crimes abarcados pela Teoria do Direito Penal do inimigo1, devendo ser aplicada a justiça restaurativa apenas aos crimes de menor potencial ofensivo e pequenos delitos contra o patrimônio.

1.3 Justiça Restaurativa ou justiça do reconhecimento: considerações gerais e conceituais

Segundo Prudente (2008) e Saliba (2009), a justiça restaurativa não é criação atual, remonta das mais antigas sociedades e dos métodos aborígenes de solução de conflitos, no entanto, foi extirpada quase que totalmente da sociedade, com os ideais da razão iluminista, quando se passou a utilizar apenas o método científico para resolução de conflitos.

O renascimento da justiça restaurativa a nível mundial, como explica Prudente (2008, p. 204) foi em meados dos anos 70 no Canadá, quando dois acusados de vandalismo se encontraram com as vítimas do delito, estabelecendo pactos de restituição. Após, em 1989, a Nova Zelândia, aprovou o Estatuto das crianças, Jovens e suas Famílias quando se passou a fazer reuniões com a comunidade, menores infratores e suas famílias, para resolução dos conflitos que envolviam menores de idade, a partir daí, estas experiências multiplicaram-se em diversos países, como Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Escócia, África do Sul, França, Estados Unidos, dentre outros.

Saliba (2009, p. 146) defende que não foi só a crise do sistema retributivo a causa do renascimento da justiça restaurativa, mas a necessidade de participação da comunidade,

11O conceito de Direito Penal do Inimigo foi elaborado pelo penalista alemão Jakobs, que após os episódios do 11 de setembro, passou a

defender a necessidade de consolidação de um direito penal do inimigo capaz de se diferenciar do Direito Penal ordinário, aplicado aos demais cidadãos.Ao desenvolver sua tese Jakobs propõe a adoção da dicotomia “Direito Penal do cidadão” versus “Direito Penal do Inimigo”, para designar dois modelos distintos de intervenção punitiva. O direito penal do cidadão seria aplicado a indivíduos que praticam crimes acidental e/ou esporadicamente, para os quais seriam resguardados todos os direitos e garantias inerentes ao Direito Penal liberal. Já o Direito Penal do Inimigo seria aplicado aos indivíduos que delinquem de forma sistemática e notadamente aquelas protagonizadas por grupos terroristas ou organizações criminosas, contra quem deve o Estado agir de forma implacável (HAUSER, 2010, p. 40).

(18)

galgada em um Estado Democrático de Direito, no qual é chamada para participar ativamente da justiça, “[...] num momento raro de soberania e cidadania participativa [...].

Devido esta nova tendência mundial em 2002 o Conselho Econômico e Social da ONU, editou a Resolução nº 2002/12, que fixa princípios básicos para aplicação da Justiça Restaurativa na esfera penal e concita os países membros a difundirem e aplicarem este modelo.

A referida resolução da ONU (2002/12, p. 3) define a Justiça Restaurativa como “Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.”

Para Pinto (2008, p. 192) por ser a justiça restaurativa algo novo, seu conceito ainda está em formação e arrisca uma definição:

[...] um procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime.

Salienta Pinto (2008) que para entender a justiça restaurativa é necessário “mudar as lentes”, ou seja, transformar a visão que se tem hoje do que é crime. Nesse contexto, para a justiça restaurativa crime, não é simplesmente uma conduta típica e antijurídica, que viola os preceitos da norma e por isso deve ser punido, pelo contrário, é uma violação nas relações entre autor, vítima e comunidade, onde a justiça restaurativa irá identificar o problema, conduzir as partes ao diálogo, para que estas cheguem a um acordo sobre a melhor forma de reparação.

Para que haja essa mudança é necessário, em primeiro lugar, a reformulação total do sistema, bem como transformação de pensamento com a construção de um novo paradigma na sociedade sobre o que é justiça. Para a sociedade atual justiça é o sentimento de vingança, a necessidade de castigar ao indivíduo que cometeu o delito, centrada no comportamento passado do infrator e na apuração da culpa.

(19)

Justiça neste novo paradigma seria baseada não apenas na apuração da culpa, mas na tentativa de solução do problema e no comportamento futuro do infrator, fazendo com que através do diálogo com a parte ofendida e com o facilitador, tome consciência de que o ato (crime) por ele praticado é prejudicial às pessoas e a sociedade, conduzindo-o ao arrependimento, o que possibilita a mudança de comportamento do infrator.

Para melhor compreensão e distinção dos pressupostos da justiça restaurativa e da retributiva, destaca-se quadro comparativo, elaborado por Scuro Neto (2005, p. 201), a seguir citado, o qual, além de explicativo, ressalta o foco atingido por cada um destes modos de justiça.

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa

Infração: noção abstrata, violação da lei, ato contra o estado.

