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6. DISCUSSÃO

6.2. A arquitetura da ECR1 sugere ser um elemento regulador

Enhancers são regiões do genoma que contém vários grupos de TFBSs relacionados e que são sensíveis à ação de nucleases, podendo sofrer modificações conformacionais no DNA, que resultam no dobramento da fita a partir deste local (BULGER & GROUDINE, 2011). Uma abordagem útil para identificar novos enhancers é a análise de sequências não codificadoras no entorno de genes específicos, buscando por “ilhas” de conservação, representadas por sequências genômicas altamente conservadas. Este método baseia-se na ideia de que sequências não codificadoras conservadas filogeneticamente devem exercer uma função, possivelmente regulatória pois, caso contrário, já teriam sido eliminadas por pressão de seleção (BULGER & GROUDINE, 2011). De fato, sabe-se que sequências não funcionais acumulam mutações ao longo do tempo evolutivo e, eventualmente, divergem rapidamente (BULGER & GROUDINE, 2011).

Baseado neste critério, este trabalho revelou por análises de Bioinformática que, no lócus do gene Dact1, há diferentes regiões não codificadoras evolutivamente conservadas entre aves e mamíferos, dentre as quais foi selecionada a ECR1 para aprofundamento nos estudos. A investigação sobre os diferentes grupos de TFBSs presentes revelou que a ECR1 apresenta potencial função regulatória em diversos contextos celulares. Interessantemente, a análise detalhada dos grupos de TFBSs revela que estes fatores agem majoritariamente no metabolismo

energético. O grupo II de TFBSs, que compreende os sítios de ligação para importantes fatores miogênicos, como, por exemplo, MyoD sugere que pode haver alguma relação entre ativação de Dact1 durante os programas de miogênese e adipogênese. Hu e colaboradores (1995) demonstraram que os fatores PPARγ e C/EBPα provocam um intenso efeito inibitório no processo de miogênese. Quando expressos, estes fatores são capazes de bloquear a diferenciação muscular e causar a transdiferenciação dos mioblastos em células de gordura. Além disso, observou-se uma diminuição nos níveis de expressão dos reguladores miogênicos, como MyoD e Myf654. Isto posto, pode-se sugerir que a ligação de fatores de transcrição miogênicos poderia interferir no mecanismo que rege o balanço entre deposição de músculo e gordura. Zhou e colaboradores (2015) estudaram o papel da SIRT155, uma deacetilase que promove a sobrevivência da célula regulando negativamente o repressor tumoral p53 (VAZIRI et al., 2001) no processo de miogênese e adipogênese. SIRT1 é ativada por resveratrol, uma molécula produzida por plantas em resposta ao estresse (BAUR et al., 2006) e também presente em fontes alimentícias. Em contrapartida, SIRT1 é inibida por nicotinamida (vitamina B3) (ZHOU et al., 2015). Utilizando o modelo de células tronco-mesenquimais (C3H10T1/2), este grupo de pesquisa demonstrou que na presença de resveratrol ocorre o bloqueio da adipogênese nas MSC56, enquanto que na presença do inibidor de SIRT1, nicotinamida, ocorre a diferenciação em adipócitos. Além disso, tratadas com nicotinamida, as MSC apresentam baixos níveis de expressão de β-catenina e ciclina D1, importante gene-alvo na via Wnt/β- catenina. Em contrapartida, resveratrol foi capaz de induzir a diferenciação em células musculares, além de controlar a síntese de proteínas músculo-específicas, apresentando baixos níveis de expressão de PPARγ e altos níveis de expressão de MyoD. Interessantemente, ensaios com promotor TCF (pTOPflash) mostram que a via Wnt/β-catenina é modulada positivamente quando ocorre a ação de SIRT1, pois há uma regulação negativa dos antagonistas desta via: sFRP2 e DACT1 (ZHOU et al., 2015). Somado a observação de que SIRT1 inibe PPARγ (PICARD et al., 2004) em células 3T3-L1 pode-se sugerir que a modulação de Dact1 nestas células reflete um mecanismo que envolve vários personagens, com relações ainda não conhecidas, no qual há a possibilidade de ação da ECR1 sobre Dact1 em pré-adipócitos e também a possível ação desta ECR em outro contexto celular, como nos miócitos, por meio da interação com a via Wnt/β-catenina. O que poderia levar à ativação em um outro contexto seria a ligação dos fatores miogênicos ou adipogênicos, como os encontrados no grupo V de TFBSs.

