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A atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH): promoção de habitação e

3. POLÍTICAS DE HABITAÇÃO NO BRASIL

3.1 A atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH): promoção de habitação e

O ano de 1964, início do golpe militar, foi um marco importante para a política habitacional do país. Como explica Cavalcanti (1999, p. 17), entre os anos de 1964 e 1967 ocorreu a estruturação do chamado Sistema Financeiro de Habitação (SFH), composto pelo Banco Nacional da Habitação (BNH)15 e seus agentes autorizados16. Para alguns autores, como Azevedo (1988) e Cavalcanti (1999), a intenção era que a produção de casas populares auxiliasse o regime militar recém implantado a conseguir o apoio das camadas populares, que simpatizavam com o governo anterior e realizavam mobilizações contrárias ao novo regime.

O BNH mantinha a função de atuar como órgão responsável pelo sistema financeiro dos projetos de habitação e de saneamento, realizados para atender a população de menor renda. Já as Companhias de Habitação Popular (COHAB)17 foram criadas para atuar na promoção da moradia de baixa renda, com o principal objetivo de reduzir o custo de produção e o preço final das residências. A proposta era que o BNH atuasse como agente financeiro para as COHAB. Na prática, o banco oferecia aos mutuários de casas populares vantagens em relação aos juros e prazos, e o barateamento das construções se dava, principalmente, por dois meios: a transferência dos custos das obras de infraestrutura dos conjuntos para outras agências públicas, geralmente as prefeituras; e uma relativa padronização das plantas residenciais, reduzindo os custos dos projetos arquitetônicos, aliada a inexistência de despesas com publicidade e corretagem (AZEVEDO, 1988, p. 112).

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O BNH foi criado em 1964 como uma resposta do governo militar à forte crise de moradia que se abatia sobre o pais, em um período de urbanização acelerada. Buscava, por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentação do governo anterior, e criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar, segundo os moldes capitalistas, o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer. Essa política habitacional dinamizou a economia, através da geração de empregos e fortalecimento do setor da construção civil, o que a transformou num dos elementos centrais da estratégia dos governos militares (BONDUKI, 2008, p.72).

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Bancos Privados, Caixa Econômica, Companhias de Habitação Popular (COHAB) e Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP). Devido à escassez de recursos também foram criados dois mecanismos para estimular a poupança e gerar recursos para a construção civil: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966, e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), criado em 1967 (CAVALCANTI, 1999, p. 17).

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São empresas mistas, estaduais e/ou municipais, que atuam na promoção pública de construção de moradias populares para os setores de baixa renda. “As Cohab compete coordenar e supervisionar o trabalho das diferentes agências públicas e privadas que participam da edificação das casas populares, reduzindo o preço das unidades produzidas” (AZEVEDO, 1988, p. 111).

A criação do BNH também previa diversos efeitos positivos na economia: o

estímulo à poupança, empregabilidade de mão-de-obra não qualificada,

desenvolvimento da indústria de material de construção, fortalecimento, expansão e diversificação das empresas de construção civil e das atividades associadas (arquitetura, comércio imobiliário, etc.) (AZEVEDO, 1988, p. 110).

A premissa inicial de atuação do BNH, voltada para a garantia de habitação e saneamento, passa a ser então empregada. Segundo Andrade e Azevedo (2011) a experiência nos primeiros anos deixou claro que não bastava só construir as casas, era preciso dotá-las de uma infraestrutura mínima adequada, como abastecimento d'água e infraestrutura sanitária, pois a falta desses requisitos configurava como a principal crítica aos conjuntos habitacionais construídos. Assim, a expansão das ações do BNH para as melhorias urbanas passou a ser impulsionada a partir de 1971, e em 1972 ganhou o reforço do projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada (CURA), “que se propõe racionalizar o uso do solo urbano, melhorar as condições de serviços de infraestrutura das cidades e corrigir as distorções causadas pela especulação imobiliária” (ANDRADE e AZEVEDO, 2011, p. 62-64). Por um lado, o BNH apresentou resultados positivos quanto à quantidade de unidades habitacionais construídas, aos recursos disponíveis, ao retomo do capital aplicado, ao desenvolvimento de atividades urbanas complementares e ao seu fortalecimento institucional. Por outro, os objetivos sociais recomendados na sua criação não foram satisfatoriamente alcançados.

Durante a trajetória do BNH, além de escassos, os investimentos no mercado popular passaram paulatinamente a privilegiar os grupos de maior rendimento, causando graves distorções aos objetivos sociais do banco. [...]. Em Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e Natal, onde foi possível o levantamento sobre a situação socioeconômica dos mutuários das COHABs, constatou-se que as famílias de renda mensal de um a três salários mínimos não constituem a maioria. Digno de nota é o elevado percentual de mutuários com renda familiar acima de cinco salários mínimos, faixa essa que por lei estaria vedada à atuação das COHABs. [...] Quando interpeladas sobre as causas da “elitização” de seus conjuntos, as COHABs reagem de várias maneiras. Por um lado, afirmam que esta é a única forma de garantir um desempenho financeiro satisfatório. Além disso, apontam a validade social dessa estratégia, já que os setores beneficiados (três a cinco salários) são também pobres (ANDRADE e AZEVEDO, 2011, p. 62). Durante a atuação do BNH, sobretudo na década de 1970, foram criados programas voltados para o desenvolvimento urbano – Projeto Comunidades Urbanas para Recuperação Acelerada (CURA), Fundo Regional de Desenvolvimento Urbano, Financiamento para Urbanização (FIMURB), Financiamento para Planejamento Urbano

