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A partir das conversas com as crianças, foram levantadas algumas de suas impressões a respeito da escola, dos professores e acerca do saber. Vale ressaltar que será analisado apenas o que me saltou aos olhos e me fez refletir sobre o processo de aprendizagem escolar de cada participante. Como sujeitos tecidos pela linguagem, não se teve a finalidade de apreender as verdades dos fatos, mas sim, aquilo que ressoasse como importante para mim, como professora-pesquisadora.

Nos trechos que se seguem retirados das falas durante os encontros, a letra P denomina a Pesquisadora.

Conversa de abertura e dinâmica de apresentação

A conversa de abertura e a dinâmica de apresentação foram elaboradas para estabelecer o primeiro contato. Nesse encontro, sentamos em círculo no salão de eventos do centro educacional e as crianças ficaram sabendo que iríamos conversar sobre a escola e alguns elementos que a envolvem.

Esse fato gerou muita ansiedade, porque eu disse que estaria ali para ouvi-los. Percebi então que a euforia que se instalou no ar foi pelo direito à palavra, à possibilidade de expor seus desejos. A impressão que deu foi a de que eles nunca tiveram a oportunidade de falar sobre algo que pertencia a eles: a escola, o estudo, os professores, o processo de aprendizagem etc.

A intenção, então, nesse momento, era informar sobre o trabalho de pesquisa, conhecê-los e ser conhecida, além de fazer com que as crianças se sentissem à vontade ao longo do processo, com o objetivo de que falassem o que viesse à cabeça. Porém alguns não se contiveram e, mesmo com a instrução de que teriam que dizer o próprio nome e contar um pouco sobre sua história, além de dizer a idade e o nome do local onde estudavam, muitos deram sua opinião a respeito da escola.

Nota-se nos trechos a seguir:

P: [...] Agora, como que você se chama (a pesquisadora aponta para a próxima criança da roda).

Nico: Eu me chamo Nico, tenho 11 anos e estudo na escola estadual Escola Alves. Eu acho a escola bem legal!

Carlos (interrompe): Ah! Eu esqueci: – Eu não gosto da escola! P: E você, Nico, sabe por que tem esse nome?

Nico: Balança a cabeça negativamente. P: Não?

Carlos (fala ao fundo): A escola é puxada!

Ou ainda em outro trecho:

Clara: Meu nome é Clara, eu tenho 11 anos e o significado do meu nome: Cla-ra, é o nome de uma flor que, quando Maria era jovem, ela não tinha Jesus ainda, ela nem conhecia José ainda, ela era uma criança mais ou menos adolescente. Quando ela estava triste, angustiada visitava um campo que tinha muito essa flor e aí meu nome é em homenagem a essa flor.

P: E você tem quantos anos? Clara: Eu tenho 11 anos. P: Ah, é! Você já me falou!

Clara: Eu estudo na Escola Maria Augusta. Eu gosto muito da minha escola, só que às vezes, não é a escola... É os colegas que dá algumas mancadas, aí não quero mais ir para escola, dá raiva dos professores, chuto a cama, machuco meu pé...

Dar voz ao outro permite que ele se revele, significa permitir que ele exponha sua singularidade, pois conquista um lugar de enunciação numa história, um lugar para discorrer e advir e, assim, se implicar nos acontecimentos ao seu redor. Esse fato me fez refletir sobre até que ponto as escolas estão abertas para escutarem seus alunos sobre o cotidiano escolar e tudo o que ele abrange.

A dinâmica que se seguiu envolvia o nome próprio e foi escolhida pela importância que o nome tem tanto para a Educação quanto para a Psicanálise. Quando a criança entra na escola, uma das primeiras lições que aprende diz respeito ao nome próprio, incentiva-se a criança a identificar as letras do seu nome e aprender a escrevê-lo. Assim é porque o nome a representa civil e socialmente e é através do nome e do seu sobrenome que ela se diferencia

de outras pessoas ou se identifica com elas, iniciando seu processo de pertencimento a grupos sociais e lugares (SILVA, 2011).

Segundo Silva (2011), para a Psicanálise o nome próprio vem permeado de sentidos e significados que extrapolam a aprendizagem de seu registro escrito como palavra e não pode ser tratado como um significante qualquer, uma vez que ele traz significações para o sujeito que o porta.

