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2.4. Fábricas e vendedores de tintas no Brasil de 1900 até 1970

2.4.5. Abel de Barros

Dados relativos a fabricação e disponibilidade das tintas artísticas no Brasil no século XX, particularmente no período anterior ao final da década de 1960, são escassos. A publicação

“Materiais de Arte no Brasil – Análise das tintas a óleo” (1985) da Fundação Nacional de Artes (Funarte) é de um momento posterior ao explorado nesse trabalho, facultando a abordagem de produtos que não foram disponíveis em 1950 e 1960, porém merece menção, pois embora seja um estudo preliminar, é a referência mais completa sobre o tema. Embora de tamanho reduzido, o livro aborda de maneira única arte, ciência, tecnologia, história e política. Como vimos, o problema da qualidade dos materiais artísticos no Brasil subsiste pelo menos desde os questionamentos propostos por Iberê Camargo no Salão Preto e Branco (1954), sendo possível encontrar registros que denunciam a qualidade de tintas nacionais como as da marca Águia e Menke365. Quase três décadas após o movimento, as dificuldades persistem.

A pesquisa foi uma parceria do seu Instituto Nacional de Artes Plásticas (Inap) da Funarte com o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que realizou análises químicas e exames de rotulagem (com base nas informações apresentadas pelos fabricantes) em setenta amostras de tintas a óleo nacionais e importadas. O objetivo dos testes foi: compreender os riscos das tintas para a saúde dos pintores e os fatores determinantes para uma “posição de inferioridade” do produto nacional frente ao estrangeiro366. A norma norte-americana Padrão Comercial CS98-62 foi utilizada para verificar

a adequação da composição das tintas a óleo367.

As setenta amostras selecionadas representavam as tintas estrangeiras LeFranc et Bourgeois (FR), Grumbacher (EUA), Blockx (BE), Winsor & Newton (EN), Shiva, mas também as marcas nacionais Águia da fábrica Abel de Barros S.A., Acrilex368, Rubens, Decco (para

365 A CEXIM Quer Acabar Com A Nossa Pintura. Diário Carioca, 17/01/1953, Edição 07529, p. 1.

366 FUNARTE. Instituto Nacional de Artes Plásticas. Materiais de arte no Brasil – Análise das tintas a óleo.

FUNARTE, INAP, Rio de Janeiro, 1985, p. 13.

367 O Comercial Standart CS98-62 do Departamento do Comércio dos EUA foi publicado em 1962 pelo National

Bureau of Standards como resultado de um trabalho terminado em 1938 pelo Laboratório de Teste de Tintas e Pesquisa do Projeto de Arte de Massachussets sob a direção de Frank W. Sterner e Rutherford J. Gettens (FUNARTE, 1985, p. 45).

368 A Acrilex foi fundada em 1964 na cidade de São Paulo, mas teve seus estabelecimentos transferidos para São

tecido), Hering, Gato Preto369. Porém outras empresas não foram levadas em consideração370 371.

A Abel de Barros & Cia. (RJ) foi registrada em 1925 pelo imigrante português Abel de Barros e inicia suas vendas na rua General Câmara (RJ) (FIGURA 73 e 74). A empresa continua presente no mercado brasileiro, todavia com uma produção voltada para as tintas prediais e de uso doméstico. Inicialmente a empresa vendeu tintas e matérias-primas importadas como o óxido de zinco, o litopônio, o gesso cré e pigmentos372. Em 1927 ela foi transferida para a rua

Buenos Aires, principal centro comercial de tintas e ferragens do Rio de Janeiro; nesse mesmo ano a empresa Abel de Barros & Cia. teria como “sócios solidários” o próprio Abel de Barros Marques e Luiz Ignacio Alvez, mas também o “sócio de indústria” Guilherme Candido Pires373.

