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A arte concreta brasileira e a apropriação de materiais industriais

Não poucos artistas do século XX usaram materiais industriais modernos como estratégia de adaptação às novas condições do mercado. A opção por esses materiais ocorreu por motivos práticos (maior disponibilidade), econômicos (baixo custo)432, tecnológicos

(facilidade na aplicação, secagem rápida, ausência de marcas)433, ideológicos (rompimento com

429 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Restauração de parte da Coleção Museu de Arte Moderna do Rio

de Janeiro anterior ao incêndio de 1978. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2014, p. 19.

430 O Olhar do Colecionador. Coleção Tuiuiú, São Paulo, BEI. Comunicação, 2010 – (Catálogo da exposição no

Instituto de Arte Contemporânea), p. 4.

431 OSORIO, Luiz Camillo. MAM nacional. Rio de Janeiro, Barléu, 2014, p. 240.

432 DREDGE, Paula et al. Lifting The Lids Off Ripolin: A Collection Of Paint From Sidney Nolan's Studio. Journal

of the American Institute for Conservation, 2013, Vol. 52, nº4, p. 213-226, DOI: 10.1179/1945233013Y.0000000011.

433 STANDEVEN, Harriet A. L.. Oil-Based House Paints from 1900 to 1960: An Examination of Their History

and Development, with Particular Reference to Ripolin Enamels. Journal of the American Institute for Conservation, 2013, Vol. 52, nº3, 127, DOI:10.1179/1945233013Y.0000000006.

a tradição)434, de conservação (preocupação com a durabilidade) 435 ou estéticos (impacto

visual)436 437. Os materiais modernos, além de permitirem soluções práticas, ampliaram as

possibilidades para criar efeitos ópticos mediante a produção de superfícies lisas, ásperas, brilhantes, transparentes e opacas.

O historiador e crítico da arte Frederico Morais (1936-), ao analisar o contexto de formação do Grupo Ruptura, relaciona a escolha pelos materiais industriais ao momento histórico-econômico vivido pelo Brasil. Segundo ele, esse contexto levaria à formação de novos valores na produção artística.

Produto do pós-guerra de 1945, o começo da industrialização no Brasil incide e implica diretamente sobre a ordem hierárquica e/ou re-valoração dos conceitos da produção artística (...), sejam materiais ou, bem, os métodos de aplicação em novos produtos, como foi o caso do esmalte sobre duratex, trabalhos sobre compensado, uso de lâminas de plexiglass transparentes, relevos sobre alumínio pintado e até volumetrias sobre latão e alumínio anodizado. (...). Nesse contexto surge o Grupo Ruptura438.

A escolha, decorre, em parte, como Morais indicou, do fato de que esses movimentos situam-se em um momento de crescimento industrial nacional e internacional, com grande produção e disponibilidade do uso de novos materiais pictóricos e diferentes tipos de suporte. O surgimento ou a presença de itens como as tintas domésticas, as tradicionais madeiras compensadas e outras mais modernas como as de fibra e as de partícula, além de laminados plásticos, está associada à busca da arquitetura por uma nova estética, pelo uso de materiais modernos e pela diminuição de gastos. Essa situação é reforçada, conforme por Katinsky (1977), com o “advento dos arquitetos modernos cariocas, e em São Paulo principalmente pela ação dos arquitetos Rino Levi e Vilanova Artigas”439. De modo semelhante, as tintas

automotivas foram lançadas, para suprir o mercado de automóveis, que no Brasil teve dois

434 KING, Annette et al. The use of Ripolin by Picabia in “The Fig Leaf” (1922). Journal of the American Institute

for Conservation, 2013, Vol. 52, nº3, p. 247, DOI: 10.1179/1945233013Y.0000000015.

435 CASADIO, Francesca et al. Interdisciplinary investigation of early house paints: Picasso, Picabia and their

Ripolin paintings – revision. ICOM-CC, Lisboa, 2011.

436 GOTTSCHALLER, Pia. Modern Abstract Art in Argentina and Brazil. WHALEN, Timothy P.. Conservation

Perspectives – Contents – Conserving Modern Paints. The GCI Newsletter, Volume 31, Number 2, Fall 2016.

