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A justiça restaurativa para possível solução: Projeto de Lei nº 7006-2006

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, em regime de prioridade, o Projeto de Lei nº 7006/2006, apresentado pela Comissão de Legislação Participativa em 10/05/2006, que versa sobre a alteração na legislação penal e processual penal, com a finalidade de implantação da justiça restaurativa no Brasil.

Dentre outras movimentações, foi enviada à Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, para parecer, manifestando-se o relator Deputado Antônio Carlos Biscaia, pela rejeição do mérito em 10/11/2009, alegando o seguinte:

Se do ponto de vista formal e material nenhuma mácula pode-se atribuir ao Projeto, o mesmo não se pode afirmar de seu mérito, especialmente, quanto à oportunidade. O País passa por um período de sentimento de impunidade, com grande produção legislativa com o objetivo de criminalizar condutas e agravar penas. Esse projeto, por sua vez, caminha em sentido contrário, despenalizando condutas.

Na forma apresentada, não se trata de medida apenas despenalizadora, pois isto o Legislador já o fez ao aprovar a Lei de Juizados Especiais, mas de medida que retira das autoridades envolvidas com a persecução penal a proximidade e o contato direto com o infrator, deixando esta função aos representantes da comunidade.

Observa-se, ainda, que, na forma apresentada, o Projeto possibilita ao intérprete estender o benefício a condutas que o Legislador hoje não pretende, ou seja, condutas que não possam valer-se do processo sumaríssimo dos juizados especiais. Por fim, é preciso ressaltar que a criação do instituto da transação penal e da suspensão processual ou „sursis‟ processual no âmbito da justiça criminal representou um grande avanço jurídico em nosso país.

Neste sentido, o que se faz necessário e urgente para o aprimoramento dos juizados especiais e, por conseguinte, uma maior efetividade na aplicação dos dois institutos inovadores já citados é um maior investimento do Estado naqueles órgãos, com incremento do número de juízes e servidores, além é claro de uma melhor estrutura de trabalho. Feito isto pelo Estado, os juizados especiais certamente desempenhariam papel de suma importância na solução dos conflitos de menor

potencial ofensivo no âmbito criminal. Ante o exposto, o parecer é pela constitucionalidade, juridicidade, inadequada técnica legislativa, e, no mérito, pela rejeição do PL nº 7.006, de 2006.

Em 2011 foi arquivado devido término da legislatura, e no mesmo ano após a retomada dos trabalhos foi solicitado seu desarquivamento pela Comissão de Legislação Participativa, estando desde abril de 2011, na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para deliberação.

Mesmo em regime de prioridade está em trâmite desde 2006, e não se sabe quando, nem se será aprovado, até porque no entendimento do relator da CCJC, dito projeto é contrário aos anseios da população que busca penas mais severas. Entretanto, será feito um estudo detalhado dos artigos constantes no projeto, bem como acerca da viabilidade de sua aprovação, por ser a única tentativa de inovação legislativa na área de justiça restaurativa, que se tem conhecimento.

O projeto de lei em comento propõe a alteração do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei nº 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, com a finalidade de incluir na legislação penal a faculdade do uso de práticas restaurativas. A futura lei possui vinte artigos, sendo que do art. 1º ao 10º trata sobre o funcionamento da justiça restaurativa e sua aplicação, e, a partir do art. 11 altera a legislação penal para a inserção da justiça restaurativa.

Importante destacar o disposto no art. 2º do referido projeto, o qual define o que é o procedimento restaurativo, in verbis:

Art. 2° - Considera-se procedimento de justiça restaurativa o conjunto de práticas e atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros entre a vítima e o autor do fato delituoso e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente estruturado denominado núcleo de justiça restaurativa. (BRASIL, 2006).

Na sequência, o art. 3º refere-se ao acordo restaurativo, no qual deverá constar as obrigações assumidas pelas partes, de forma a ser suprida as necessidades das pessoas envolvidas no conflito. Já o art. 4º regulamenta a forma como será realizado o encaminhamento das demandas para o núcleo de justiça restaurativa, sendo que

primeiramente o juiz analisará as peças processuais e, nas hipóteses que se enquadrar nos procedimentos da JR, após o parecer favorável do ministério público, poderá remetê-los ao núcleo.