A Psicanálise esclarece que a especificidade do trabalho com o nome próprio deve considerar aspectos como identificação, função nomeante, unicidade e é nessa perspectiva que permite reconhecer um estatuto singular, ligado à constituição subjetiva. Para tanto, é necessário que se considere o nome próprio referindo-se à relação nome/pessoa, o que, por si só, já traz uma diferença desse sobre as demais palavras. O nome possibilita a diferenciação simbólica de cada um dos membros de uma família, ao mesmo tempo em que assegura a agregação simbólica de todos em um grupo (SILVA, 2011).

Bosco (2005, apud SILVA, 2011) afirma que um sujeito, ao dar o nome a uma criança, abre um lugar para essa na cadeia significante, permitindo que ela seja contada como mais uma, pois, sem o nome não há sujeito no campo do Outro. Ainda segundo a autora, a criança depende do significante que vem do Outro, para poder se significar e ser significada como sujeito, o qual confere valores simbólicos a suas manifestações.

Silva (2011) lembra que, no Seminário IX, Lacan chama a atenção dos psicanalistas sobre o nome de seus pacientes, pois, segundo ele, algumas dissimulações ou apagamentos do nome próprio podem ocultar as relações que o sujeito põe em jogo com o outro.

Durante a dinâmica de apresentação, chamou-me a atenção o fato de algumas crianças apresentarem certo tipo de embaraço em relação ao nome próprio, como Júnior:

P: Você gosta do seu nome?

Júnior: Ah, eu gosto (com expressão mais para o não gosto)... mas eu gosto mais do sobrenome.

P: Como é seu sobrenome? Júnior: Júnior.

P: Ah! Júnior! Você sabe o que quer dizer o sobrenome “Júnior”? Júnior: Não!

P: Seu pai tem o mesmo nome que você, não tem? Júnior (parou e pensou): Tem!

P: Então, quando a gente coloca o nome de Júnior no filho, é porque o filho tem o mesmo nome do pai. Ele colocou o mesmo nome dele em você e colocou Júnior para dizer que você é o pequenininho. Entendeu?

Júnior: Fez com a cabeça que sim!

Carlos, assim como Ana, diz não gostar do nome:

Carlos: Meu nome é Carlos. Tenho 10 anos. Estudo na Escola Alves. Ih... (parou e pensou) meu signo é capricórnio, ih... eu tenho 10 anos...

P: Você sabe por que você se chama Carlos?

Carlos (pensou): minha mãe que meu deu esse nome, por causa... minha mãe e meu pai que me deu esse nome, porque ela achava bonito e eu não sei o resto...

P: E você? Gosta do seu nome? Carlos: Mais ou menos.

P: Por que mais ou menos? E um nome tão lindo! Você queria se chamar como? Carlos: Pedro.

P: Pedro? Nome lindo também! Os dois! Carlos: Ou Kauã.

[...]

Ana: Meu nome é Ana, tenho 11 anos e estudo na Escola Maria Augusta. Eu não gosto do meu nome e minha mãe me deu esse nome, porque meu pai parecia muito com o “Marcelinho Carioca”, aí o nome dele é Edilson, mas o apelido é Marcelo. Aí, minha mãe esperou eu nascer, aí eu sou a cara do meu pai, aí minha mãe colocou Ana.

P: Quantos anos você tem? Ana: Eu tenho 11 anos.

P: Mas você tem um nome tão lindo! Ana: Eu não acho!

P: Eu tenho uma grande amiga chamada Ana. Por que você não gosta?

Ana: Ah, sei lá... Eu acho estranho. Eu queria meu nome Sarah Jenifer... (ficou quieta).

É digno de nota que as três crianças que demonstraram algum impasse em relação ao nome foram apontadas com baixo rendimento escolar. De acordo com a pesquisa que Silva

(2011, p. 81) vem realizando em relação aos problemas na aprendizagem, o sintoma da criança na área pedagógica não deve ser avaliado somente como tendo suas causas nos problemas sociais, econômicos, culturais e afetivos. A autora faz um apelo aos professores para irem além da dimensão linguística, gráfica, cultural e social e se voltarem também para a dimensão subjetiva que o nome próprio tem para o sujeito. Assim, ela fala da importância do nome próprio para a entrada da criança no “[...] mundo simbólico da escrita, a partir do

momento em que ela se identifica com o traço, a letra, que lhe permite escrever em nome próprio.”.