437 LEARNER, Thomas J. S. et all. Modern Paints Uncovered – Proceedings from the Modern Paints Uncovered

Symposium. The Getty Conservation Institute; Tate; and the National Gallery of Art. Tate Modern, London, 2006, p. 9.

438 GULLAR, Ferreira. Arte Neoconcreta: Uma experiência radical in MORAIS, Frederico. Ciclo de Exposições

sobre arte no Rio de Janeiro: 1. NEOCONCRETISMO / 1959-1961. Galeria de Arte BANERJ, Rio de Janeiro, 1984, s/p.

439 KATINSKY, Júlio Roberto. O concretismo e o Desenho Industrial in AMARAL, Aracy A. Projeto Construtivo

Brasileiro na Arte (1950-1962). Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado, São Paulo, 1977, p. 326.

momentos particularmente fortes: a vinda de multinacionais estrangeiras como a Ford e a General Motors na década de 1920 e 1930 e no governo de Juscelino Kubitschek, de 1955 a 1960. A apropriação pelos artistas plásticos pode também ser atribuída a razões econômicas relacionadas ao término da II Guerra Mundial (1939-1945) e à restrição na oferta de materiais artísticos tradicionais. Essa situação é observada globalmente por Learner (2006) 440, mas, como

vimos, ocorreu localmente com o Salão Preto e Branco (1954).

De fato, Argan interpreta (1998)441 o surgimento das vanguardas construtivas como um

período de adaptação dos artistas à reformulação do modelo capitalista. Após a Primeira (1760- 1840) e a Segunda (1870-1914) Revolução Industrial, a produção passa da uma condição artesanal para a industrial. Segundo Nunes (2004), as vanguardas construtivas se posicionam frente a essa nova ordem produtiva, social e econômica e “reafirma[m] a sua autonomia ao mesmo tempo em que se coloca[m] como reorganizadora[s] de um mundo em radical transformação”442.

A historiadora da arte Erin Aldana (2007), em “Mecanismos de lo individual y lo social: El Arte Concreto y São Paulo”443, estabelece uma relação entre o Grupo Ruptura e o contexto

industrial de São Paulo entre 1950 e 1960. Segundo ela, deixar de lado aspectos históricos e econômicos da cidade para analisar somente os aspectos formais do grupo concretista é reduzir e diminuir a sua contribuição. O Brasil vivenciava, então, uma crescente prosperidade econômica concentrada na cidade de São Paulo. Aldana ainda sustenta que assim como o movimento modernista foi financiado pelas riquezas obtidas pela cafeicultura, os investimentos estrangeiros promovidos por Vargas na década de 1930 possibilitaram a promoção das artes de vanguarda pelos museus construídos no final da década de 1940. Segundo a historiadora, os artistas do Grupo Ruptura “tinham antecedentes muito diversos que refletiam o status de São Paulo como uma cidade de imigrantes” 444. Entre todos os representantes do grupo, somente

440 LEARNER, Thomas J. S. et all. Modern Paints Uncovered – Proceedings from the Modern Paints Uncovered

Symposium. The Getty Conservation Institute; Tate; and the National Gallery of Art. Tate Modern, London, 2006, p. 9.

441 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Trad. Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das

Letras, 1992, p. 310.

442 NUNES, Fabrício Vaz. Waldemar Cordeiro: da Arte Concreta ao “Popcreto”. Universidade Estadual de

Campinas; Departamento de História; Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; Mestrado em História da Arte e da Cultura, Campinas (SP), 2004, p. 12.

443 ALDANA, Erin. Mecanismos de lo individual y lo social. El Arte Concreto y São Paulo in CISNEROS, Patricia

Phelps de; PÉREZ-BARREIRO, Gabriel; TORRES, Cecilia de; ALDANA, Erin. The Geometry of Hope: Latin American Abstract Art from the Patricia Phelps de Cisneros. Collection Published by The Blanton Museum of Art Edited by Gabriel Pérez-Barreiro, Texas, 2007, p. 237.