Infração: ato contra pessoas, grupos e comunidades. Controle: Justiça penal. Controle: Justiça, atores, comunidade.

Compromisso do infrator: pagar multa ou cumprir pena.

Compromisso do infrator: assumir responsabilidades e compensar o dano.

Infração: ato e responsabilidade exclusivamente individuais.

Infração: ato e responsabilidade com dimensões individuais e sociais.

Pena eficaz: a ameaça de castigo altera condutas e coíbe a criminalidade.

Castigo somente não muda condutas, além de prejudicar a harmonia social e a qualidade dos relacionamentos.

Vítima: elemento periférico no processo legal. Vítima: vital para o encaminhamento do processo judicial e a solução de conflitos.

Infrator: definido em termos de suas deficiências. Infrator: definido por sua capacidade de reparar danos. Preocupação principal: estabelecer culpa por eventos

passados (Você fez ou não fez?).

Preocupação principal: resolver o conflito, enfatizando deveres e obrigações futuras. (Que precisa ser feito agora?).

Ênfase: relações formais, adversativas, adjudicatórias e dispositivas.

Ênfase: diálogo e negociação.

Impor sofrimento para punir e coibir. Restituir para compensar as partes e reconciliar. Comunidade: marginalizada, representada pelo estado Comunidade: viabiliza o processo restaurativo. (Fonte: Scuro Neto, 2005, p. 201)

Na justiça retributiva, quando há o cometimento do crime ou da contravenção penal, o estado, com a finalidade de assegurar a paz social, chama para si à responsabilidade de apurar o fato e punir o infrator, sem muitas vezes, nos casos de ação pública incondicionada, saber qual a vontade da vítima. No que se refere ao papel da vítima no sistema penal atual destaca-se que:

O direito ditado por um ente apresentado como imparcial – o estado – como única fonte de produção, afastou as regras sociais, sob o argumento de que seriam causas de novos conflitos. O Estado, „alçado à condição de garantidor da ordem pública,‟ apoderou-se da vontade das partes envolvidas no conflito, sob fundamento de que o desvio ofende a coletividade, e a resposta, portanto independe da vontade da vítima.

(20)

A distribuição da justiça penal é monopolizada, e para representar os interesses estatais, sociais e o próprio ofendido, surgiu a figura do procurador [...] (SALIBA, 2009, p. 109).

Na justiça restaurativa a vítima passa de simples expectadora inerte, para atriz principal, atuando de forma a expressar seus sentimentos, dialogando com o autor do fato até que juntos (vítima, autor e facilitador) cheguem a um consenso sobre a forma que o problema será resolvido. Ou seja, juntos constroem a melhor solução, aliviando aquela sensação de impotência, na medida em que durante todo o procedimento estão conscientes dos resultados e consequência decorrentes da aplicação das técnicas restaurativas.

É necessário deixar claro o papel que cada uma das partes autor, vítima e comunidade, irão desempenhar neste novo modelo proposto, fazendo um comparativo com o modelo retributivo utilizado atualmente, para que haja um melhor entendimento sobre a matéria.

A vítima, como dito acima, ocupa o centro do processo, participando ativamente deste. Além disso, tem conhecimento do que se passa, recebe assistência, é ouvida e sente-se capaz de contribuir na solução de seu próprio problema, tendo ao final a sensação de reparação pelo mal que lhe foi feito. Já na justiça retributiva ocupa papel secundário, pois não tem participação ativa, sendo que muitas vezes nem sabe o que se passa e não recebe nenhuma proteção, nem assistência. Com isso, desenvolve, em algumas circunstâncias, um sentimento de “frustração e ressentimento com o sistema”, conforme afirma Prudente (2008, p. 213).

Quanto ao infrator, participa ativamente, envolvendo-se no processo, responsabilizando-se pelos danos e consequências do delito, interagindo com a vítima, tendo a oportunidade de ouvir e sensibilizar-se com o trauma sofrido pelo ofendido, ficando ciente das consequências causadas pelo seu ato, contribuindo para a solução do problema o que possibilita-lhe a mudança de comportamento. Enquanto na justiça retributiva não tem participação, comunica-se por meio de um defensor, sendo impedido de falar com a vítima, não havendo uma responsabilização efetiva pelo cometimento do fato, bem como pela reparação do dano causado, apenas punição na proporção do que fez (PRUDENTE, 2008).

A comunidade por sua vez, viabiliza o processo restaurativo, contribuindo para que haja o diálogo e a reparação entre as partes, bem como de que cumpram o compromisso, por eles assumido. Por outro lado, a comunidade no sistema atual é representada pelo estado, que

(21)

impondo uma punição ao infrator acredita ressocializá-lo e fazê-lo entender, pela intimidação, que seu ato é contrário aos interesses dos demais membros da sociedade (SCURO NETO, 2005).