Referindo-se a formação do núcleo de justiça restaurativa o art. 5º especifica que deverá ser instalado em local adequado e devidamente estruturado, devendo contar com recursos humanos e materiais para funcionamento eficiente.

Dito núcleo, conforme preceitua o art. 6º e parágrafos será composto por três coordenações: a administrativa, a técnica interdisciplinar e a equipe de facilitadores. A coordenação administrativa é competente para o gerenciamento e apoio do núcleo. A coordenação técnica interdisciplinar será formada por psicólogos e assistentes sociais, os quais serão responsáveis por selecionar, avaliar e capacitar os facilitadores, bem como supervisionar os procedimentos restaurativos. A equipe de facilitadores será composta preferencialmente também por profissionais da área de psicologia e assistência social, os quais conduzirão o processo restaurativo.

O art. 7º trata do desenvolvimento do procedimento restaurativo, dos atos que devem ser realizados como consulta às partes da voluntariedade de participação, conversa preparatória com as partes em separado, e o encontro restaurativo propriamente dito com o objetivo de resolução do conflito.

O procedimento será pautado em princípios restaurativos, os quais estão elencados no art. 9º, sendo eles a voluntariedade, a dignidade da pessoa humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, a cooperação, da informalidade, da confidencialidade, interdisciplinariedade, responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé, cuja aplicação tem como finalidade a efetiva restauração do conflito.

Já o art. 11 propõe que seja acrescido o inciso X ao art. 107 do Código Penal, passando também a ser causa de extinção da punibilidade o efetivo cumprimento do acordo restaurativo. Conforme art. 12 pretende-se também alterar o art. 117 do Código Penal, que elenca as causas que interrompem a prescrição, incluindo o inciso VII neste artigo, tendo como causa interruptiva da prescrição a homologação do acordo restaurativo, até seu efetivo cumprimento.

As alterações pretendidas para o Código de Processo Penal estão previstas nos artigos 13 ao 16, sendo que merecem destaque a possibilidade de o delegado, após o término do inquérito, em seu relatório sugerir o encaminhamento das partes ao processo restaurativo, a opção do juiz com anuência do Ministério Público remeter os autos do inquérito aos núcleos de JR, caso as partes manifestarem interesse, bem como a possibilidade do promotor de justiça deixar de propor a ação penal, durante o curso do procedimento restaurativo, ficando suspenso o prazo para o oferecimento desta.

Outra significativa alteração é a de inserção do Capítulo VIII, contendo sete artigos que tratam especificamente do Processo Restaurativo, os quais estatuem que:

Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem

como as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal, recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento restaurativo.

Art. 557 – Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores,

incumbindo-Ihes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre o procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a resolução do conflito.

Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor

do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores.

Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos

facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo nele constar as responsabilidades assumidas e os programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato.

Art. 560 – Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes

poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da lei processual.

Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento

restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento.

Art. 562 - O acordo restaurativo deverá necessariamente servir de base para a

decisão judicial final.

Parágrafo Único – Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado

sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Aos artigos 17 a 20, coube a missão de estabelecer acerca das modificações de dispositivos da Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), no intuito de aplicar as

práticas restaurativas também aos crimes intitulados como de menor potencial ofensivo, sempre que visualizada essa possibilidade pelos agentes competentes.

Desta forma, o Projeto de Lei prevê alteração no art. 62 da Lei nº 9.099/95 o qual atualmente possui a seguinte teor:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Com a alteração proposta passaria a ter a seguinte redação:

Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas.

É acrescido também o § 2º no art. 69, prevendo a possibilidade da autoridade policial sugerir a remessa dos termos circunstanciado ao procedimento restaurativo, o qual passaria a ter a seguinte redação:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

§ 1º Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

§ 2º A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo.

Também é acrescido o § 7º, ao art. 76 da Lei nº 9.099/95, que autoriza a possibilidade do ministério público em qualquer fase do processo encaminhar as partes ao núcleo de justiça restaurativa, com o seguinte teor:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

[...]