(FIPLAN), Apoio ao Desenvolvimento de Polos Econômicos (PRODEPO) –, que atuavam em diversas áreas das cidades, implementando a instalação de redes de transporte e complexos industriais, mas sem atuar na complementação da infraestrutura dos conjuntos habitacionais do BNH (CAVALCANTI, 1999, p. 20). Na prática esses programas incentivaram a especulação imobiliária e a desigualdades social, favorecendo áreas já ocupadas das cidades e a implantação de novos bairros para população de renda média, que seriam valorizados pelos empreendimentos urbanos. Essa valorização urbana teve impactos na inserção dos conjuntos populares, pois, embora houvessem casos de projetos de ordenamento que procuraram manter a população próxima ao seu local de trabalho e ocupação inicial, o modelo de expansão empregado, na maioria dos casos ainda se voltava para a expansão periférica das cidades e a ocupação de áreas com menor impacto econômico.

A atuação do BNH durou 22 anos, e passou por problemas econômicos, como aumento do índice de inadimplência, em função do aumento do custo de vida nas cidades. De todas as unidades financiadas, só 33,5% foram destinadas aos setores populares de menor renda, sendo um dos motivos as dificuldades das famílias com renda inferior a três salários em cumprir a contrapartida exigida. Com as dificuldades de baratear a produção de habitação, surgiram novos cortiços, favelas e loteamentos clandestinos, tanto nas periferias quanto nos centros das grandes cidades. Em 1986 o BNH foi extinto18 e sua agenda incorporada à Caixa Econômica Federal (CEF), que passou a ser responsável por todas as suas atividades.

Esse período coincide com o fim do regime militar em 1985, e a retomada da corrida eleitoral para as bases federais e estaduais. Como consequência, e considerando a ampliação e fragmentação da política brasileira, o ímpeto de mudanças no novo regime acaba a mercê da obtenção de aliados políticos, e da aprovação da opinião pública, é ai reside a necessidade de extinguir medidas do regime anterior (MELO,

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Dos quase 4,5 milhões de unidades financiadas pelo BNH em 22 anos, cerca de 48,8% foi destinada aos setores de classe média de altos rendimentos, o que demonstra um certo fracasso em relação ao provimento de habitação popular. No novo governo foram criadas comissões para discussão do problema habitacional, e a geração de diversas propostas, a maioria delas voltadas para descentralização, prioridade social e criação de instrumentos de equilíbrio financeiro. “Em função da complexidade da questão, da forma de encaminhamento das discussões e dos diferentes interesses envolvidos, estava-se ainda longe de se alcançar consenso sobre pontos básicos da reforma, quando o governo decretou a extinção do Banco”. A incorporação do BNH a CEF não trouxe nenhuma solução para os problemas existentes, pelo contrário, demonstrava justamente a falta de propostas do governo para o setor habitacional, além do caráter político. Essa incorporação gerou um ônus para a cidade, pois as questões urbanas, e sobretudo a habitacional, se sujeitaram a uma instituição em que estes temas, embora importantes, eram tratados de forma setorial. Nesse contexto, mesmo com a criação do Ministério do Desenvolvimento Urbano (MDU) em 1985, houve um agravamento dos problemas (AZEVEDO, 1988, p. 116-118).

1989, p. 41). Sobre esse período Azevedo (1995, p. 295) aponta que o setor habitacional se caracterizava pelo “baixo desempenho social, alto nível de inadimplência, baixa liquidez do sistema, movimentos de mutuários organizados nacionalmente e grande expectativa de que as novas autoridades pudessem resolver a crise do sistema sem a penalização dos mutuários”.

Outro impacto causado pelas ações do BNH foi uma aceleração no esvaziamento das áreas mais antigas das cidades. O surgimento das novas centralidades fomentou a migração de boa parte dos comércios e serviços, das instituições públicas e da população abastada para bairros planejados, localizados em áreas nobres, com uma rede de infraestrutura viária e sanitária dimensionados para suportar um maior adensamento, loteamentos mais amplos e novas edificações. Esse período coincide com a implantação do Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas (PCH)19, em 1973, que focava na recuperação da sustentabilidade econômica dos centros históricos e foi criado, justamente, pela crescente decadência socioeconômicas em que se encontravam essas áreas. Desde o início da atuação do PCH um dos seus objetivos era a ampla utilização do estoque construído e da infraestrutura existente das áreas antigas, mas com usos que favorecessem sua exploração turística. Só na década de 1980 ocorreram tentativas de se manter a população moradora dessas áreas, e incentivar a vinda de novos habitantes, o que gerou uma tentativa de se criar um programa habitacional específico para sítios históricos utilizando recursos do BNH. O ponto de partida desse programa foi a implantação de um Projeto Piloto em Olinda/PE, que facilitava o acesso da população a financiamento para melhorias das habitações, tanto no perímetro tombado da cidade quanto no entorno, onde se localizavam habitações de interesse social. O projeto piloto durou até a extinção do BNH, devido à impossibilidade de se realizar novos financiamentos. As diretrizes de atuação do PCH e o Projeto Piloto Olinda serão melhor explicados no item 4.2 desta tese.

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O PCH durou de 1973 a 1986 tendo atuado inicialmente apenas na região Nordeste, com diretrizes focadas na exploração turística, depois se expandiu para a região Sudeste, voltando-se para a especulação econômica e reabilitação das áreas históricas, e em seus últimos anos se expandiu para todo o território. Esse programa será melhor explorado no item 4.1 desta tese.

3.2 A política habitacional no Brasil a partir da década de 1990: uma visão mais