444 ALDANA, Erin. Mecanismos de lo individual y lo social. El Arte Concreto y São Paulo in CISNEROS, Patricia

Sacilotto, Geraldo de Barros e Maurício Nogueira Lima eram brasileiros, sendo o primeiro filho de imigrantes. Quanto aos demais, Charoux era austríaco, Kazmer Féjer e Anatol Wladyslaw, poloneses, Leopoldo Haar era húngaro e Cordeiro tinha pai italiano e mãe brasileira. Sendo assim,

A ênfase na geometria das obras confere a muitas uma aparência banal. Os concretistas tinham a fama de não ter preocupação com a cor (...). Na superfície, tais obras certamente poderiam parecer secas, sem emoção, sem gosto. No entanto, se nós começamos a explorar o contexto no qual foram criadas – São Paulo no princípio dos anos cinquenta – então surge uma outra história, uma na qual a Arte Concreta é o resultado de acontecimentos políticos e culturais contemporâneos cujas origens datam de finais do século XIX.445

Para além da situação global econômica do país, outras situações pontuais também podem ter sido relevantes para a predileção por materiais industriais nas obras de arte. Nas fontes jornalísticas a visita de Max Bill ao Brasil em 1953 é considerada como um “fato de importância artística incontestável”, pois pela primeira vez, no Museu de Arte Moderna, e no Rio de Janeiro, a arte abstrata foi “ensinada por um mestre, o que já constitui por si mesmo acontecimento digno de registro.”446 Segundo o autor da matéria, os principais beneficiados

pela presença foram “sobretudo, os pintores concretos do Rio e de São Paulo, sucedidos no emprego de tintas (Duco, Ripolin, Kentone, Nordex e outras)”, ainda que esses tenham ainda “muita coisa que aprender com Max Bill.”447

Esse comentário foi feito tendo em vista a terceira passagem do artista suíço ao Brasil. Max Bill visita o país em 1950 em uma retrospectiva no MASP. Em seguida, volta ao país no ano seguinte após ser premiado na I Bienal do MAM-SP (1951) com a obra “Unidade Tripartida”. Finalmente retorna em 1953 para realizar conferências nas capitais paulista e carioca, divulgar e capitar recursos para as exposições da Escola Superior da forma, em Ulm

American Abstract Art from the Patricia Phelps de Cisneros. Collection Published by The Blanton Museum of Art Edited by Gabriel Pérez-Barreiro, Texas, 2007, p. 237, p. 241.

445 “Si uno ignora el contexto en el cual se desarrolló el Arte Concreto y considera el movimento estrictamente en

términos formales, entonces puede que parezca que los argumentos de sus detractores tengan algún fundamento. El énfasis en la geometría de las obras les da a muchas de ellas una aparencia banal. Los concretistas tenían fama de no tener preocupación alguna por el color (...). En la superfície, tales obras ciertamente pueden parecer secas, carentes de emoción y sosas. Sin enbargo, si uno comienza a explorar el contexto en el cual fueron creadas – el São Paulo de principios de los años cincuenta – entonces surge otra historia, una en la cual el Arte Concreto es el resultado de acontecimientos politicos e culturales contemporaneos cuyos origines datan de fines del siglo XIX” (CISNEROS et al, 2007, p. 237).

446 S/A. Max Bill no Rio. Diário Carioca, Edição B07608(1), 26/05/1953, p. 6. 447 S/A. Max Bill no Rio. Diário Carioca, Edição B07608(1), 26/05/1953, p. 6.

(Hochschule für Gestaltug Ulm)448. Entretanto, a influência primordial de Max Bill não reside

no uso de materiais industriais. De acordo com Nunes (2004) a exposição dele no MASP em 1950 foi a que mais marcou Waldemar Cordeiro particularmente no desenvolvimento do “problema geométrico”, na “lei que regula o quadro”449. Esse posicionamento de Cordeiro, será

a “marca do concretismo paulista, fugindo às tendências mais líricas e românticas da abstração que surgiam no Brasil, na mesma época”450. Os aspectos valorizados no Manifesto Ruptura

eram semelhantes aos explorados por Bill. No documento os paulistas buscavam “novos princípios artísticos” (romper com figurativismo, naturalismo e abstracionismo), a “renovação dos valores essenciais” (explorar os conceitos de espaço-tempo, movimento e matéria), a utilização de “princípios claros e inteligentes (...) de desenvolvimento prático” (empregar materiais industriais, soluções baseadas na Gestalt) e a defesa da arte como “um meio de conhecimento deduzível de conceitos” (rigor matemático)451. Para Bill, todavia, a arte concreta

não deveria se apoiar na natureza exterior452, mas na matemática, no uso de formas geométricas

e universais453.