1.4 Princípios e valores norteadores

Os Princípios que norteiam a aplicação da justiça restaurativa estão elencados na Resolução nº 2002/12 da ONU, sendo que um dos mais importantes é a autonomia e voluntariedade na participação do processo restaurativo, ou seja, não pode haver obrigatoriedade, é necessário deixar claro às partes, desde o início, que elas podem optar por este novo modelo ou pela justiça tradicional, bem como desistirem a qualquer momento, quando então seguirá o processo judicial, mesmo já tendo sido iniciado a aplicação das práticas restaurativas.

Adicionalmente, a Resolução nº 2002/12 da ONU elenca outros princípios imprescindíveis à aplicação da justiça restaurativa, quais são: Plena informação às partes sobre as práticas restaurativas anteriormente à adesão ao processo restaurativo, bem como quanto aos procedimentos em que se envolverão; respeito mútuo entre os participantes do encontro; corresponsabilidade ativa dos participantes; atenção à pessoa que sofreu o dano e atendimento de suas necessidades, considerando às possibilidades de restauração da pessoa que o causou; envolvimento da comunidade pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação; atenção às diferenças socioeconômicas e culturais entre os participantes; garantia do direito à dignidade dos participantes; promoção de relações imparciais e não hierárquicas; facilitação por pessoa devidamente qualificada e que seja capaz de identificar e compreender as diferenças culturais e regionais; sigilo e confidencialidade de todas as informações referentes ao processo restaurativo.

Finalizando, outro princípio importantíssimo que deve ser observado é o da legalidade, pois apesar da justiça restaurativa ser despida de certas formalidades, comparando-se com o sistema processual atual, o fato cometido deve comparando-ser contrário à lei e deve haver justa causa para o exercício da persecução penal, ou seja, o autor da infração penal somente será submetido ao processo restaurativo quando houver prova suficiente de autoria. Até porque, caso as partes não optem pelo processo restaurativo, deve o titular da ação penal propô-la.

(22)

Além dos princípios acima elencados, para que haja efetividade na aplicação das práticas restaurativas, há que serem seguidos e observados certos valores, os quais são a chave para a verdadeira restauração. Scuro Neto (2005, p. 198, grifo do autor), cita a Inclusão, a Reparação, o Encontro e a Reintegração, como valores fundamentais ao processo restaurativo e, assim os explica:

Os valores da justiça restaurativa acarretam, em primeiro lugar, inclusão das partes envolvidas – por meio de convite, reconhecimento de interesses, aceitação de pontos de vista alternativos –em um processo sistemático e controlado que promove o encontro (reunião, narrativa, expressão de emoção, compreensão, acordo) e propicia aos próprios autores a chance de determinar o grau apropriado de reparação (desculpas, mudança de comportamento, restituição, generosidade). Envolvem, igualmente, um processo de reintegração (respeito, apoio e direcionamento material, moral e espiritual).

Já para Chris Marshall, Jim Boyack e Helen Bowen (2005, p. 271-272), os valores fundamentais do processo restaurativo são “a participação, o respeito, a honestidade, a humildade, a interconexão, a responsabilidade, o empoderamento e a esperança.”

A participação consiste na ideia de que as partes, que são os mais afetados pelo delito, bem como os principais interessados na resolução do conflito é que devem se manifestar, falar, e tomar decisões, não profissionais treinados, que representam os interesses do estado.

O Respeito transmite a ideia de que todos são iguais (vítima, autor, facilitador), e que todos os envolvidos devem ser tratados da mesma forma, tratados com consideração, independentemente de terem cometido crime ou não, independente de raça, cor e status social.

A Honestidade é outro valor de suma importância, pois ao falar honestamente sobre o ocorrido, sobre seus sentimentos pessoais e responsabilidades morais, há possibilidade de esclarecer como aconteceram os fato, bem como a atribuição de culpa. É a verdade sobre os fatos.

A Humildade decorre da necessidade de interação, pois ao interagirem, as partes percebem que apesar de suas diferenças e do conflito que se estabeleceu entre elas, possuem algo em comum: ambos são seres humanos, e o ser humano é falho, capaz de errar, mas também de corrigir seus atos.

(23)

Interconexão, parte do pressuposto de que, reconhecendo que a sociedade é composta por indivíduos que se interligam em seus relacionamentos, e que por hora, este convívio pode gerar conflitos (crime), é dever da sociedade intervir para restabelecer os laços e apurar a responsabilidade para a reparação.

Responsabilidade é a obrigação moral do infrator de assumir o ato praticado e diminuir as consequências causadas para a vítima, através da reparação do dano causado, bem como pela busca pelo perdão.

Já o empoderamento devolve à vítima o poder de determinar sua vontade (o que lhe foi ceifado durante o cometimento do crime), e ao infrator a possibilidade de tomar consciência do mal que fez, sendo que uma das consequências será remediar seu ato e provocar mudança de postura.