§ 7º – Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa.

Estas são em suma as possíveis alterações que poderão ocorrer na legislação penal, caso seja aprovado o projeto de lei em comento. Keli Amanda Hummes e Gabriel Antinolfi Divan, em artigo elaborado pelo grupo de ciências criminais da Universidade de Passo Fundo, tecem alguns comentários críticos sobre o projeto de lei referido, no tocante aos art. 4º e 16, pois condicionam a aplicação de práticas restaurativa a opinião do juiz e do ministério público, assim se manifestam:

[...] basta ver o disposto nos Artigos 4º e 16º para perceber que há um inexplicável abandono “policiado” da órbita punitivista – condicionantes judiciais e opinativas por parte do Julgador e do órgão ministerial persistem como uma injustificada necessidade para que se adote o ambiente restaurativo e conciliador, não obstante a manifesta vontade das partes nesse sentido, o que se vê como inovação negativa trazida (mantida?) pelo Projeto em tela (HUMMES; DIVAN, 2010, p. 14/15, grifo dos autores).

Andréa Teixeira Moret Pacheco, (2012) em dissertação para obtenção do título de mestrado, também fez algumas considerações ao analisar o Projeto de Lei nº 7006/2006, no tocante aos art. 4º e 16, pois não concorda com essa dupla anuência do juiz e do ministério público, até por ser característica intrínseca da função deste último a acusação. Salienta ainda que bastaria a anuência de um deles para que houvesse a remessa do caso para o núcleo de justiça restaurativa.

Além desta, percebe a autora outras falhas no projeto como a não previsão da participação da comunidade nos núcleos, o que acaba descaracterizando a justiça restaurativa, pois não aproxima a comunidade na solução do conflito, permanecendo a ideia que se tem hoje sobre o delito em que somente autor e vítima são os interessados na resolução do problema.

Aduz que é necessária com a participação da comunidade e das redes de atendimento para criação de uma cultura de paz, salientando que:

Deveria, também, ser prevista a realização dos convênios com instituições de ensino, com as prefeituras, com instituições especializadas que tivessem interesse em participar dos procedimentos restaurativos, de forma que a rede de atendimento fosse ampliada e em consequência disseminada a cultura de paz, que permeia tais procedimentos(PACHECO, 2012, p. 62).

Outra preocupação demonstrada pela autora é quanto à quais, ou que tipo de crimes seriam remetidos ao núcleo de justiça restaurativa, pois a futura lei não estabeleceu nenhum critério, nem quantitativo (quantidade de pena), nem qualitativo (tipo de bem jurídico tutelado), para ela o ideal seria o critério quantitativo, aplicando-se a justiça restaurativa a crimes de menor e médio potencial ofensivo.

Após a análise do Projeto de Lei nº 7006/2006, inclusive com algumas considerações críticas, percebe-se a importância da sua aprovação não só para que seja definitivamente positivado em nossa legislação penal, mas principalmente para que haja uma mudança de paradigma criando-se a ideia de que as partes são as principais interessadas na solução do conflito entre elas existente, devendo contribuir para tal, através do diálogo. E essa mudança de atitude por parte da população, por ser o nosso país extremamente positivista, só vai ocorrer após a alteração na lei. Desta forma, para Pacheco (2012, p. 73):

Assim, impõe-se trabalhar com instâncias judiciárias complementares à prestação jurisdicional, instâncias ligadas ao consenso, ao diálogo, onde a partes consigam construir a resolução dos seus problemas sem a interferência do juiz. O exercício de construção do diálogo e do consenso é que tornará possível a criação de uma sociedade mais pacífica, unida e solidária.

Como já comentado anteriormente, acredita-se ser, este projeto de lei, a única tentativa de inovação legislativa na área de justiça restaurativa, mas entendem alguns autores, que em alguns casos, como nos crimes de menor potencial ofensivo, a legislação penal e processual brasileira dá abertura a inserção dos procedimentos restaurativos, inclusive já tendo sido realizados projetos pilotos, com objetivo de verificar tal possibilidade. No item a seguir será feito um estudo sobre essa viabilidade.

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