Essas propostas em Waldemar Cordeiro podem ser observadas nas obras “Espaço convexo” (1954) e “Ideia Visível” (1957) (FIGURA 80), ambas pertencentes à Pinacoteca do Estado de São Paulo. A primeira parece avançar no uso dos novos materiais na medida em que emprega tinta alquídica sobre lâmina plástica de melanina-formaldeído colado sobre aglomerado. Esse suporte, pouco usual entre os artistas concretos paulistas, também foi pouco utilizado entre os demais artistas brasileiros construtivos. A segunda parece retornar a uma técnica tradicional como a têmpera, porém sobre aglomerado. Nunes propõe um modelo

448 NUNES, Fabrício Vaz. Waldemar Cordeiro: da Arte Concreta ao “Popcreto”. Universidade Estadual de

Campinas Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Mestrado em História da Arte e da Cultura, Campinas (SP), 2004, p. 50.

449 NUNES, Fabrício Vaz. Waldemar Cordeiro: da Arte Concreta ao “Popcreto”. Universidade Estadual de

Campinas Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Mestrado em História da Arte e da Cultura, Campinas (SP), 2004, p. 58.

450 NUNES, Fabrício Vaz. Waldemar Cordeiro: da Arte Concreta ao “Popcreto”. Universidade Estadual de

Campinas Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Mestrado em História da Arte e da Cultura, Campinas (SP), 2004, p. 58.

451 CORDEIRO, Waldemar e all. Manifesto Ruptura in AMARAL, Aracy (org.). Projeto construtivo brasileiro na

arte (1950-1962). Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, 1977, p. 69.

452 BILL, Max. Arte concreta. In: AMARAL, Aracy (org.). Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962).

Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, 1977, p. 48.

453 BILL, Max. O pensamento Matemático na Arte de Nosso Tempo. Ver y Estimar, nº 17, mai. 1950, Buenos

Aires. AMARAL, Aracy A. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962). Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado, São Paulo; 1977, p. 50-54.

esquemático para “Ideia Visível” (1957) (FIGURA 81); parte dos pontos em vermelho são apresentados em detalhe (FIGURAS 82 e 83).

FIGURA 80 – “Ideia Visível” (1957) de Cordeiro, em tinta e massa sobre compensado, 100 x 100 cm, da Pinacoteca do Estado, SP. Foto: Alexandre Leão, Adriano Bueno e Helaine Pessoa.

FIGURA 81 – Esquema apresentado por Nunes (2002) para “Ideia Visível” (1957) (NUNES, 2002, p. 91)

FIGURA 82 – Detalhe de “Ideia Visível” (1957). Foto: Alexandre Leão, Adriano Bueno e Helaine Pessoa.

Geraldo de Barros produz “Função Diagonal” (1952), obra em laca sobre madeira, nas dimensões de 62,9 x 62,9 x 1,3 cm, atualmente na Coleção Patricia Phelps de Cisneros (FIGURA 84 e 85). Segundo o artista, o projeto parte de inscrições sucessivas de um quadrado no interior de outro. Diversas variações são permitidas: “1) conforme o protótipo apresentado, em branco e preto; 2) o seu negativo; 3) com o uso de uma cor e sua complementar; 4) com o uso de cores simples, suas complementares, o branco e o preto”454.

FIGURA 84 e FIGURA 85 – “Função Diagonal” (1952) pertencente à Coleção Patricia Phelps de Cisneros e “Esquemas dos cinco projetos apresentados nesta Bienal”, feito por Geraldo Barros455

Na I Bienal de São Paulo, entre outros construtivos, participam Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro, Milton Dacosta, Kazmer Féjer, Antônio Maluf, Almir da Silva Mavignier, Maria Helena Andrés Ribeiro, Luiz Sacilotto, Ivan Serpa, Alfredo Volpi, Anatol Wladyslaw. Com relação às técnicas adotadas pelos artistas, poucos especificam os materiais utilizados (Cordeiro, Maluf e Andrés). Amaral (1977) afirma que a influência dos artistas suíços seria determinante na escolha dos materiais a serem usados nas obras. A nova prática é acolhida rapidamente como uma maneira de alcançar maior “rigor” e relacionar a criação artística ao processo de produção industrial, em oposição ao artesanal.