E, por fim, a Esperança, porque o foco da justiça restaurativa não é o passado (apurar o cometimento do crime, para atribuição de culpa e pena), mas o futuro (reparação do dano e restabelecimento dos laços), portanto, “a justiça restaurativa alimenta esperanças - a esperança de cura para as vítimas, a esperança de mudança de comportamento para os infratores e a esperança de maior civilidade para a sociedade.” (MARSHALL; BOYACK; BOWEN, 2005, p. 273).

Desse modo, os valores destacados se complementam e agregam solidez ao processo restaurativo para que, além da resolução do conflito em questão, as partes reflitam sobre suas atitudes.

1.5 Modelos de justiça restaurativa

Diferentemente do modelo retributivo, no qual há procedimentos solenes e onde a inobservância de algum dos atos leva a nulidade de todo o processo ou de algum ato, a justiça restaurativa não tem uma única forma ou um ritual a ser seguido, devido as individualidades de cada país ou de cada região, devendo ser observados rigorosamente os princípios e valores que norteiam a sua aplicação, Saliba (2009, p. 175) sabiamente acrescenta:

(24)

Essa ausência de formalismo ritualístico está dentro das perspectivas de ação de um Direito pós-moderno, reivindicador de justiça social, a desprezar a forma, quando dispensável, e rejeitar a negação de direitos por esses critérios, que se mostram deletérios por serem embasados numa legalidade estrita. Há flexibilidade frente aos complexos fenômenos sociais, em busca da efetividade das respostas ao caso concreto. Essa ausência de formalidades não representa ausência de garantias e desrespeito às prerrogativas mínimas para a proteção dos fins almejados pela justiça restaurativa, uma vez que violaria seus próprios; ao contrário, o objetivo da desformalização dos procedimentos é o cumprimento dos princípios propostos e qualquer interpretação diversa não encontra sintonia com esta.

Segundo o que prevê a Resolução nº 2002/12 da ONU, que regulamenta a aplicação da justiça restaurativa a nível mundial, o processo restaurativo é aquele em que as partes participam ativamente da resolução do conflito, podendo ser utilizadas técnicas como a mediação, conciliação, a reunião familiar ou comunitária e círculos decisórios, sendo que cada uma delas deve ser adequada ao caso concreto, assim conceituado:

Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). (BRASIL, 2002).

Os modelos mais utilizados para solução de conflitos na justiça restaurativa são os programas de Mediação vítima-infrator; Encontros restaurativos com grupos de familiares (conferencing)2; e os Círculos de emissão de sentenças (sentencing circles)3. Para um melhor entendimento, será feita uma breve abordagem sobre o que versa cada um destes modelos ou práticas restaurativas.

1.5.1 Mediação vítima-infrator/ofensor

A mediação vítima-infrator, ou ofensor, segundo Scuro Neto (2005) consiste basicamente no encontro das partes envolvidas em determinado conflito, ou seja, autor e vítima, juntamente com um mediador. Primeiramente a função do mediador é fazer contato com as partes, explicando sobre o procedimento de justiça restaurativa e verificando se ambos tem interesse em participar deste procedimento, bem como se o encontro entre os conflitantes será seguro e construtivo, principalmente para a vítima.

2Conferência

(25)

Durante o encontro, o mediador deverá conduzir a conversa entre as partes, permitindo que elas se manifestem sobre o ocorrido, e falem abertamente, de forma a expressarem seus sentimentos. A vítima deverá relatar sobre suas perdas e o autor demonstrar arrependimento, até que juntos restabeleçam as relações e construam um acordo sobre a reparação do dano, o qual será lavrado por escrito ao final.

A mediação vítima-ofensor, também chamada por Azevedo (2005) de MVO, em sua essência é como as demais formas de mediação, onde as partes em conflito auxiliadas por um mediador são estimuladas a encontrar uma solução para o problema. No entanto nesse processo há algumas diferenças importantes se comparadas à mediação civil, e assim aduz:

Exemplificativamente, em mediações cíveis há, em regra, a contraposição de interesses e resistência quanto a pedidos recíprocos. Já na mediação vítima-ofensor, o fato de uma parte ter cometido um crime e outra ter sido a vítima deve ser incontroversa. Assim, a questão da culpa ou inocência não é mediada. Enquanto que algumas outras formas auto compositivas são claramente direcionadas ao acordo a MVO direciona-se preponderantemente a estabelecer um diálogo entre vitima e o ofensor, com ênfase em restauração da vítima, responsabilização do ofensor e recuperação das perdas morais, patrimoniais e afetivas [...] (AZEVEDO, 2005, p. 142)

Também, segundo Azevedo (2005) a MVO é divida em três fases sequenciais, ou seja, a pré-seleção de casos, a preparação para a mediação e a mediação vítima-ofensor, tendo cada uma delas suas características.

