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A aproximação: Psicanálise e Educação

4. PSICANÁLISE

4.4 A aproximação: Psicanálise e Educação

O campo da Psicanálise, como foi demonstrado, é bem delimitado e constituído em conteúdo próprio, no entanto pode contribuir muito para outras áreas, como, no caso, para a Educação. É possível na aproximação com a área educacional, pensar no processo educativo baseado na ética e no respeito à singularidade do sujeito, podendo ser instituído uma articulação entre o saber do sujeito do inconsciente, ancorado na Psicanálise, e o conhecimento formalizado, transmitido pela escola.

Ornellas (2011, p. 16) escreve sobre Psicanálise e Educação, afirmando que “[...] a

psicanálise, por sua vez, não tem receitas sobre o que deve ser feito na escola, mas pode refletir sobre o que tem sido feito e contribuir na escuta do discurso do professor e do aluno. Articular psicanálise e educação é um grande desafio.”.

Historicamente, é antiga a tentativa de conectar a Psicanálise à Educação. Primeiro, foi a intenção de criar uma nova disciplina, a Pedagogia Psicanalítica, empreendida principalmente por Oskar Pfister e Hans Zulliger, na Suíça, no início do século XX. Depois, limitou-se ao esforço a que se dedicaram alguns analistas para transmitir a pais e professores a teoria psicanalítica, na empreitada de evitar que as neuroses se instalassem em seus filhos e alunos. Anna Freud, a filha de Freud, foi a principal representante desse grupo. E, por fim, graças a um movimento que se iniciou na França, nos anos 1960, investiu-se em transmitir a

Psicanálise a todos os representantes da cultura, intelectuais de diversas áreas e interessados em ampliar sua visão de mundo. Esse movimento se estendeu ao Brasil e alguns educadores recorreram à Psicanálise como forma de encontrar novos instrumentos para a prática pedagógica (KUPFER, 2007).

Não se trata, portanto, de criar uma nova disciplina, a Pedagogia Psicanalítica. Não se trata também de transformar professores em analistas. Professores e analistas, aliás, ocupam posições bastante antagônicas entre si (o professor precisa trabalhar com o recalque a seu serviço, enquanto o analista precisa levantá-lo ali onde ele está provocando uma neurose). Resta, assim, transmitir a Psicanálise ao educador, como parecem entender os que, nos dias de hoje, estudam o tema. Mas, o objetivo dessa transmissão não é, como no tempo de Anna Freud, aplicar esse conhecimento diretamente no trato com os alunos. A transmissão da Psicanálise ao educador poderá, então, produzir efeitos de natureza diversa na postura do professor.

(KUPFER, 2007, p. 76, grifo da autora)

Assim, o intuito não é fundir esses dois campos, mas favorecer o campo da Educação com elementos oriundos da Psicanálise. Freud e Lacan foram psicanalistas que, apesar de abordarem de maneira discreta a Educação, contribuíram de forma proveitosa para as práticas educacionais.

Mrech e Rahme (2011b) assinalam a importância de focar a Educação a partir da Psicanálise, pois, atualmente, a escola assumiu uma série de responsabilidades além do ato de instruir, tornando o projeto educacional com demandas sociais excessivas e, portanto, a face da impossibilidade se mostrou mais presente no dia a dia. A Psicanálise traz indagações que propõem pensar o imprevisível da Educação, trabalhando para que essa deixe de buscar formas estandardizadas para enquadrar a singularidade do sujeito.

Freud afirmava que educar, fazer política e psicanalisar eram atos impossíveis, pois nunca se realizariam da maneira como se pretendia, sempre haveria algo que não se poderia prever, que não se conseguiria apreender e, assim, geraria uma situação de desconforto, porque o processo não se estruturaria da maneira previamente considerada como a mais adequada.

Por sermos seres falantes, seres da linguagem, o mal-estar na cultura é incurável e não se pode adotar um ideal da adaptação. Por esse motivo, nenhum método pedagógico, nenhum governo e nenhum sistema de investigação, inclusive a Psicanálise, poderão prometer um bem supremo para o ser falante.

Assim, percebe-se um impasse entre esses dois campos: a Educação propõe uma busca de previsibilidade e controle, retirando de cena o não-saber, ao passo que a Psicanálise parte da consideração de um saber desconhecido pelos sujeitos, que se articula com seu desejo inconsciente, e da impossibilidade de controle sobre isso. Porém é justamente nesse ponto que a Psicanálise traz uma grande contribuição à Educação, revelando o inesperado diante do saber.

Segundo Mrech e Rahme (2011b, p.13), “[...] na prática educativa, estamos sempre

em um território de mal-estar, no qual o impossível, em algum momento, surgirá.”. A Educação busca parâmetros e normatizações, com o objetivo de enquadrar o sujeito no modelo social, sob uma linguagem direcionada a todos. A Psicanálise opera em outra direção: ela traz sempre a impossibilidade a que Freud se referia, porém, longe de recuar, ela convida a avançar, a ir além dos dados imediatos.

Diniz (2011a) aposta na contribuição da conexão entre Psicanálise e Educação quando afirma que uma experiência de ensino deve necessariamente levar em conta a parcela inconsciente tanto daquele que aprende como daquele que ensina. Essa afirmação significa dizer que se devem considerar os processos inconscientes que atravessam a relação de um sujeito com o objeto de estudo, porém a questão do inconsciente ainda é estranha à Pedagogia. A arte de educar, segundo Pereira, Santiago e Lopes (2009, p. 142), é marcada por incongruências, surpresas e insurreições cotidianas, porém a Educação não pode ser reduzida...

[...] apenas a receitas formatadas, a alguns saberes planejados ou a racionalizações de comportamento, mas a um sistema de gestos, valores, proibições, pulsões e subversões que devem ser descritos noutro feixe de relações. Educadores constroem saberes da experiência nas relações do dia- a-dia que os levam a superar seus problemas concretos, a tomar decisões efetivas e imediatas, a inventar surpresas no cotidiano diante do desinteresse de alguns, enfim, a agir nas condições de incerteza, sobre as quais a Psicanálise parece ter algo a dizer.

Assim, a Psicanálise vem nos conduzir por aquilo que se tornou sua base mais fecunda: a constituição da subjetividade humana como impossível de conhecer alguma reta razão.

Dessa forma, a aproximação entre Psicanálise e Educação, longe de ser uma conexão fácil, por serem áreas estruturalmente distintas, aposta na prática pedagógica como um ato singular, possibilitando uma nova forma de se olhar a aprendizagem escolar.