A mímica, outro recurso utilizado nesse encontro, é uma forma de expressão baseada em gestos e movimentos corporais e fisionômicos. Por meio da mímica, uma pessoa pode revelar ideias e pensamentos mediante uma linguagem que não se vale de palavras. Esse meio de expressão pode se resumir a uma simples brincadeira, um jogo, ou uma categoria artístico- cultural. Dessa forma, é possível narrar uma história ou relatar um evento se valendo da mímica.18

Chahine (2011) revela, em seu artigo Psicoterapia Psicanalítica com Crianças, que a Psicanálise com crianças é feita da mesma forma que o trabalho com adultos, ou seja, a interpretação por meio da atenção flutuante, associação livre, manejo da transferência e resistência, porém acrescentando o brincar.

A autora revela que brincar é uma atividade muito além da diversão e foi feita inicialmente por Freud, ao observar seu neto brincando com um carretel de linha. Ele mostra o quanto o neto elabora a situação da separação da mãe, jogando e trazendo de volta seu carretel.

Klein (1997, apud Chahine, 2011), destaca que a criança, por meio do brincar, expressa seu mundo interno e, quando brinca, mais age do que fala, colocando atos que ocuparam lugar de pensamentos ou de palavras. A autora ensina que a dinâmica do brincar é semelhante à dos sonhos, ou seja, a criança opera deslocamentos, condensações e representa visualmente os pensamentos, além de realizar desejos.

A cena criada no brincar é a própria simbolização de seus conteúdos, o cenário e a cena vão representar seus desejos e frustrações, em busca de realização. Dessa forma, fica claro que o brincar é uma forma de comunicação da criança, de expressão de seus conteúdos internos inconscientes.

Mrech (2003a) escreve que, ao brincar, a criança não se situa apenas no momento presente, mas também, no seu passado e no seu futuro. O brincar, como atividade terapêutica,

possibilita que a criança supere a situação traumática. É simbolizando, falando e representando os conteúdos que a perturbaram que ela pode nomear e conhecer melhor as situações, ideias, pessoas e coisas. Para Freud, o brinquedo e o brincar são os melhores representantes psíquicos dos processos interiores da criança.

Assim, a dinâmica da mímica teve a finalidade de descontrair, integrar as crianças e conhecê-las melhor por intermédio de uma brincadeira. Cada criança representou o que gostava de fazer nas horas vagas, para que elaborassem algum momento longe da escola, enquanto os outros teriam que adivinhar.

O que adveio, a meu ver, foi que a situação representou os desejos que cada um gostaria de realizar:

- Ana: que, a posteriori, percebi que era muito debochada pelos demais, tanto no sentido cognitivo, quanto fisicamente, se mostrou preocupada com o que o grupo pensava dela e, assim, fez a mímica de quem estava tirando a sobrancelha com uma pinça, ou seja, na minha leitura, arrumando a sua aparência para o outro;

- Júnior, o mais obeso de todos, fez a representação comendo;

- Clara, com uma agenda cheia de compromissos que talvez a cansem demasiadamente, se mostrou dormindo;

- João, que adora falar, fez uma mímica que o representava contando uma historinha de um livro;

- Nico, que foi o único que disse durante o questionário individual que queria ser jogador de futebol quando crescesse, mesmo sem eu perguntar qualquer coisa sobre esse assunto, se representou jogando futebol;

- Carlos, o mais agitado que não se concentrava em nenhuma atividade e sempre parecia querer dar o próximo passo sem ter finalizado o anterior, fez uma representação em série: primeiro jogando futebol, depois comemorando o gol, depois foi para casa defecar e por fim, dirigiu um carro.

Carlos chamou mais minha atenção por ter feito a mímica defecando. Freud, ao falar sobre a sexualidade infantil, expõe que o ânus é uma zona de erotização e está ligado a sensações de ambivalências, pois envolve tanto a sensação de prazer da excreção das fezes como posteriormente, a estimulação erótica da mucosa anal por meio da sua retenção. As polaridades entre expulsão/retenção são expressas em conflitos relacionados à atividade/passividade. Assim, como esse garoto é apontado com baixo desempenho escolar e indisciplina pela escola, provavelmente, pôde, ao brincar que está defecando no jogo de mímica, dizer dos impasses em relação à questão de controles e limites, que estão

relacionados com o controle dos esfíncteres bem como com o da sua agitação: sem saber se vai ou fica.

