Em Curitiba, a Defensoria Pública concentra grande parte dos defensores públicos do
estado, entretanto, o número de membros é insuficiente para cumprir com a implementação
efetiva dessa instituição. De acordo com o Relatório e Exposição de Motivos elaborado pelo
Conselho Superior da Defensoria Pública (CSDP) publicado na Deliberação CSDP n. 01 em
02 de março de 2015, foi apresentado o déficit real do número de defensores públicos no
Paraná visando ao cumprimento do art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da CF/88, incluído pela EC n. 80/2014.
O estudo realizado para a elaboração do relatório mencionado acima demonstrou que a
fim de atender a população que se enquadra no perfil de público-alvo da Defensoria Pública,
ou seja, renda familiar mensal de até três salários mínimos, Curitiba precisaria de 140
defensores públicos (CSDP, 2015). Atualmente, o município conta com a colaboração de 63
defensores públicos efetivos e mais dois afastados de acordo com dados do Relatório de
Pessoal
55
do mês de dezembro de 2017.
O atendimento às famílias que buscam por assistência jurídica gratuita, objetivando a
exigibilidade do direito da vaga de seus filhos nas creches, ocorre em cinco sedes da
Defensoria Pública (FIGURA 2) que prestam atendimento às questões relacionadas às Varas
de Infância e Juventude. Tais sedes estão marcadas no mapa com o formato de triângulo: Sede
Central (Vara da Infância e da Juventude e Adoção no Centro Cívico), Boqueirão, Cidade
Industrial, Pinheirinho e Santa Felicidade.
As demais sedes da Defensoria Pública em Curitiba realizam atendimento
especializado no Núcleo Criminal de Curitiba, no Santa Cândida; na Casa da Mulher
Brasileira, no Cabral; e no Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no
Alto da Glória. Atendem também no Ahú para casos de audiência e custódia; na Vara de
adolescentes em conflito com a lei, chamada Infância e Juventude infracional, no Capão da
Imbuia; e na Vara de Infrações Penais contra Crianças, Adolescentes e Idosos, no Rebouças.
Todas essas sedes estão marcadas no mapa com o círculo.
_______________
FIGURA 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS LOCAIS DE ATENDIMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA,
CURITIBA, 2017.
FONTE: Alterado pela autora. Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/mapas/bairros.htm>. Acesso em:
26 abr. 2018.
As cinco sedes que atendem às questões relacionadas ao acesso à justiça para vagas
em creche em Curitiba não englobam todos os bairros da cidade (QUADRO 3). A distribuição
inicial dos defensores públicos pelos bairros de Curitiba não previu seu atendimento no bairro
do Sítio Cercado, um dos mais pobres e populosos da cidade. Na EC 80/2014, a ampliação do
número de defensores públicos necessários para atender seu público em todas as unidades
jurisdicionais deve ocorrer “[...] prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices
de exclusão social e adensamento populacional”. (BRASIL, 2014, art. 98, § 2º). O bairro Sítio
Cercado está entre os três bairros com maior densidade populacional de Curitiba, abaixo
apenas dos bairros Centro e Água Verde. (AGÊNCIA CURITIBA, 2017).
QUADRO 3 – RELAÇÃO DE SEDES DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ QUE ATENDEM
FAMÍLIAS COM PEDIDOS DE VAGAS EM CRECHE, CURITIBA.
Regional Bairro Regional Bairro
Boqueirão
Boqueirão
Santa Felicidade
Butiatuvinha
Alto Boqueirão Campina do Siqueira
Xaxim Campo Comprido
Vila Hauer Cascatinha
CIC
CIC Lamenha Pequena
Augusta Mossunguê
Riviera Orleans
São Miguel Santa Felicidade
Pinheirinho
Pinheirinho Santo Inácio
Capão Raso São Braz
Campo de Santana Seminário
Caximba Vista Alegre
Tatuquara Sede Central Sem informação
FONTE: Locais de Atendimento da Defensoria Pública do Paraná. Disponível em:
<http://www.defensoriapublica.pr.def.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4>. Acesso em: 27 jan.