A pré-seleção de casos consiste em fazer uma seleção dos casos que possam ser resolvidos pelo processo MVO, levando em consideração alguns critérios como gravidade do crime, assunção de responsabilidade do fato pelo autor, não ser o autor reincidente, individuação das vítimas, dentre outros.

A segunda fase chamada de preparação para a mediação se inicia com o contato, normalmente telefônico, para a vítima e para o ofensor, informando como se processa a justiça restaurativa e verificando se as partes tem interesse em participar, caso as partes demonstrem interesse será agendado um encontro individual, primeiramente com uma parte depois com a outra, chamado de entrevista pré-mediação, onde habitualmente segue-se o seguinte roteiro:

(26)

I) Abre os trabalhos com apresentações pessoais; II) Expõe o processo de mediação, seus princípios e suas diretrizes; III) Houve ativamente a perspectiva da parte; IV) Responde eventuais questionamentos da parte; V) Identifica sentimentos da parte para que estes possam ser adequadamente endereçados na mediação; VI) Estimula a parte a elaborar um roteiro do que será debatido na sessão conjunta ao elencar questões controvertidas e interesses ( AZEVEDO, 2005, p.145).

Nesta entrevista o mediador instrui como se processa a mediação vítima ofensor, deixando claro as vantagens e desvantagens e, será por meio desta conversa que o mediador poderá verificar quais são as perspectivas das partes e se os envolvidos encontram-se preparados para a mediação. Normalmente esta fase dura aproximadamente uma hora.

A terceira e última fase que é a mediação vítima-ofensor propriamente dita, é o momento do encontro entre as partes, onde o mediador dará início aos trabalhos, relembrando-os das regras e princípios que regem os procedimentos de justiça restaurativa.

Como deixar claro, desde logo, que cada um terá espaço para se manifestar, não podendo haver interrupções pelo outro, salientando que o espaço é para diálogo, com objetivo de encontrar a solução para o problema, não podendo as partes agir ou expressarem-se de forma agressiva. É importante também enaltecer a ideia que o papel do mediador não é julgar, mas o de auxiliar a resolver o conflito, sendo o acordo lavrado somente após a concordância de ambos.

Após a abertura é disponibilizado a palavra a uma das partes, normalmente a primeira a se manifestar é a vítima, depois ao ofensor, após esta etapa, onde as partes irão expor seus sentimentos, poderão fazer perguntas um ao outro, desta forma estabelecendo-se aos poucos uma espécie de diálogo, tudo isso sob a supervisão do mediador, o qual deve interferir com firmeza, caso perceba algum tipo de agressividade na conversa.

Por meio do diálogo entre os envolvidos, o mediador identifica os pontos controversos e interesses de cada um deles e os expõe de forma imparcial, focando a mediação nestas questões e, conduzindo as partes a um acordo quanto à forma de solução do conflito e reparação do dano. Após o consenso entre ambos o acordo será redigido e posteriormente homologado pelo juiz.

(27)

1.5.2 Encontros restaurativos (conferencing)

Os Encontros restaurativos com grupos de familiares (conferencing) consistem no encontro da vítima e do infrator, bem como de pessoas da família e amigos de ambas as partes, todos engajados na solução do conflito e em buscar a melhor forma de administrar e superar as consequências do delito. Durante o encontro se procederá da mesma forma que na mediação, sendo esta realizada por coordenadores, que geralmente são assistentes sociais, como também policiais treinados.

Acerca do procedimento realizado em ditos encontros Scuro Neto (2005, p. 203) esclarece que:

Um coordenador atua como facilitador e mediador, trabalhando os participantes na consecução de um “plano de reparação” que represente um compromisso visto como justo por todos. O processo pode ser detido a qualquer momento, em particular quando o infrator mostra preferencia pelo rito judicial convencional- ao qual se recorre quando, por qualquer razão, se o acordo não for cumprido. (SCURO NETO, 2005, p. 203, grifo do autor).

Ainda, segundo Scuro Neto (2005) a aplicação dos encontros restaurativos são indicados para os casos de crimes mais graves, onde a mediação autor/vítima não surtiria efeito, como violência doméstica, cometimento de crimes por jovens infratores e de crimes praticados em decorrência de embriaguez ao volante, podendo existir modalidades especializadas de câmaras, voltadas para casa assunto, de modo, a especificar a atuação dos envolvidos no processo restaurativo.

Exemplos dessa especialização seria a criação de câmara especializada em violência familiar, que somente trabalharia com casos abarcados pela Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, câmara especializada em jovens infratores, que atuaria apenas em cometimento de ato infracional, podendo cada região montar suas câmaras, focadas inclusive em outros assuntos, dependendo da demanda do local.