Será no entanto de tal índole o impacto da delegação suíça na I Bienal que quase instantaneamente todos deixam a tela pintada a óleo, e seguindo as observações

454 GULLAR, Ferreira. Arte Neoconcreta: Uma experiência radical in MORAIS, Frederico. Ciclo de Exposições

sobre arte no Rio de Janeiro: 1. NEOCONCRETISMO / 1959-1961. Galeria de Arte BANERJ, Rio de Janeiro, 1984, s/p.

455 GULLAR, Ferreira. Arte Neoconcreta: Uma experiência radical in MORAIS, Frederico. Ciclo de Exposições

sobre arte no Rio de Janeiro: 1. NEOCONCRETISMO / 1959-1961. Galeria de Arte BANERJ, Rio de Janeiro, 1984, s/p.

dos suíços (e Richard Lohse é um exemplo trabalhando sobre “pavatex”), passam a pintar sobre eucatex, recorrendo logo ao esmalte para a mais rigorosa pintura das superfícies, aos poucos abandonando o pincel pela pistola, evitando portanto, não apenas o material de reminiscência artesanal como a sua manipulação por um processo mais diretamente relacionado com a indústria. 456

As mudanças no uso dos materiais, no entanto, parecem não ter ocorrido de modo tão imediato. Na II Bienal de São Paulo (1953), edição em que “Guernica” (1937), de Pablo Picasso, foi exposta ao público, o escritor, curador, crítico de arte e jornalista Geraldo Ferraz, componente do júri, ressalta o comprometimento de realizar um “balanço da arte brasileira de nosso tempo”457 atento às “inquietações renovadoras da Semana de 22”458. As informações

encontradas para as obras são de modo geral título, ano de produção e proporções. Entre os artistas construtivos participantes459, novamente, poucos identificam em suas obras as técnicas

utilizadas, sendo difícil analisar a afirmação de Amaral. Entretanto, ao contrário da anterior, no ano de 1953, é possível encontrar obras com técnicas como “esmalte sobre kelmite” de Geraldo de Barros e Alexandre Wollner. A III Bienal (1955) teve como objetivo selecionar obras que representassem “as diversas tendências do movimento de renovação das artes plásticas”460.

Nela foi possível notar maior número de artistas461 e maior variedade de técnicas, como por

exemplo o guache sobre celotex, a tinta em massa sobre Nordex, o esmalte sobre Nordex, o esmalte sobre Madeirit e o Plexiglass.

Na IV edição da Bienal (1957) o critério para a seleção dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil justificou-se “tão só pelo seu valor intrínseco”462. De modo geral, artistas

com tendências geométricas tiveram as informações relativas às técnicas citadas no catálogo463,

porém o mesmo não é observado com outros artistas com propostas semelhantes, como Samson

456 AMARAL, Aracy A. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962). Museu de Arte Moderna, Rio de

Janeiro; Pinacoteca do Estado, São Paulo; 1977, p. 311-312.

457 II Bienal, 1953, p. 25. 458 II Bienal, 1953, p. 24.

459 Dos vários participantes, destacamos os paulistas Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Luiz Sacilotto, Alexandre

Wollner; os cariocas Aluísio Carvão, Lygia Clark, Ivan Serpa; e também os mineiros Maria Helena Andrés Ribeiro, Marília Giannetti Torres.

460 III Bienal, 1955, p. 11.

461 Os artistas construtivos participantes são: Geraldo de Barros, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro,

Milton Dacosta, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Maurício Nogueira Lima, Luiz Sacilotto, Ivan Serpa, Lygia Pape, Lothar Charoux e Anatol Wladyslaw.

462 IV Bienal, 1957, p. 58.

463 Alguns artistas selecionados: Aluísio Carvão, Willys de Castro, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro, Milton

Dacosta, Hermelindo Fiaminghi, Maurício Nogueira Lima, Almir da Silva Mavignier, Hélio Oiticica, Luiz Sacilotto, Ivan Serpa, Lygia Pape, Lothar Charoux e Anatol Wladyslaw.