2018.
A atuação dos defensores públicos ocorre por competência territorial, sendo que um
dos requisitos de atendimento ao público está estritamente relacionado com
georeferenciamento, as sedes instauradas nos bairros citados anteriormante podem apenas
atender famílias residentes nesse bairro e nos que foram relacionados ao seu entorno. Isso
ocorre também para que a causa de um requerente possa ser representada e acompanhanda
pelo defensor público junto ao fórum específico de sua regional, na qual há um juiz designado
para atender àquele fórum específico.
Em 2013, ainda quando a Defensoria Pública do Paraná estava se organizando, a
distribuição das sedes nos bairros não atribui defensor público para atender o bairro do Sítio
Cercado. Por meio da Resolução n. 93 de 12 de agosto de 2013 do TJPR, foram estabelecidas
a nomenclatura e a competência das varas judiciais no Estado do Paraná, bem como criados
fóruns descentralizados que possuem competência territorial para julgar ações na área da
família, da infância cível, assim como no juizado especial cível e criminal. Por meio desta
resolução, instituíram-se os fóruns descentralizados no Bairro Novo (Sítio Cercado), no
Boqueirão, na Cidade Industrial, no Pinheirinho e em Santa Felicidade, no município de
Curitiba (PARANÁ, 2013, art. 150). Desta forma, os moradores de bairros que compõem a
competência territorial de um fórum descentralizado, só podem acessar à justiça por meio
deste fórum. Caso ajuíze uma ação em outro fórum, a mesma será extinta por incompetência
territorial, nos termos da resolução. A norma veda, inclusive a redistribuição das ações – ou
seja, o envio da ação ajuizada perante outro fórum, territorialmente incompetente, para o juiz
competente.
Assim, quando há fóruns descentralizados em um município, devido à competência
territorial, as causas atendidas são apenas as de pessoas residentes no seu território, ou seja, os
bairros que integram a sua competência. O objetivo dessa resolução foi o de facilitar o acesso
à justiça da população que mora em bairros mais afastados na capital, levando a justiça a uma
maior proximidade com a população atendida.
Em virtude disto, a Defensoria Pública precisaria ter designado defensores públicos
para atuar na região territorial de competência de cada um destes fóruns, a fim de oportunizar
à população mais pobre o acesso à justiça. Se não há defensor público lotado para alguma das
regiões atendidas por determinado fórum descentralizado, a população pobre que não possui
condições de contratar advogados particulares não possui acesso à justiça, em virtude da
inexistência de defensor público com competência territorial. Saliente-se, ainda, que em
virtude da previsão constante na norma do TJPR, as pessoas residentes na competência
territorial de um fórum descentralizado não podem ajuizar ação em outro fórum; portanto, não
podem nem mesmo buscar atendimento pelo defensor público lotado em outra região, uma
vez que caso a ação seja ajuizada em outro fórum será arquivada pelo Poder Judiciário.
Assim, como não há um defensor público com atribuição de atendimento ao Sítio Cercado
que está no território de um fórum descentralizado, os moradores desse bairro não possuem
atendimento gratuito à justiça pela Defensoria Pública.
Como o Sítio Cercado não foi acrescentado na distribuição das sedes da Defensoria
Pública em Curitiba desde sua implementação e como, pelo menos até novembro de 2017,
não há defensor público designado para esse bairro (DEFENSOR PÚBLICO, 2017,
informação verbal). Nas palavras do defensor público:
Sítio Cercado é um bairro que a Defensoria Pública não atende porque é outro fórum
descentralizado, se o colega atendesse aqui, ele teria que ajuizar ação com outro juiz
e não com o juiz com quem ele trabalha e ele não conseguiria acompanhar a ação,
não conseguiria ir em audiência se tivesse. (INFORMAÇÃO VERBAL, 2017).