1.5.3 Círculos de emissão de sentenças ( sentencing ou sentencing circles)

Diferentemente da mediação vítima-infrator e dos encontros restaurativos, que são desenvolvidos em ambiente informal e fora do sistema judiciário, o círculo de emissão de

(28)

sentenças faz parte do processo formal, onde ao invés de impor a condenação, o juiz após o consenso do círculo propõe um acordo.

Acerca dos círculos Froestad e Shearing (2005, p. 84) aduzem que:

Não é uma forma de encaminhamento alternativo, mas uma parte do processo formal de emissão de sentença. O juiz impõe um acordo sobre uma sentença que resulta em uma condenação e um antecedente criminal correspondente. Porém, o foco está na tomada de decisão consensual que aborda os interesses de todas as partes.

Além do juiz, participam do círculo que emite sentença todos os envolvidos no delito, tais como autor e vítima, membros da comunidade, advogados, conselhos de defesa, polícia e funcionários da justiça, que juntos escolherão a melhor forma de administrar o conflito, levando em consideração os interesses e necessidades de ambas as partes, estabelecendo um plano de sentença.

Esta modalidade de procedimento restaurativo é indicada apenas para o cometimento de crimes mais graves. Segundo Silvana Sandra Paz e Silvina Marcela Paz (2005) esta prática é utilizada nos Estados Unidos e foi adaptada na Argentina para crimes de abuso sexual.

Apesar da resolução nº 2002/12 da ONU prever três modelos de processos restaurativos, os quais foram estudados acima, onde a aplicação depende da natureza do crime e dos envolvidos, há autores brasileiros como Scuro Neto e Gomes Pinto, que se referem apenas a dois modelos, quais são a mediação infrator/vítima e às câmaras restaurativas.

Já Saliba (2009), em seus escritos não adere a nenhum modelo proposto, apenas menciona os princípios que devem ser seguidos, fazendo algumas observações de como deve ser conduzido o processo restaurativo como, por exemplo, de que o encontro deve ser em local neutro, onde se reunirão as partes, os facilitadores, mediadores ou conciliadores com assistência de advogado, nos casos em que as partes entenderem necessário.

Quanto ao processo deverá ser desenvolvido em duas etapas, sendo na primeira ouvidas as partes acerca dos fatos ocorridos, as causas que ensejaram a ocorrência dos fatos e consequências dele resultantes. Na segunda etapa, as partes devem apresentar, discutir e

(29)

acordar um plano restaurativo, com o estabelecimento de obrigações razoáveis e proporcionais, de forma que possam garantir o seu cumprimento.

Outro fator importante a ser observado na segunda fase é a verificação de que se o que foi acordado está sendo realmente cumprido, para que os objetivos do processo restaurativo sejam alcançados em sua plenitude.

Scuro Neto (2005) e Gomes Pinto (2008) não se manifestam quanto à forma como se dará a conclusão do processo restaurativo, após o acordo, apenas mencionam que será lavrado termo por escrito, podendo estar sujeito à análise judicial.

Já Saliba (2009), acredita ser de fundamental importância, a apreciação pelo Poder Judiciário, por estar a justiça restaurativa atuando dentro do poder punitivo estatal e por ser preceito constitucional nos termos do art. 5º, XXXV, a não exclusão pela lei da apreciação pelo poder judiciário de lesão ou ameaça a direito, e acrescenta que:

Todo o processo caminha para o acordo restaurativo, que, uma vez alcançado deve ser encaminhado ao Poder Judiciário para manifestação obrigatória e indispensável, do Ministério público e advogado e defensor público. Após, o juiz de direito deverá homologar o acordo restaurador e, havendo dúvidas poderá convocar as partes, o mediador ou conciliador para esclarecimentos em audiência, mantida a informalidade, com participação do promotor de justiça e advogado ou defensor público. O comparecimento dos operadores do direito ao espaço político para a colheita das informações e troca de experiências, quebrando uma tradição moderna de distanciamento das autoridades com os súditos, não pode ser dispensada e é medida legitimadora do processo de cidadania. (SALIBA, 2009, p. 179).

Acredita-se ser de fundamental importância a apreciação, bem como a homologação dos acordos pelo magistrado, por estar a justiça restaurativa inserida dentro do poder punitivo do estado e principalmente para assegurar direitos e garantias constitucionais.

(30)

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Neste capítulo será feito um estudo sobre a possibilidade de implantação da justiça restaurativa no Brasil, analisando a Lei nº 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, bem como do Projeto de Lei nº 7006-2006, o qual tramita na Câmara dos Deputados visando à alteração de alguns dispositivos da legislação penal e processual penal, com a finalidade de implantação dos ideais restaurativos em nosso país. Para finalizar serão trazidas experiências onde foram aplicadas técnicas restaurativas para resolução de conflitos, desenvolvidos em forma de projetos- piloto.