Nesse período surge o primeiro produto da marca Águia: o verniz com breu queimado, genuinamente produzido pela empresa374. Posteriormente, no final da década de 1920, a Abel

de Barros & Cia. também passa a fabricar tintas a óleo de uso artístico também da marca Águia. As tintas em bisnagas da marca Águia afirmavam-se de “alta qualidade e esmerada confecção” sendo capazes de resolver “satisfatoriamente o problema dos custos elevados”375. Dessa forma,

a empresa não se limitava a revender e distribuir produtos internacionais, como os da Berry Brothers376, mas também produzia os seus próprios itens.

369 As marcas de tintas artísticas Gato Preto e Decco pertencem à indústria química Tec-Screen, que foi fundada

em 1974 para atender ao mercado das tintas industriais, inkjet, artísticas e serigráficas. Ver:

http://www.gatopreto.com.br/?page_id=25. Acessado em 01/08/2016.

370 A Corfix foi criada em 1943 na cidade de Porto Alegre (RS) pelo desenhista Paulo Pernau Fassel e sua esposa

Gessy. A empresa ainda está em funcionamento e tem produtos voltados para os segmentos artístico, escolar e decorativo. Ver: http://www.corfix.com.br/historia.php. Acessado em 01/08/2016.

371 A Tintas Saucer foi introduzida no mercado nacional em 2003 e atualmente possui sede em Nova Iguaçu (RJ),

porém nasceu da tradicional produção de tintas iniciada pela família Pires em 1924371.

372 TELLES, Carlos Queiroz. ABRAFATI. Cem Anos de Cor & História. Editora CL-A Comunicações S/C Ltda.,

São Paulo, 1989, p. 49.

373 Junta Comercial - Contratos, Correio da Manhã, 25/02/1927, p. 9.

374 TELLES, Carlos Queiroz. ABRAFATI. Cem Anos de Cor & História. Editora CL-A Comunicações S/C Ltda.,

São Paulo, 1989, p. 49.

375 As papelarias. Jornal do Brasil, p. 29, 18/02/1932.

376 Em propaganda na 2ª edição do Almanaque, ou Almanaque d’A Manhã, encontramos a oferta da linha de

produtos Tintas Berry Brothers que anunciava os produtos Berrygloss, esmalte para interiores e exteriores; Berrybril, tinta a óleo sintética para exteriores; e Berryflat, tinta fosca para interiores. Os produtos pertenciam à American Marietta S.A. – Tintas e Lacas e tinham como distribuidor exclusivo a Cassio Muniz S.A. presente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (ALMANAQUE D’A MANHÃ, 1955, p. 16).

A primeira fábrica é instalada em 1930 na avenida Cidade de Lima (RJ) e nela são produzidos outros vernizes à base de resinas naturais (como o breu)377 e de óleos vegetais

tradicionais378. No ano de 1944 a Abel de Barros & Cia. inaugura nova fábrica na rua Prefeito

Olímpio de Melo (RJ) e passa a diversificar sua linha de produtos com fabricação de esmaltes, lacas, massas e primers379. Em 1950, a empresa passa a ser identificada como Abel de Barros

Com. e Ind. de Tintas S.A. e, com os novos aprimoramentos técnicos, passa a produzir tintas à base de caseína, que foram posteriormente modificadas por linhas à base de PVA, epóxi e poliuretano380. A produção de tintas acrílicas só seria iniciada em 1978, com a inauguração de

um novo parque fabril em Nova Iguaçu (RJ).

FIGURA 73 – Abel de Barros S.A.. Fonte: Diário de Notícias, Edição 10672(1), 25/08/1957, p. 87.

377 O breu (rosin) ou colofônia corresponde a uma resina que pode ser obtida de árvores coníferas e que decorre

do aquecimento e vaporização dos componentes líquidos de uma resina terpênica.

378http://www.tintasaguia.com/#!aguia/c10zq. Acessado em 01/08/2016.

379 TELLES, Carlos Queiroz. ABRAFATI. Cem Anos de Cor & História. Editora CL-A Comunicações S/C Ltda.,

São Paulo, 1989, p. 50.

