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6 A DIVERSIDADE SEXUAL COMO PARTE DA AGENDA DA ARGENTINA, DO

6.1 EMPREENDEDORISMO NORMATIVO EM MATÉRIA DE DIREITOS DA

6.1.2 A Argentina e a lei 26.618/2010 – Matrimônio Igualitário

A sanção da Lei 26.618283 se configura, dentro da cultura latino-americana, como uma das maiores garantias úteis e efetivas do pleno exercício do direito fundamental e humano a formar uma família, sem discriminação baseada na sexualidade. Desde quando a dignidade humana passou a ser o motor ideológico do paradigma constitucional moderno e particularmente da República Argentina, a referida lei propôs um tempo onde o crente e o não crente encontrasse um espaço comum de coabitação e onde o outro não fosse visto como um inimigo, senão como um outro distinto que enriquece a todos, ainda que jamais venhamos a ser o que o outro é.

Mediante a lei 26.618 o Congresso Nacional da República Argentina modificou o Código Civil com o objetivo de consagrar a instituição do matrimônio sem distinção alguma

281 Ley 18.620/2009. Artículo 3º: En ningún caso se exigirá cirugía de reasignación sexual para la concesión de la

adecuación registral de la mención del nombre o del sexo que fuere disonante de la identidad de género de la persona a que se hace referencia en dicho documento.

282 Artigo 3º dos Princípios de Yokyagarta: "Todo ser humano tiene derecho, en todas partes, al reconocimiento

de su personalidad jurídica. Las personas en toda su diversidad de orientaciones sexuales o identidades de género disfrutarán de capacidad jurídica en todos los aspectos de la vida. La orientación sexual o identidad de género que cada persona defina para sí, es esencial para su personalidad y constituye uno de los aspectos fundamentales de su autodeterminación, su dignidad y su libertad. Ninguna persona será obligada a someterse a procedimientos médicos, incluyendo la cirugía de reasignación de sexo, la esterilización o la terapia hormonal, como requisito para el reconocimiento legal de su identidad de género. Ninguna condición, como el matrimonio o la maternidad o paternidad, podrá ser invocada como tal con el fin de impedir el reconocimiento legal de la identidad de género de una persona. Ninguna persona será sometida a presiones para ocultar, suprimir o negar su orientación sexual o identidad de género".

baseada na sexualidade, sob a tutela da mesma dignidade humana para todos e todas, fazendo com que os casais formados por pessoas do mesmo sexo e de sexo distinto tivessem garantido o grau máximo de proteção de seus direitos em igualdade de condições.

As discussões acerca da aprovação da Lei do Matrimônio Igualitário, assim como ocorreu com a Lei de Identidade de Gênero do Uruguai surgiram em razão das referências à diversidade sexual apresentadas pelos organismos de proteção dos direitos humanos em solo americano, sobretudo pela Comissão e Corte Interamericanas. Na primeira década do século XXI, quando o tema passou a ser corrente perante os órgãos do Sistema Interamericano, vários juízes argentinos passaram a adotar a normativa internacional como paradigma para a autorizar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, em contrariedade à letra do Código Civil pátrio.

Na sentença proferida no “juzgado contencioso administrativo e tributario” nº 15, do ano de 2009284, em que figuraram como partes Alejandro Freyre e outros, a juíza Gabriela Seijas declarou a inconstitucionalidade dos artigos 172 e 188 do Código Civil e ordenou às autoridades do Registro Civil e Capacidade das Pessoas que celebrassem o matrimônio solicitado pelas partes. Como argumentos utilizados pela magistrada é importante que se registre a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos na formação do convencimento da julgadora: a) o direito à igualdade, que é previsto pelo artigo 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional que nos termos do art. 75, XXII da Constituição da República, tem hierarquia constitucional, supõe previamente o direito a ser quem se é e a garantia de que o Estado somente intervirá para proteger essa existência e para contradizer qualquer força que tente cerceá-la ou regula-la severamente; b) a instauração definitiva do ideal democrático e republicano com as Constituições de 1853 e de 1994, convoca à unidade nacional, em liberdade e não em uniformidade ou homogeneidade, de forma que a igualdade democrática e liberal deve ser reconhecida também a partir do direito a ser diferente, o que não se pode confundir com igualação, que é um ideal totalitário, pois carece de todo sentido falar do direito a um tratamento igualitário se previamente se forçou a todos serem iguais; c) as pessoas que apartam-se da sexualidade socialmente valorada são vítimas de

284 Dispositivo da Sentença: Por las razones expuestas, y oída la señora fiscal, FALLO: 1. Declarando la

inconstitucionalidad de los artículos 172 y 188 del Código Civil en cuanto impiden que los señores Alejandro Freyre y José María Di Bello puedan contraer matrimonio; 2. Ordenando a las autoridades del Registro Civil y Capacidad de las Personas que celebre el matrimonio de los actores, en caso de que así lo soliciten; 3. Imponiendo las costas en el orden causado, atento a que las autoridades del Registro Civil carecían de facultades para apartarse de las normas vigentes. Regístrese, notifíquese —a la señora fiscal en su despacho— y, oportunamente, archívese. Disponível em: < http://jeanwyllys.com.br/casamentoigualitario/wp-content/uploads/2011/09/Fallo-Gabriela- Seijas-Matrimonio-Alex-y-Jos%C3%A9.pdf > Acesso em 10 jun 2014.

situações de discriminação social e jurídica, cuja proibição emerge de vários tratados internacionais sobre direitos humanos, dos quais a República Argentina é parte.