2.1 A justiça restaurativa para possível solução: Projeto de Lei nº 7006-2006

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, em regime de prioridade, o Projeto de Lei nº 7006/2006, apresentado pela Comissão de Legislação Participativa em 10/05/2006, que versa sobre a alteração na legislação penal e processual penal, com a finalidade de implantação da justiça restaurativa no Brasil.

Dentre outras movimentações, foi enviada à Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, para parecer, manifestando-se o relator Deputado Antônio Carlos Biscaia, pela rejeição do mérito em 10/11/2009, alegando o seguinte:

Se do ponto de vista formal e material nenhuma mácula pode-se atribuir ao Projeto, o mesmo não se pode afirmar de seu mérito, especialmente, quanto à oportunidade. O País passa por um período de sentimento de impunidade, com grande produção legislativa com o objetivo de criminalizar condutas e agravar penas. Esse projeto, por sua vez, caminha em sentido contrário, despenalizando condutas.

Na forma apresentada, não se trata de medida apenas despenalizadora, pois isto o Legislador já o fez ao aprovar a Lei de Juizados Especiais, mas de medida que retira das autoridades envolvidas com a persecução penal a proximidade e o contato direto com o infrator, deixando esta função aos representantes da comunidade.

Observa-se, ainda, que, na forma apresentada, o Projeto possibilita ao intérprete estender o benefício a condutas que o Legislador hoje não pretende, ou seja, condutas que não possam valer-se do processo sumaríssimo dos juizados especiais. Por fim, é preciso ressaltar que a criação do instituto da transação penal e da suspensão processual ou „sursis‟ processual no âmbito da justiça criminal representou um grande avanço jurídico em nosso país.

Neste sentido, o que se faz necessário e urgente para o aprimoramento dos juizados especiais e, por conseguinte, uma maior efetividade na aplicação dos dois institutos inovadores já citados é um maior investimento do Estado naqueles órgãos, com incremento do número de juízes e servidores, além é claro de uma melhor estrutura de trabalho. Feito isto pelo Estado, os juizados especiais certamente desempenhariam papel de suma importância na solução dos conflitos de menor

(31)

potencial ofensivo no âmbito criminal. Ante o exposto, o parecer é pela constitucionalidade, juridicidade, inadequada técnica legislativa, e, no mérito, pela rejeição do PL nº 7.006, de 2006.

Em 2011 foi arquivado devido término da legislatura, e no mesmo ano após a retomada dos trabalhos foi solicitado seu desarquivamento pela Comissão de Legislação Participativa, estando desde abril de 2011, na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para deliberação.

Mesmo em regime de prioridade está em trâmite desde 2006, e não se sabe quando, nem se será aprovado, até porque no entendimento do relator da CCJC, dito projeto é contrário aos anseios da população que busca penas mais severas. Entretanto, será feito um estudo detalhado dos artigos constantes no projeto, bem como acerca da viabilidade de sua aprovação, por ser a única tentativa de inovação legislativa na área de justiça restaurativa, que se tem conhecimento.

O projeto de lei em comento propõe a alteração do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei nº 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, com a finalidade de incluir na legislação penal a faculdade do uso de práticas restaurativas. A futura lei possui vinte artigos, sendo que do art. 1º ao 10º trata sobre o funcionamento da justiça restaurativa e sua aplicação, e, a partir do art. 11 altera a legislação penal para a inserção da justiça restaurativa.

Importante destacar o disposto no art. 2º do referido projeto, o qual define o que é o procedimento restaurativo, in verbis:

Art. 2° - Considera-se procedimento de justiça restaurativa o conjunto de práticas e atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros entre a vítima e o autor do fato delituoso e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente estruturado denominado núcleo de justiça restaurativa. (BRASIL, 2006).

Na sequência, o art. 3º refere-se ao acordo restaurativo, no qual deverá constar as obrigações assumidas pelas partes, de forma a ser suprida as necessidades das pessoas envolvidas no conflito. Já o art. 4º regulamenta a forma como será realizado o encaminhamento das demandas para o núcleo de justiça restaurativa, sendo que

(32)

primeiramente o juiz analisará as peças processuais e, nas hipóteses que se enquadrar nos procedimentos da JR, após o parecer favorável do ministério público, poderá remetê-los ao núcleo.

Referindo-se a formação do núcleo de justiça restaurativa o art. 5º especifica que deverá ser instalado em local adequado e devidamente estruturado, devendo contar com recursos humanos e materiais para funcionamento eficiente.

Dito núcleo, conforme preceitua o art. 6º e parágrafos será composto por três coordenações: a administrativa, a técnica interdisciplinar e a equipe de facilitadores. A coordenação administrativa é competente para o gerenciamento e apoio do núcleo. A coordenação técnica interdisciplinar será formada por psicólogos e assistentes sociais, os quais serão responsáveis por selecionar, avaliar e capacitar os facilitadores, bem como supervisionar os procedimentos restaurativos. A equipe de facilitadores será composta preferencialmente também por profissionais da área de psicologia e assistência social, os quais conduzirão o processo restaurativo.