Questionamento sobre a escola

A escola é o lugar onde se dá continuidade ao processo de educação que foi iniciado com os adultos significativos para a criança em família. Por intermédio do outro, os conteúdos socialmente acumulado será transmitido à criança e essa deverá criar estratégias para (re)construí-lo. E, somente assim, a aprendizagem acontecerá.

Esse encontro teve o objetivo de levar as crianças a expressarem seus pareceres em relação à escola. Para tanto, mais uma vez, foi utilizado o lúdico como uma possibilidade de simbolização e elaboração dos conflitos dos sujeitos participantes.

O bate-papo aconteceu na biblioteca do centro educacional, onde ficamos todos sentados ao redor de uma mesa oval e nas perguntas que se seguiram, foi criada uma situação em que cada qual deveria imaginar um extraterrestre vindo conhecer a escola. Essa estratégia foi criada com a intenção de que percebessem que todos os detalhes seriam importantes para enunciar como é a escola para quem nem imagina o que é isso.

Após essa conversa, foi sugerido que desenhassem uma situação de aprendizagem: alguém ensinando e alguém aprendendo – o desenho também é uma forma de a criança colocar o conteúdo latente em palavras.

 CLARA:

Clara foi a criança que primeiro chamou a atenção, pois, ao explicar como era a escola, articulou as ideias de forma que me pareceram que não eram dela, assim falou:

Clara: Cala a boca! A Terra é um lugar bem grande... Errr! Todo mundo sabe disso! (fica pensativa) E a escola... É o lugar onde a gente adquire conhecimento, ou seja, um lugar onde a gente aprende. Lá, no seu planeta, deve ter algum lugar onde você aprende ou você nasce sabendo? Não, aqui a gente não nasce sabendo, se lá vocês nascem, o “quico” a gente tem a ver com isso! Mas, aqui, a gente vai aprendendo aos poucos, por isso que a gente vai para escola estudar e adquire conhecimento, porque, se não, a gente fica burro como algumas pessoas daqui, né?

Que nasceu burra, de nascimento... que não prestam atenção quando os professores explicam, não citei nomes (estava provocando a Ana)!

Mrech (2003a) destaca que é difícil resgatar a criança por meio de sua fala, de sua palavra, pois ela se encontra geralmente misturada às concepções que pais, professores e especialistas fazem dela. Assim, a autora lembra que a Psicanálise revela o quanto a palavra da criança pode ser encoberta, por intermédio de conteúdos transferenciais, pela fala dos adultos. E Clara dá a impressão de que foi adocicada pela escola, ou seja, formatada pelos parâmetros que a escola determina, não utilizando um discurso seu, mas sim, talvez de seus professores.

Outra questão é que Clara atribui à escola o conhecimento, as amizades, o casamento e o futuro emprego, colocando assim tudo numa relação de causa e efeito: se você vai à escola e estuda, você consegue tudo:

Clara: A escola é um lugar onde a gente adquire conhecimento, a gente conhece novas pessoas, enturma. Algumas pessoas... a gente não gosta, outras pessoas... a gente gosta... e, às vezes, na escola, lá é muito...

Junior: Chato!

Clara: Cala a boca! Às vezes, na escola, a gente conhece outra pessoa que gosta da mesma coisa que a gente gosta, tipo no caso dos meus pais, eles se conheceram na escola, aí foram ficando, ficando, ficando até que casaram...

Júnior: Oh, não é para contar a sua vida inteira, não!

Clara: (mostra a língua) Aí, eles devem tudo isso à escola. Porque, se não fosse lá, eles nunca tinham se conhecido, nunca tinham adquirido conhecimento, não tinham... Emprego! Pronto!

Cordié (1996) afirma que valores – como o poder do dinheiro e o sucesso social – são almejados na contemporaneidade e a escola é vista como a ponte que possibilita o alcance a tudo isso. Então, ser bem-sucedido na escola é ter a perspectiva do ter uma boa situação financeira, tendo acesso ao consumo de bens em uma sociedade capitalista. Significa também, “ser alguém”, ou seja, possuir o falo imaginário, ser considerado, respeitado.

