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CAPÍTULO III – “A mulher do campo e a luta pela terra”

3.4. A Associação de Mulheres do Assentamento e suas conquistas

As freqüentes visitas realizadas ao Assentamento Monte Alegre permitiram concordar com Poletine et al (2005) quando afirmam que é possível perceber nos assentamentos da região de Araraquara um processo de politização dos espaços cotidianos, espaços esses nos quais as mulheres se fazem presentes.

Um exemplo do esforço dessas mulheres é a concretização da Associação das Mulheres do Assentamento, cujo conhecimento da história de formação permite nos

aproximarmos um pouco mais das histórias de vida dessas mulheres, com suas lutas e conquistas cotidianas.

No dia 13 de julho de 2008, realizou-se a Assembleia de Fundação da Associação de Mulheres Assentadas do Assentamento Monte Alegre Seis, também designada pela sigla AMA. De acordo com a Ata da Assembléia, “várias mulheres do Assentamento Monte Alegre VI reuniram-se em Assembléia, regularmente convocada através do Edital publicado no Jornal ‘Folha da Cidade’ do dia 9 de julho de 2008”.

De acordo com o Estatuto da Associação de Mulheres Assentadas do Assentamento Monte Alegre Seis, esta associação tem por finalidade proporcionar o desenvolvimento social, econômico, educacional e cultural de suas associadas, agricultoras integrantes da comunidade rural do projeto de Assentamento Monte Alegre VI.

Para esta finalidade, as associadas se dispõem a atuar18:

I. Na promoção da cultura, esporte e defesa do patrimônio histórico e artístico; II. Na promoção da saúde e da educação gratuitas às integrantes da comunidade

rural do projeto de Assentamento Monte Alegre Seis, buscando sempre a melhoria da qualidade de vida;

III. Na preservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; IV. Na promoção do desenvolvimento econômico de suas associadas por meio da produção agrícola e agroindustrial, da compra e da venda conjunta de insumos e produtos, e da contratação de estudos, projetos e pareceres nas áreas de atuação;

V. Na promoção e aprimoramento técnico-profissional das associadas, por meio de divulgação, formação, treinamento e qualificação profissional voltados aos sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

VI. Na experimentação de novos modelos sócio-educativos e

VII. No desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação das informações e conhecimentos técnicos relacionados às atividades mencionadas.

Na seqüência das atividades desenvolvidas por esse grupo de mulheres temos a consolidação da Padaria Comunitária do Assentamento Monte Alegre VI, concretizada após a

18 Informações obtidas na cópia impressa do Estatuto da Associação de Mulheres Assentadas do Assentamento

participação e a conquista de recursos financeiros por parte dessas mulheres assentadas nos fóruns do Orçamento Participativo do município de Araraquara.

[...] o trabalho de fabricação de pães começou na escola, e quem lutou por um espaço para esta atividade desde o início foi a Maria. Depois a Zete e a Zilda chegaram e, por último, chegou a própria Jisele para compor este grupo. (4º conjunto de notas)

Figura 4: Fachada da panificadora.

Inaugurada em dezembro de 2008, a Panificadora AMA19 possui uma área de produção de pães e bolos, além de um espaço para comercialização dos produtos. Trata-se de uma construção pequena, dividida em quatro partes distintas: a frente, onde ficam expostos os produtos e onde ficam o caixa e uma geladeira; a cozinha, no interior do estabelecimento; e dois cômodos no fundo. Em um desses cômodos ficam os pertences pessoais das mulheres, além de uma escrivaninha e materiais de escritório. No outro cômodo, utilizado como despensa, ficam os ingredientes e utensílios de cozinha. Na cozinha, propriamente dita, existem equipamentos industriais, duas pias grandes, um tanque, dois fornos industriais, um fogão e uma geladeira que condizem com os demais equipamentos profissionais. Na área externa estão localizados o banheiro e um tanque.

19 AMA faz referÊncia a Associação de Mulheres do Assentamento. A panificadora também recebeu o nome de

“Irene Biazzi Góes” em homenagem a uma moradora do núcleo seis do assentamento, falecida em 2008, que trabalhou na escola como merendeira e lutou por melhores condições de educação e trabalho no assentamento.

A panificadora é administrada pelas mulheres da Associação e todas as pessoas que tiverem interesse em trabalhar na Padaria devem se integrar à Associação. A idéia é que elas possam comercializar seus produtos na própria padaria e ainda na Loja Solidária, instalada no Terminal de Integração da cidade de Araraquara.

A idéia começou em 2002 com um grupo de mulheres que queria trabalhar, essas mulheres não tinha salário, dependia dos maridos. Começou um grupo de 20 mulheres, aí foi saindo, saindo e ficou parado. Aí teve o orçamento participativo, temática de mulheres. Quanto mais pessoas levasse, mais ganhava. (Maria)

Aí, dia 14 de dezembro de 2008 foi inaugurado nosso espaço. Já vai para dois anos que nós tá aqui. (Elisete)

Aí, nós fundamos a associação em outubro de 2008. Quem segurou a barra para fundar isso aqui fui eu e a Zete, fomos as protagonistas dessa historia. (Maria)

Ajuda bem a gente na complementação da renda. No começo nós ganhava 100 reais cada uma, hoje em dia a gente tira em torno de 400 reais. É assim, primeiro a gente paga todas as contas, cobre os cheques e no final do mês a gente reparte o que sobra. (Maria)