54 do inglês, Myogenic Factor 6 55 do inglês, Sirtuin 1

Novos estudos poderiam ser realizados para verificar os níveis de expressão de Dact1 durante todo processo miogênico em comparação com os níveis dos mais importantes moduladores da via Wnt/β-catenina, como Wnt10b, sFRPs e os fatores MyoD e miogenina, assim como ensaios de perda e ganho de função de Dact1 para verificar os efeitos causados neste contexto celular. Ainda considerando a rede de moléculas que envolve a regulação do gene Dact1 e adipogênese, é digno de nota que a ECR1 possui um sítio de ligação para a família de proteínas SMAD no grupo IV de TFBSs, principais mediadoras da via de sinalização TGF-β. Estudos in vitro mostraram que TGF-β1 inibe a adipogênese independente da via Wnt/β-catenina e, por meio de efeitos inibitórios promovidos por Smad3 sobre a transcrição de C/EBPs, subsequentemente evitando a ativação de PPARγ2. No entanto, estudos in vivo e novos estudos in vitro utilizando camundongos deficientes para Smad3 revelaram um papel paradoxal de TGF- β/Smad3 como um ativador da diferenciação dos adipócitos. Camundongos Smad3-/-

apresentam adiposidade diminuída, além de um aumento da tolerância à glicose e sensibilidade à insulina (TAN et al., 2012). Além disso, Yadav e colaboradores (2011) observaram uma correlação entre TGF-β1 a adiposidade em roedores e humanos. Com a sinalização TGF- β/Smad3 bloqueada por um anticorpo neutralizador de TGF-β, observou-se que os camundongos foram protegidos de enfermidades como obesidade, diabetes e esteatose hepática. Em camundongos Smad3+/+, SMAD3 inibe a ação antiadipogênica de CHOP-10, permitindo a ativação da expressão de PPARγ2 por C/EBPβ (TAN et al., 2012). Considerando este provável papel de modulador positivo de TGF-β/Smad3 sobre a adipogênese, é possível que durante o processo de adipogênese, quando se observa um aumento de fatores como PPARγ e SMAD3, ocorra a ligação desses fatores de transcrição com a ECR1 promovendo a modulação positiva de Dact1, culminando em uma potencializada rede pró-adipogênica.

No grupo V de TFBSs da ECR1, observa-se sítios de ligação para os fatores da família PPAR. Com o exposto, fica claro que o mais importante ligante dessa matriz é o PPARγ, por estar diretamente relacionado à adipogênese. No entanto, é também digno de nota a presença do sítio de ligação para HNF4, que é um membro altamente conservado da superfamília de receptores nucleares (NR2A1). Sua expressão é observada em altos níveis no fígado, rins, intestino e pâncreas. Dados apresentados por Hayhurst e colaboradores (2001) demonstram que HNF4 é imprescindível para a expressão constitutiva de vários genes-chave do fígado, que estão envolvidos no transporte de lipídios e no metabolismo. HNF4 é responsável pela ativação de importantes genes do fígado, por intermédio da sua ação direta sobre outros fatores de transcrição, como HFH1. Estes fatores são recrutados por HNF4 para ativar genes

específicos dos hepatócitos, como, por exemplo, L-FABP57, que codifica uma proteína capaz de se ligar aos produtos da oxidação de ácidos-graxos de cadeia longa, conferindo a ela, inclusive, papel de um antioxidante endógeno (WANG et al., 2005). Camundongos deficientes para HNF4 apresentam uma drástica queda nos níveis de colesterol e triglicérides, e um aumento de ácidos biliares, evidências in vivo de que este fator age controlando o metabolismo hepático e o transporte de lipídios neste órgão no adulto (HAYHURST et al., 2001).

O grupo VI de TFBSs se destaca pela presença de sítios para fatores de transcrição relacionados ao metabolismo, como os fatores da família Forkhead. Neste grupo, destacam-se os fatores FOXO, que são alvos diretos da ação da insulina, regulando o metabolismo e sobrevivência celulares em resposta à disponibilidade nutricional e ao estresse (KIM et al., 2009). Além disso, essas proteínas agem nas cascatas transcricionais que controlam a diferenciação de pré-adipócitos, mioblastos e células endoteliais (KIM et al., 2009). A mais estudada isoforma, FOXO1, é um importante fator de regulação negativo da adipogênese, isto é, a expressão constitutiva de FOXO1 impede a diferenciação dos pré-adipócitos (NAKAE et al., 2003). Estudos demonstraram, também, que FOXO1 promove a expressão de enzimas gliconeogênicas no fígado além de ser capaz de promover a síntese de ácidos graxos neste órgão (KIM et al., 2009). Além disso, Kim e colaboradores (2009) observaram que a diminuição da expressão de FOXO1 aumenta a sensibilidade à insulina no fígado e também no músculo esquelético. A deficiência na expressão desse fator foi associada com aumento na expressão de PPARγ e seus genes-alvo, sugerindo que esses dois fatores devem agir de maneira antagonística, porém sinérgica, para que ocorra o balanço da resposta ao armazenamento de gordura de acordo com a demanda energética. Outro achado importante é que FOXO1 inibe a diferenciação dos mioblastos por meio da ativação da via de sinalização Notch, levando à redução na expressão de MyoD. A cooperação Notch/FOXO1 pode integrar estímulos ambientais com sinais metabólicos para regular a manutenção das células progenitoras e também a diferenciação dessas células (KITAMURA et al., 2007).