Já em 2010, mesmo ano da promulgação da Lei do Matrimônio Igualitário, outra decisão judicial ratificou a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos na proteção da diversidade sexual. A sentença proferida no Contencioso Administrativo nº4285, na cidade de Buenos Aires, de autoria da juíza Elena Liberatori Haramburu, autorizou as partes a contraírem matrimônio, sob os seguintes argumentos: a) os artigos 172 e 188 se contrapõem às regras constitucionais, que proíbem tratamento discriminatório em razão da sexualidade. As partes têm direitos reconhecidos em texto constitucional e em norma supraconstitucional, os quais não se podem gozar por conta de normas vigentes que não se encontram acordes com os tempos atuais, portanto, estão as partes excluídas de exercer esses direitos em virtude de normas de inferior hierarquia que não contemplam o alcance dado a tais direitos, a fim de evitar a exclusão e a marginalização em razão de discriminação por orientação sexual.

Outro julgamento proferido em 2010, pelo magistrado Guillermo Scheibler, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 172 e 188 do Código Civil argentino, determinando a realização do casamento entre os requerentes, num prazo máximo de três dias contados da intimação da decisão. Aqui, mais uma vez o Direito Internacional dos Direitos Humanos funcionou como um dos argumentos, nos seguintes termos: o casamento é uma prerrogativa substancial para um projeto de vida ao qual o Estado deve conferir proteção. Assim, deve-se agregar a esse direito uma relação estreita coma dignidade da existência humana, pois o seu exercício encontra-se entre a liberdade e a igualdade.

O caminho percorrido pela Argentina para se tornar o primeiro país da América a autorizar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, como visto acima, iniciou-se por meio de decisões judiciais, e desenvolveu-se com a aprovação legislativa de uma reforma no Código Civil, no ano de 2010. Por meio da aprovação e entrada em vigor da Lei do Matrimônio

285 Dispositivo da Sentença: Ordenar a las autoridades del Registro Civil y Capacidad de las Personas de la Ciudad

Autónoma de Buenos Aires tener por autorizado el matrimonio de Damián Ariel Bernath y Jorge Esteban Salazar Capón -en caso de que lo soliciten- y en tal caso, proceder de inmediato a disponer lo necesario tendiente a que dichas personas puedan acceder al derecho de estar unidos en matrimonio ante la Ley. A tal fin, téngase por removidos todos los aspectos reglamentarios formales que impliquen una dilación innecesaria. Por caso, los 28 días de anticipación o el lugar de celebración, atento las particularidades del presente caso. Asimismo, las autoridades del hospital público al cual deberán acudir los actores a fin de cumplimentar el examen prenupcial otorgarán absoluta prioridad al mismo. 2. Rechazar el planteo de inconstitucionalidad de los artículos 172 y 188 del Código Civil de la República Argentina. 3. Atento al modo en que se resuelve la cuestión, las costas se imponen en el orden causado. Regístrese, notifíquese a las partes, — a la Señora Fiscal en su despacho— y, oportunamente, archívese. Disponível em: <http://jeanwyllys.com.br/casamentoigualitario/wp-content/uploads/2011/09/Fallo- Elena-Liberatori-Matrimonio-Dami%C3%A1n-Ariel-Bernath-y-Jorge-Esteban-Salazar-Cap%C3%B3n.pdf> Acesso em 10 jun 2014.

Igualitário, a República Argentina ingressa no rol latino-americano de empreendedores de normas de direitos humanos, fazendo com que esse país se tornasse uma referência internacional quanto à proteção dos direitos derivados da diversidade sexual. O projeto apresentado à Câmara dos Deputados propôs a possibilidade de habilitar para o casamento pessoas de sexo idênticos, com iguais requisitos, efeitos, direitos e responsabilidades estabelecidos para os pares de sexo diverso. A abordagem feita pelo projeto de lei partiu do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como norma preponderante no sistema jurídico local, da ratificação da laicidade do Estado e do reconhecimento de que a República Argentina é um Estado democrático de direito vinculado à interpretação de suas próprias normas e à aplicação dos tratados de direitos humanos em favor de todos.

Partindo dessas premissas, o projeto de lei visou alocar a diversidade e a pluralidade típicas de sociedades democráticas em um ponto de igualdade perante a lei, no caso específico, possibilitando às pessoas, nacionais e estrangeiras, viver sua própria biografia e realizar suas próprias escolhas dentro do marco da previsão contida no art. 19 da Constituição Argentina, cuja letra reconhece que as ações privadas dos homens que não ofendam a ordem e a moral pública estão isentas da autoridade do Estado.

6.1.3 O Brasil o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como