O art. 7º trata do desenvolvimento do procedimento restaurativo, dos atos que devem ser realizados como consulta às partes da voluntariedade de participação, conversa preparatória com as partes em separado, e o encontro restaurativo propriamente dito com o objetivo de resolução do conflito.

O procedimento será pautado em princípios restaurativos, os quais estão elencados no art. 9º, sendo eles a voluntariedade, a dignidade da pessoa humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, a cooperação, da informalidade, da confidencialidade, interdisciplinariedade, responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé, cuja aplicação tem como finalidade a efetiva restauração do conflito.

Já o art. 11 propõe que seja acrescido o inciso X ao art. 107 do Código Penal, passando também a ser causa de extinção da punibilidade o efetivo cumprimento do acordo restaurativo. Conforme art. 12 pretende-se também alterar o art. 117 do Código Penal, que elenca as causas que interrompem a prescrição, incluindo o inciso VII neste artigo, tendo como causa interruptiva da prescrição a homologação do acordo restaurativo, até seu efetivo cumprimento.

(33)

As alterações pretendidas para o Código de Processo Penal estão previstas nos artigos 13 ao 16, sendo que merecem destaque a possibilidade de o delegado, após o término do inquérito, em seu relatório sugerir o encaminhamento das partes ao processo restaurativo, a opção do juiz com anuência do Ministério Público remeter os autos do inquérito aos núcleos de JR, caso as partes manifestarem interesse, bem como a possibilidade do promotor de justiça deixar de propor a ação penal, durante o curso do procedimento restaurativo, ficando suspenso o prazo para o oferecimento desta.

Outra significativa alteração é a de inserção do Capítulo VIII, contendo sete artigos que tratam especificamente do Processo Restaurativo, os quais estatuem que:

Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem

como as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal, recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento restaurativo.

Art. 557 – Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores,

incumbindo-Ihes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre o procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a resolução do conflito.

Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor

do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores.

Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos

facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo nele constar as responsabilidades assumidas e os programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato.

Art. 560 – Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes

poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da lei processual.

Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento

restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento.

Art. 562 - O acordo restaurativo deverá necessariamente servir de base para a

decisão judicial final.

Parágrafo Único – Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado

sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Aos artigos 17 a 20, coube a missão de estabelecer acerca das modificações de dispositivos da Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), no intuito de aplicar as

(34)

práticas restaurativas também aos crimes intitulados como de menor potencial ofensivo, sempre que visualizada essa possibilidade pelos agentes competentes.

Desta forma, o Projeto de Lei prevê alteração no art. 62 da Lei nº 9.099/95 o qual atualmente possui a seguinte teor:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Com a alteração proposta passaria a ter a seguinte redação:

Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas.

É acrescido também o § 2º no art. 69, prevendo a possibilidade da autoridade policial sugerir a remessa dos termos circunstanciado ao procedimento restaurativo, o qual passaria a ter a seguinte redação:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

§ 1º Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

§ 2º A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo.

Também é acrescido o § 7º, ao art. 76 da Lei nº 9.099/95, que autoriza a possibilidade do ministério público em qualquer fase do processo encaminhar as partes ao núcleo de justiça restaurativa, com o seguinte teor:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

[...]

§ 7º – Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa.

Referências

Documentos relacionados

El modelado se realizó con las herramientas contenidas en el Spacial Data Modeler - SDM para ArcGIS 9.3 (SAWATZKY et al , 2004), y se hizo en cuatro etapas: a) fuzzificación de los

O questionário em questão foi desenvolvido e aplicado por pesquisadores do National Institute Of Occupational Safety & Health (NIOSH) dos Estados Unidos, o qual foi

A análise das respostas dos PEA com sons verbas e não verbais nas crianças do Grupo Estudo Bilateral (GEB) revelou aumento nos valores de latência e amplitude em todas as

A correspondência é consequéncia da exist.éncia de uma relação reciproca ent.re bases (eixos principais) e coordenadas dos dois espaços euclidianos ponderados que

O Os objetivos específicos buscaram identificar e avaliar, de acordo com o método de Barrett (2006), os valores e níveis de consciência dos entrevistados através da identificação

Rua Esmeralda, 430 – Faixa Nova – Camobi -97110-767 – Santa Maria – RS Fone/FAX: (55) 3217 0625..

O Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo Regional deve expressar o processo de planejamento do turismo em cada município, mas, por certo, não se constitui num

Desde criança lembro que a edição do Diário no dia 1º de setembro era algo muito esperado. Os mogianos sempre souberam que a equipe do jornal, que todos os dias se esmera na missão de