Clara, ao que me pareceu, assume essa posição, tendo a convicção de que será beneficiada pela escola. Apesar de seus pais não terem uma boa condição financeira, o fato de possuir um emprego, principalmente para quem não tem muita escolaridade nos dias de hoje,

é um benefício grande. E, assim, parece que pretende seguir os passos de seus pais. Está alienada no saber do Outro.

A participante também informa:

P: Agora, eu vou fazer uma última pergunta, vou perguntar para cada um, quero ouvir a resposta: Se você pudesse escolher ir para a escola ou não ir para a escola, sem voltar atrás... Você tem que escolher: eu vou para a escola, é para sempre, se você falar “Não vou para a escola.”, você nunca mais poderá ir. O que você, Clara, iria escolher?

Clara: Professora, assim, na segunda série, eu não gostava da escola, uma vez eu pensei em cabular.

Júnior: O quê?

Clara: Cabular aula, tipo, os meus pais me mandam para escola e eu vou para outro lugar, falto na escola e meus pais pensando que eu tô lá. Aí... eu tava caminhando, aí eu vi um mendigo da rua, aí eu perguntei: “- Por que você está assim?”. Ele falou: “- Eu cabulava aula!”. Na mesma hora, eu comecei a chorar, sai correndo, mas deu na hora de ir para escola e... sabe, meus pais foram me buscar naquele dia. Se eu não tivesse ido, eles iam sabê! Seria bem pior!

P: Entendi.

Clara: Por isso, sim! Eu vou para a escola! Memo que eu tenha que acordar às duas da madrugada, eu vou para minha escola, porque eu sei que é importante pra mim! Mesmo que meu pais sejam chatos, meus professores sejam chatos, mas a escola é importante, eu tenho que ir, pra mim aprendê!

Cordié (1996, p. 27) esclarece que é necessário compreender a demanda do Outro no processo escolar da criança, pois ela percebe que tem de responder à expectativa do Outro, ou seja, o sucesso escolar. “Boas notas, bons currículos são destinados a dar prazer.”. “[...]

Porém, ela pode corresponder docilmente a essa demanda durante um certo tempo, mas, cedo ou tarde, sozinha diante da folha de papel branca ou da tarefa a desempenhar, ela será confrontada com seu próprio desejo (Idem, Ibidem, p. 24). Isso significa dizer que, apesar de

estar cedendo à demanda do Outro, seu desejo permanece ali, para ser ouvido.

A fala de Clara leva a crer que não tem lugar para o não-sabido. Ela parece ter assumido uma postura como se pudesse prever o futuro e se sentir completa quando ele

chegar, deixou seu corpo ser apoderado pelo discurso escolar e se fez acreditar que o seu desejo é o desejo da escola.

Clara também não admite opinião contrária à sua, como a da amiga Ana, que está na mesma sala. Então, a censura e, às vezes, até a ridiculariza (os outros amigos também fazem o mesmo, mas Clara é a mais incisiva. Na realidade, Clara e Ana parecem estar em um jogo de cabo de guerra), possivelmente, como uma tentativa de achatar as diferenças individuais, tentando fazer com que a colega se torne mais parecida com ela:

Ana: É esse treco aí memo! Ela fala “tá errado, precisa de um “r” aí!” e é caderno e é sobrenome e fala isso daqui, fala isso daqui, e a professora de Português, mas ela não é professora de Português, ela é professora de Educação Física.

Nico: Mas ela está preocupada com a sua linguagem.

Ana: A minha linguagem, mas ela é professora de Educação Física! Clara: Ana, ela só qué o seu bem, ela só qué te ajudá!

Ana: (balança a cabeça dizendo que não).

Clara: Todo mundo que está na escola está lá para te ajudar! Agora, se algumas pessoas é ingrata, não sabe agradecer e fica reclamando da escola o tempo todo! (bate a mão com força na mesa e machuca).

Clara, ao que parece, ao internalizar os processos repressores da escola, se tornou o superego da amiga, não permitindo que essa se mostre como é. Existe certa manipulação na relação que demonstra o controle que Clara quer ter.

Finalmente, na solicitação do desenho de uma situação de alguém ensinando e alguém