Flexor, Maria Leontina, Leopoldo Raimo e Volpi. Por fim, a V Bienal de São Paulo (1959) congrega trabalhos que se “inscrevem nas linhas gerais do abstracionismo”, com “apreciável o número de concretistas”464. Essa situação, segundo Paulo Mendes de Almeida, membro da

diretoria executiva do MAM-SP e presidente do júri de seleção de artes plásticas naquele ano, deveu-se “[à] própria orientação dominante entre os artistas do país – e não [a] uma possível predileção dos membros componentes do júri”465. Essa quinta edição é também conhecida

atualmente como a “Bienal tachista”, pois teve expressivo contingente de artistas representando esse movimento; os artistas construtivos inscritos466. Contrariando essa proposta, em março do

mesmo ano os cariocas lançam o Manifesto Neoconcreto, que buscava uma “expressão que fugisse daquele racionalismo [arte concreta paulista], mas ao mesmo tempo (...) um equilíbrio, (...) uma coisa construtiva, uma espécie de construção sensível, mas não o irracionalismo [abstracionismo informal]”467.

De um modo geral, verificou-se que a descrição das técnicas utilizadas nos trabalhos aprovados até a V Bienal não foi um procedimento recorrente ou prioritário. Poucos são os artistas que especificam sua matéria-prima, fato que dificulta a observação de uma tendência massiva. Em todas as bienais citadas anteriormente, uma advertência indicava que as pinturas sem a especificação da técnica deveriam ser entendidas como realizadas a óleo sobre tela e os desenhos, como lápis sobre papel. Em nenhuma edição dentre as analisadas foi exigida a identificação da técnica, tão só a permissão de venda das obras, a opção dos artistas em concorrer aos prêmios de aquisição e uma ficha de inscrição com informações gerais. Ainda assim, vale ressaltar que diversos construtivos trouxeram em suas obras informações relativas à técnica, o que sugere uma preocupação com os materiais. Entre os artistas participantes das cinco primeiras edições da Bienal que focalizamos, nota-se a descrição de materiais pictóricos como o “óleo”, o “esmalte”, a “tinta industrial”, a “tinta sintética” e a “tinta e massa”. Na identificação dos suportes utilizados temos o “kelmite”, o “interflex”, o “nordex”468, o

464 V BIENAL, 1959, p. 40. 465 V BIENAL, 1959, p. 41.

466 São selecionados: Aluísio Carvão, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro, Hermelindo Fiaminghi, Hélio Oiticica,

Luiz Sacilotto, Willys de Castro, Maria Helena Andrés Ribeiro, Abelardo Zaluar e Lygia Pape.

467 HERKENHOFF, 1990, p. 42.

468 O Nordex® foi um material nacional produzido no Brasil pela empresa de mesmo nome, sediada no Nordeste,

mas que teve filiais em cidades como Porto Alegre (“Cia. T. Janer, Comércio e Indústria”). O nome deriva da sigla para “Nordeste Exportação”; ela foi criada pelo empreendedor Otto Hinrichsen e já se encontrava em funcionamento na década de 1950, mas foi fundada em 1966 (Diário de Pernambuco, Edição 00111(1), p. 5 (dig), ano 1967).

“celotex”, o “pexiglass”, o “eucatex”, o “duratex” 469 (FIGURA 24), o “madeirit” e a “madeira

compensada” 470.

Nesse cenário, Quirino Campofiorito (1902-1993)471 escreve “Que é pintura” (1955), na

tentativa de refletir sobre “o que se deve entender por pintura”. O questionamento feito pelo crítico certamente foi pertinente na época, uma vez que técnicas tradicionais, como o óleo sobre tela ou mesmo a têmpera e a aquarela e o guache sobre papel, estavam sendo substituídas por outras. Na explicação, o professor paulista discorre sobre o uso de materiais distintos do óleo nas pinturas e sobre a necessidade de “uma compreensão mais ampla”. Anteriormente, “os programas acadêmicos” de ensino de pintura “ensinavam só a técnica do óleo”, sendo que as outras técnicas, como a aquarela e a têmpera, quando lembradas, o eram “como meios