Além da geração de renda, o trabalho na padaria possibilita o reconhecimento das associadas por parte de alguns órgãos locais, como mostra o depoimento da Coordenadora de Participação Popular, Eliana Honain, para o Jornal Tribuna veiculado no dia 18 de dezembro de 2008, em reportagem sobre a inauguração da Padaria:

Em nenhum momento, elas desistiram de lutar. Não deixaram de produzir, utilizando o espaço da escola. A coordenadora destacou a importância das conquistas dos moradores através das Plenárias do Orçamento Participativo e motivou a continuidade da mobilização para realização de outras obras importantes. (TRIBUNA, 2008)

A coordenadora faz menção às primeiras produções dessas mulheres que, até o ano de 2001, eram realizadas na cozinha da escola do núcleo VI, com equipamentos próprios e, em geral, matérias-primas compradas na cidade. Antes disso, essas mulheres já tinham uma organização informal para a produção de pães em suas casas.

A partir de 2002, com a reforma da escola e a implantação de uma cozinha melhor equipada, a produção de pães ganhou novas perspectivas, valorizando a utilização das matérias-primas produzidas no próprio assentamento. Nesse ano, a prefeitura apoiou a comercialização da produção fornecendo transporte e bancas para exposição num espaço municipal de grande circulação de pessoas, o Terminal de Integração Urbana de Araraquara.

Com essas vendas, as “mulheres do pão”, como eram conhecidas, passaram a aumentar substancialmente a renda familiar, além de serem incluídas socialmente ao município.

Junto com estas conquistas, e seguindo as propostas de atuação previstas no estatuto, as associadas fizeram e ainda fazem cursos de culinária, comercialização, entre outros, se referindo com orgulho aos certificados que vêm obtendo nessas capacitações. Além de aprenderem, nessas formações elas também têm recebido convites para dar palestras e participar de encontros em outros municípios, com outras produtoras e produtores rurais de diferentes assentamentos.

A foto abaixo (Figura 4) mostra as associadas Elisete e Maria, participantes dessa pesquisa desde o início das coletas de dados, ministrando uma palestra no auditório da Secretaria de Educação e Cultura de Descalvado – SP, na qual falaram sobre a experiência de implantação de uma Padaria Comunitária, desde a fase inicial de concepção do projeto até as dificuldades atuais. Consta na reportagem divulgada no Jornal Eletrônico de Descalvado – “O Comércio”, o seguinte depoimento das duas:

O sucesso não veio de um dia para o outro. Foi uma batalha muito grande. Nós começamos com um grupo de vinte mulheres e só sobramos nós duas. Muita gente desistiu, mas nós viemos dizer a vocês que é preciso acreditar. A união faz a força. (fala de Elizete e Maria, maio de 2011)

Figura 5: Elizete (esquerda) e Maria (direita) compartilhando a experiência de formação da Padaria

Comunitária em palestra dada aos Membros da Associação de Hortifrutis de Descalvado – SP20.

Através dessa iniciativa é possível perceber a possibilidade de se promover um sentido diferenciado do trabalho feminino para além do âmbito familiar e dos afazeres

20 Fonte: Jornal O Comércio de Descalvado . Disponível em: http://www.jornalocomercio.com.br/internas/

domésticos. O ato de cozinhar e produzir pães e massas passou a ter sentido público, sendo reconhecido como trabalho efetivo na geração de renda. Ou seja, as mulheres passam a atuar “na construção de espaços de sociabilidade, mesmo através de códigos sociais tradicionais” (FERRANTE, 1998, 124).

Elas conquistaram espaço em lutas coletivas, embora os padrões culturais não deixem de influenciar na divisão sexual do trabalho, nas tomadas de decisões e nas esferas do poder, explicitados nas conversas por meio de falas sobre a necessidade de chegar em determinado horário em casa para realizar suas atividades domésticas como cozinhar, lavar, passar, limpar, cuidar da criação e do plantio. Encontramos depoimentos de mulheres que precisam, para exercerem suas atividades fora do lar, da aceitação de seus companheiros, o que nem sempre acontece. Segundo FERRANTE (1998, p. 137):

[...] a ação política ameaça a ‘moral’ da mulher: muitas delas, quando assumiam a posição de líder ou representante tinham que falar com muita gente, ir sempre à cidade, sozinhas ou com um grupo do qual o marido muitas vezes não participava. Qualquer descontentamento com as opiniões das mulheres abria margem para uma série de difamações, no bar, nas ruas da agrovila, no campo de futebol. Logo os maridos pressionavam para que suas mulheres não mais participassem das reuniões e – se fossem líderes – abdicassem dos cargos assumidos.

Ideológicamente, o homem detém o poder de fala e de representação em espaços públicos. Apesar da presença da mulher em todas as etapas do processo de discussão e decisão, determinados cargos são na maioria das vezes ocupados pelos homens, sendo a mulher conivente com esse tipo de situação. Pensando, então, nas possibilidades de mudança dessas relações, apontamos a importância de se valorizar as características próprias das mulheres envolvidas nessa luta que simboliza também a Reforma Agrária no Brasil. Muito desse significado só pode ser encontrado em aspectos subjetivos dessa realidade, nas falas e depoimentos é que encontramos a missão e a vocação dessas mulheres para exercer determinadas lideranças, participar e intervir nesses espaços (POLETINE et al, 2005).