A falta da atribuição de um defensor público para promover acesso gratuito à justiça
para a população pobre do Sítio Cercado até o momento é uma falha gravíssima da Defensoria
Pública, de acordo com o defensor público entrevistado, justamente porque é um dos bairros
mais pobres, “[...] comparando a distribuição das classes de renda de Curitiba, a Regional
Bairro Novo apresenta predominância das classes com menor poder aquisitivo” e “[...] maior
concentração (71%) nas classes de renda de até 3 SM
56
.” (AGÊNCIA CURITIBA, 2017, p.
8), bem como um dos mais populosos da cidade.
A população pobre residente no Sítio Cercado não posui prestação de assistência
jurídica gratuita realizada pela Defensoria Pública, entretanto, a falta de vagas em creches
nesse bairro é recorrente. De acordo com conselheiro tutelar do Sítio Cercado, em média são
50 atendimentos diários para famílias procurando ajuda quanto a questão da falta de vaga nas
creches. As famílias pobres são orientadas a procurar os Núcleos de Práticas Jurídicas de
faculdades por não terem condição de pagar um advogado para entrar com uma ação na
justiça após tentarem todas as vias administrativas sem sucesso, uma vez que inexiste
defensor público com competência territorial para atuar na localidade. Contudo, elas
continuam com dificuldade, pois esse tipo de serviço não é ofertado em todos os bairros do
município. Percebe-se aqui uma dupla negação de direitos, tanto pela falta do acesso gratuito
à justiça quanto pela falta de vaga nas creches.
Em Curitiba, a Defensoria Pública se tornou ator na questão da exigibilidade do direito
ao acesso à vaga nas creches desde sua implementação em 2014. Estudar-se-á, no próximo
capítulo, como os defensores públicos têm atuado para a garantia do direito ao acesso à creche
para as crianças de zero a três anos de idade.
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Informação baseada no Salário mínimo vigente em 2010 de R$ 510,00. FONTE: IBGE - Censo Demográfico
3 A EXIGIBILIDADE DO DIREITO AO ACESSO À CRECHE EM CURITIBA:
A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NESSE CONTEXTO
O cenário da exigibilidade judicial do acesso à creche em Curitiba por meio da atuação
da Defensoria Pública é resultado de uma evolução histórica relacionada ao atendimento a
educação infantil. Para a compreensão dessa questão, faz-se necessário analisar como
ocorreram a organização da creche e a evolução da oferta das matrículas para as crianças de
zero a três anos no município de Curitiba.
Também é importante observar a atuação de outros atores nesse processo de busca
pela exigibilidade do direito ao acesso à creche, como é o caso do Conselho Tutelar,
importante órgão na defesa do direito à educação, que, em Curitiba, tem atuado em parceria
com o Ministério Público. Esta última instituição há muitos anos se debruça na proteção do
direito à educação infantil, e as medidas adotadas nessa seara refletirão na atuação da
Defensoria Pública. Esta adentrou na esfera da exigibilidade desse direito também em parceria
com o Conselho Tutelar, pois os conselheiros tutelares orientam as famílias a buscar o direito
ao acesso à vaga na creche de seu filho junto aos defensores públicos, que exigem
judicialmente tal direito quando as vias administrativas não resolveram a questão.
Mesmo com poucos anos de criação, a Defensoria Pública no Paraná tem trabalhado
para a exigibilidade do direito ao acesso à creche em Curitiba, e, para a análise de sua
atuação, apresentar-se-ão o papel dos defensores públicos e os instrumentos e meios utilizados
por eles na atuação para a garantia do direito à educação infantil neste município.
Primeiramente será colocado o histórico de como a creche foi instituída em Curitiba
57
,
que é um município urbanizado, capital do Estado do Paraná e alcança um alto Índice de
Desenvolvimento Humano (IDHM), de 0,823, situado acima da média do Estado do Paraná,
que é de 0,749. Entretanto, há um déficit na oferta de vagas para a educação infantil em
Curitiba, o qual é maior para as crianças de zero a três anos de idade, pois de acordo com
dados demográficos do IBGE de 2010, 39,5% da população de zero a três anos de idade
frequentava a creche enquanto 83,6% das crianças de quatro e cinco anos frequentavam a
pré-escola. O município afirma ter universalizado a oferta da pré-escola no ano de 2016, e,
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