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CAPÍTULO 2 – RIO VERDE: “CAPITAL PARESI”

2.6. A arquitetura das hatí

As hatí são construídas com madeiras e cobertas com palhas da palmeira guariroba (Cocos comosa, ver figura 14) e são habitadas por famílias celulares e nucleares, embora em tempos pretéritos, era comum viverem várias famílias numa mesma hati. Muitas hatí já dispõem de energia elétrica, embora as “coisas de imuti”, como eletrodomésticos, banheiros são, preferencialmente, colocadas nas construções das casas de modelo não indígena.

Figura 14 - Hatí construídas com madeiras e cobertas com palhas, trabalho realizado, preferencialmente, à noite, para se aproveitar a calmaria do vento.

A estrutura de uma hatí grande é composta de três esteios, 12 caibros na frente e atrás, 12 caibros no meio e cerca de 40 voltas de palha de guariroba. Em média, as hatí de tamanho grande medem 12m de comprimento, 6m de largura, 3m de altura e duram em média dez anos. Apresentam uma forma ovalada (elipse) e têm duas pequenas entradas, sendo que o

visitante ou morador precisa inclinar-se, tanto para adentrá-las, quanto para sair. As entradas ficam na direção leste-oeste, posição do nascimento e pôr-do-sol. (ver figuras 15, 16 e 17)

Figura 15 - Hatí de lado, na posição do nascer e pôr- do-sol.

Figura 16 - Hatí de frente

As hatí não possuem divisão (ver figura 18). Durante o dia, tornam-se um grande espaço social e à noite, são esquadrinhadas pelos donos das redes ou camas. Muitas famílias possuem camas, guarda-roupas, máquina de lavar, geladeira, fogão, aparelhos de som e televisão.

Figura 17 - Transado da cunheeira das hatí. Figura 18 - Hatí sem divisão

O asseio é uma das características marcantes dos halití, inclusive uma das primeiras a ser percebida e descrita nos relatórios dos cronistas colônias, pois as mulheres estão sempre lavando os utensílios, roupas ou varrendo o chão da hatí. Com isso, o local fica arejado, fresco, e mesmo aqueles que moram em casas de imutí, passam nas hatí para descansar nas redes. As construções de hatí são uma constante, existem na localidade pessoas que dominam técnicas da engenharia de construção, tais como: conhecimento dos trançados das palhas, os tipos de madeiras e a geometria que permite o ar circular de baixo para cima, mantendo o

ambiente arejado e fresco. Naquelas hatí onde os halití fazem fogo, o ar faz com que a fumaça suba permitindo afastar os insetos, criando uma proteção natural, com maior durabilidade para a palha de guariroba.

Figura 19 - Na construção das hatí, os homens fazem

os trançados. Figura 20 - As mulheres e crianças ajudam com o trabalho das palhas.

Em todas às vezes que estive na Aldeia Rio Verde, por ocasião do levantamento dos dados etnográficos, sempre havia um morador reformando ou construindo novas hatí, e mesmo aqueles que possuem casas imutí, faziam questão de ter uma, guardando aí seu traço identitário.

O esteio central é um lugar sagrado. Na maioria das hatí, colocam-se permanentemente cabaças com olonití, o tabaco, o que não quer dizer, que os habitantes necessariamente, fumem. É o lugar das flautas sagradas domésticas, como a Txihali, a Zêro e a Flecha Sagrada, objetos sagrados que todos podem ver. As outras flautas sagradas são guardadas na casa das Yámakas, uma pequena hatí, único espaço dedicado ao sagrado nas aldeias kozarini e somente são vistas por homens em dias de festa.

A maioria dos Kozarini segue os rituais sagrados, embora não deixem de existir membros de algumas famílias, que se converteram à crença cristã, eles professam e vivem sua fé fora das aldeias. Não existe nenhuma construção de igrejas ou templos na Aldeia Rio Verde e nem nas demais aldeias vizinhas.

As hatí não costumam ficar com portas fechadas e qualquer morador pode adentrá-las. A roupa é lavada nas casas que possuem máquinas de lavar e água encanada. Uma das preferências das mulheres Kozarini são as máquinas de lavar, em quase todas as casas existem uma, que normalmente, fica exposta ao tempo, embaixo das árvores ou ao ar livre. Porém,

além da comodidade, os halití continuam utilizando o Rio Verde como local para lavarem roupas e tomarem banho. Geralmente, cada família tem o seu porto28.

As casas se distribuem em torno do centro da aldeia, onde ficam as edificações das instituições sociais, como o Polo Base, a casa do posto da FUNAI e as escolas. A construção das aldeias não obedece a um desenho específico, mas dá para perceber que no meio da aldeia, o espaço é ocupado pelas edificações de alvenaria e madeira e as hatí localizam-se mais nas laterais.

Existe também um fluxo de parentes: netos, sobrinhos, irmãos, que se muda de outras aldeias para a Aldeia Rio Verde com o objetivo de estudar. Os jovens, quando não estão em sala de aula, fazem cursos de computação, já que a escola dispõe de uma sala de informática. Alguns se mudam para a cidade de Tangará da Serra, para cursar o ensino superior, ou trabalham na sede da Associação Halitinã. Aqueles que já terminaram a educação básica ajudam nas atividades, principalmente, nos serviços de mecânica ou de apoio aos mais velhos, como acompanhá-los à cidade para fazerem compras ou outras atividades. Não quero dizer com isso que os conflitos de gerações inexistam e que todos os jovens ajudam os mais velhos. Assim, como na maioria das sociedades humanas, os kozarini também são suscetíveis aos conflitos e discriminações, as quais se manifestam, principalmente, nas relações entre novos e velhos.

28 Porto, nesse caso, refere-se ao nome dado a um local nos rios, onde as famílias fazem uso dele para: tomarem banho e lavarem roupas e panelas. Não se refere ao local de embarcações, até porque não é comum, na tradição halití, a utilização de barcos/canoas ou outro tipo de embarcações, pelo fato dos mesmos preferirem as cabeceiras dos rios, lugares que costumam ser, naturalmente, acidentados (corredeiras, cachoeiras).