380 TELLES, Carlos Queiroz. ABRAFATI. Cem Anos de Cor & História. Editora CL-A Comunicações S/C Ltda.,

FIGURA 74 – Oferta das Tintas Águia. Fonte: Gazeta de Notícias, Edição 00140(1), 19/06/1953, p. 7.

Os testes químicos realizados pela Fiocruz em amostras selecionadas pela Funarte-Inap buscaram analisar a relação carga/veículo, o veículo, componentes inertes, pigmentos além de fatores fisico-químicos com contribuíssem negativamente para a qualidade da tinta. Para as análises químicas foram utilizados cromatografia gás líquido para identificação dos ácidos graxos nas tintas e espectrofotometria de absorção atômica com chama, espectrofotometria no infravermelho e espectrografia de emissão para identificação dos componentes inorgânicos381.

As análises e exames de rotulagem permitiram concluir que as tintas nacionais não forneciam na embalagem as informações necessárias para uso prático do produto nem informavam os riscos para a saúde. As tintas nacionais, quando comparadas com as estrangeiras, são deficientes na presença de descrições quanto a natureza dos pigmentos empregados na fabricação; natureza e qualidade do veículo; permanência das tintas (estabilidade frente à ação da luz); comportamento da tinta frente a misturas; risco toxicológico; e lote do produto comprado382. Dentre as tintas nacionais, aquela que mostrou melhor rotulagem

foi a da marca Decco.

As discussões dos resultados obtidos pelas análises químicas ainda trouxeram importantes conclusões. Observou-se que a relação carga/veículo das tintas nacionais (da ordem de 2,0) foi inferior àquela obtida para as estrangeiras (da ordem de valores superiores a 3,0 a alguns casos a 6,0). Essa característica é importante para conferir ao material melhor

381 FUNARTE. Instituto Nacional de Artes Plásticas. Materiais de arte no Brasil – Análise das tintas a óleo.

FUNARTE, INAP, Rio de Janeiro, 1985, p. 13.

382 FUNARTE. Instituto Nacional de Artes Plásticas. Materiais de arte no Brasil – Análise das tintas a óleo.

consistência, qualidade de pincelada, flexibilidade e adesão do filme após secagem ao suporte. Segundo a publicação, o óleo de linhaça é utilizado por fabricantes nacionais independentemente do pigmento utilizado na tinta a óleo, enquanto os fabricantes estrangeiros utilizam o óleo de papoula para as tintas brancas (à exceção de algumas cores produzidas pela LeFranc et Bourgeois e Blockx) e o óleo de linhaça para outras cores383. De forma semelhante,

nos brancos nacionais foram identificados perfis cromatográficos que caracterizam o ácido linolênico, os quais, por sua vez, não foram obtidos para os brancos importados (LeFranc et Bourgeois, Winsor & Newton, Shiva).

Diversos estabelecimentos forneciam materiais para pintura no Brasil. No catálogo da V Bienal de São Paulo (1959) é possível encontrar propagandas das lojas “Michelangelo” na rua Liberó Badaró (SP) e “Tintas Casa Silvestri” na rua Martins Fontes (SP). Outras lojas também divulgavam em jornais, como é o caso do “Empório das Tintas” (SP) na Rua José Bonifácio384. No verso da obra “Cidade Iluminada” (década de 1950), de Maria Helena Andrés,

também foi identificada no chassi inferior direito uma marca de carimbo identificando a “Manufatura de madeira e loja de artigos para pintura” dos “Irmãos Jamelli Ltda.” localizada na rua do Ouro (SP). A empresa, que existe até hoje, foi fundada em 1948 pelos irmãos Luiz, Henrique e Dionésio Jamelli e fabricava “material para pintura artística, desenho, engenharia e escolar, como telas, cavaletes, estojos (...)”385. No verso da obra “Sem título” (1960), de Marília

Giannetti, também identificamos no lado direito superior da moldura o carimbo da “Casa Mattos” na rua Ramalho Ortigão (RJ).