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Os direitos humanos estavam ligados, inicialmente, a interesses de classes específicas, enquadrando-se como armas ideológicas e políticas na luta da burguesia emergente contra o poder político despótico e a organização social estática. Mas, nas palavras de Costas Douzinas87, suas pressuposições ontológicas, os princípios de igualdade e liberdade e seu corolário político – a pretensão de que o poder político deve estar sujeito às exigências da razão e da lei – agora passaram a fazer parte da principal ideologia da maioria dos regimes contemporâneos e sua parcialidade foi transcendida.

Politicamente, a retórica dos direitos humanos parece ter triunfado, pois, agora, ela pode ser adotada pela esquerda ou direita, pelo norte ou pelo sul, no entanto, justamente quando se começou a atentar para a necessidade de proteção da pessoa humana é que se registrou o maior número de violações dos direitos humanos, sobremaneira a partir de finais do século XVIII. Gabriel Marcel88 afirma que a vida humana nunca foi tão universalmente tratada como

uma commodity desprezível e perecível quanto durante nossa própria época, e que se o século XX é a era dos direitos humanos, seu triunfo é, no mínimo, um paradoxo, já que justamente

87 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Trad. Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 19. 88 MARCEL, Gabriel. Creative Fidelity. Trad. R. Rosthal. Nova York: Farrar, Strauss & Co, 1964, p. 94.

nessa época se testemunhou mais violações de seus princípios do que qualquer uma das épocas anteriores por ele chamadas de – menos iluminadas -.

No decorrer do presente capítulo expusemos que os direitos humanos, em razão de seu processo de internacionalização, passaram a fazer parte da preocupação estatal das democracias modernas e que por se tratarem de uma construção, eles ainda se encontram em constante mudança, eis que as necessidades dos indivíduos também são mutantes e variam segundo uma série de variáveis. Ocorre que, sejam quais forem as restrições que possam se impor aos direitos humanos, eles passaram a ser um componente importante da nossa paisagem filosófica, do nosso ambiente político e das nossas aspirações imaginárias, de forma que a sua importância, mesmos nos dias atuais não pode ser facilmente descartada.

Nesse diapasão, os direitos humanos podem ser examinados a partir de duas perspectivas relacionadas, mas relativamente distintas, como prescreve Costas Douzinas89: uma subjetiva e outra institucional. A perspectiva institucional analisa os direitos humanos como uma resposta do Estado aos seus administrados; essa corrente não menospreza a importância dos direitos humanos, mas, os coloca como uma mera obrigação estatal, sem levar em conta o seu caráter pós-histórico que os fazem direitos em constante mutação. A perspectiva subjetiva aduz que direitos humanos foram desde o início uma experiência política da liberdade, a expressão da luta para libertar os indivíduos da repressão externa e permitir sua auto-realização. É justamente nessa segunda perspectiva que repousa a busca pela resposta apresentada no presente subtópico: quem tem direito aos direitos humanos?

A busca pelo gozo e a fruição dos direitos humanos tem como principal resultado a auto-realização do destinatário. Esse destinatário foi o fruto de um imaginário judaico-cristão que dominou e domina o Ocidente e que cristalizou e até mesmo isolou as expressões da sexualidade humana, como se essa manifestação da natureza do homem possuísse uma realidade concreta e também única. A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Dra. Berenice Bento90, afirma que o fruto desse imaginário foi um ser de pele branca, homem (macho), rico e, sobretudo, heterossexual. Quando esse imaginário começou a ser questionado, e os “marginais” passaram a exigir serem enquadrados dentro do conceito de humanos, os direitos humanos tiveram que reconhecer a existência de identidades coletivas que

89 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Trad. Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 6. 90 BENTO, Berenice. A (re)invenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:

durante muito tempo na história foram considerados serem (des) humanos, como os negros, as mulheres e os homossexuais.

O movimento negro, o movimento feminista e o movimento LGBT91são a expressão desse levante que pôs em evidência a necessidade de os direitos humanos serem pensados numa perspectiva coletiva, não em razão de número, mas em razão de grupos que sistematicamente e historicamente foram oprimidos e, consequentemente, tiveram parte ou a totalidade de sua cidadania tolhida por parte do Estado. É nesse cenário que a diversidade sexual aparece como uma das formas de vivência da cidadania, entrando em discussão a luta contra a transformação dos comportamentos sexuais em categorias que aprisionam o ser humano, numa espécie de forma normativa de viver a sexualidade.

A heteronormatização foi então relativizada, o que possibilitou a inclusão da comunidade LGBT no rol de pessoas aptas a serem detentoras de direitos humanos, sobretudo os direitos ligados à sua sexualidade, passo dado, inicialmente, pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e, como consequência, seguido por grande parte das democracias modernas. A resposta ao questionamento proposto neste subtópico encerra novas perguntas: o que é a diversidade sexual? Quem está enquadrado no conceito de minorias sexuais? Os direitos humanos protegem o direito ao exercício do gênero e da sexualidade? Essas questões serão respondidas no decorrer da presente dissertação.

3 A DIVERSIDADE SEXUAL COMO UM DIREITO HUMANO

No capítulo anterior realizamos um recorrido histórico para demonstrar como se deu a afirmação histórica dos direitos humanos e sua consequente internacionalização. No presente capítulo, objetivamos analisar como, dentro do Sistema Interamericano de proteção, os direitos humanos passaram a incluir a diversidade sexual como uma categoria digna de tutela internacional. Para tanto, delimitaremos alguns conceitos iniciais que são relevantes para nossa imersão no tema proposta, assim como investigaremos o surgimento do fenômeno da hermenêutica da diversidade e também a forma pela qual a Organização dos Estados Americanos - OEA passou a se posicionar sobre o tema da diversidade sexual e a influência dos julgamentos desse Órgão internacional na positivação e difusão da dignidade da pessoa humana nos textos constitucionais do continente austral.

Analisaremos, também, como os processos de redemocratização ocorridos na maioria dos países latino-americanos influenciou no reconhecimento do direito à diversidade sexual como um direito humano, bem como os referidos processos refletiram na concepção de igualdade como sendo, também a origem do direito à diferença.