De um modo geral, as proteínas FOXO atenuam a via de sinalização Wnt/β- catenina, desviando a interação da β-catenina da transcrição mediada por TCF para a transcrição mediada por FOXO. A via Wnt favorece a formação óssea e suprime a adipogênese. Células com bipotencial para diferenciação em adipócitos e osteoblastos de camundongos deficientes em FOXO1, FOXO3 e FOXO4 apresentam mais alta diferenciação em osteoblastos (IYER et al., 2013). Esses dados revelam que FOXOs, assim como Dact1, exerce modulação negativa

sobre a via de sinalização Wnt/β-catenina. Embora nos pré-adipócitos eles apresentem uma modulação oposta, pode-se sugerir que a ligação dessa família de fatores na ECR1 no lócus de Dact1 pode levar à ativação deste gene em outros contextos celulares nos quais eles exercem uma atividade sinergística. Essa possível regulação de Dact1 por essa família de fatores deve ocorrer de maneira temporal e localmente específica e, possivelmente, dependente da situação metabólica das células envolvidas. Um outro importante papel dos fatores FOXO relaciona-se as células β do pâncreas. Mecanismos dependentes de FOXO dão suporte a estas células, ajudando a cumprirem suas funções endócrinas, além de aumentar a resistência ao estresse oxidativo devido à hiperglicemia transiente (GLAUSER & SCHLEGEL, 2007). Além disso, respostas dependentes de FOXO levam à adaptação das células β condicionando a habilidade dos organismos de produzir insulina e lidar com as mudanças energéticas (GLAUSER & SCHLEGEL, 2007).

Os demais TFBSs identificados na ECR1 – CDXA, AP4, LBP1, XVENT-1, COMP1, HFHs, FREAC2, FOXD3 e SRY parecem não estar envolvidos de maneira explícita em tecidos, à priori, ligados ao metabolismo. Por exemplo, Nie e colaboradores (2015), por meio de análises de Bioinformática, sugerem que os fatores de transcrição COMP1 e HNF4 agem juntos para regular transcricionalmente a expressão do microRNA miR-150 e do fator de supressão tumoral p27, um regulador da transição de fase G0/S por meio da ligação e regulação da atividade de CDKs58. Este miR-150 reprime pós-transcricionalmente p27, que, por sua vez, quando ativa regula positivamente vias de sinalização envolvidas em câncer, além do ciclo celular. A presença simultânea de sítios para COMP1 e HNF4 na ECR1 sugere que a transcrição de Dact1 poderia ser regulada por este elemento em outros contextos como, por exemplo, durante a embriogênese, onde o controle do ciclo celular é fundamental para o correto desenvolvimento de tecidos e órgãos. Essa propriedade confere a este gene uma ampla gama de possibilidades de ativação no embrião e em situações patológicas, que podem ainda permanecer desconhecidas. Outro achado interessante, foi a descoberta de que o sítio de ligação para o fator de transcrição SRY presente no grupo VI de TFBSs da ECR1, está contido no sítio para o fator SOX9, que tem a mais apenas três nucleotídeos upstream ao local de contato proteína/DNA de SRY. Este achado baseou-se na análise dos sequence logos providos pelo TRANSFAC, disponíveis no Apêndice H. Isto posto, pode-se inferir que SOX9, que também é um personagem envolvido na manutenção dos pré-adipócitos, seria capaz de se ligar neste sítio, controlando a atividade de Dact1 neste ou em outro contexto celular como, por exemplo,

durante a condrogênese, durante a qual Dact1 é conhecidamente expresso (SENSIATE et al., 2014).

Os dados obtidos pela investigação da arquitetura da ECR1 de Dact1 mostram importantes grupos de TFBSs presentes neste elemento genômico. Este achado sugere que esta ECR é capaz de modular a expressão de Dact1 em diferentes contextos celulares nos quais estes fatores são expressos. Em particular, é notável a presença de TFBSs para proteínas envolvidas no controle da adipogênese e em contextos responsivos ao metabolismo energético, como músculo, gordura, pâncreas e fígado.

6.3. O potencial funcional da ECR1 é corroborado pelos dados de ChIP-