3.2 A ATUAÇÃO DOS ATORES DO SISTEMA DE JUSTIÇA E DA PROTEÇÃO À
3.2.2 O Ministério Público
Para a observação da exigibilidade do direito ao acesso à educação infantil no
município de Curitiba, considera-se importante destacar a atuação do Ministério Público e
apresentar os fatos relacionados à exigibilidade do direito ao acesso a essa etapa a partir do
ano de 2009, devido à promulgação da EC 59/2009, a qual incluiu as crianças de quatro e
cinco anos de idade na obrigatoriedade da educação básica, e em razão de, nesse ano, o então
prefeito Carlos Alberto Richa concordar em assinar um TAC que estava em discussão desde
2008, proposto pelo Ministério Público para ampliação da oferta de vagas na educação
infantil.
Entretanto, conforme relatório da pesquisa de Silveira (2015), em entrevista com a
promotora da Promotoria de Justiça de Proteção à Educação do Ministério Público, esse
acordo foi firmado após a exposição do problema da falta de vagas em Curitiba em um
programa de televisão em rede nacional
71
, sendo reconhecido pela prefeitura o déficit de
9.285 vagas, segundo a promotora de justiça, número superior aos procedimentos existentes
pleiteados na Promotoria que até aquele momento eram de dois mil, mas inferior aos 40 mil
pedidos que haviam passado pelo Conselho Tutelar.
Após o ano de 2009, foram registrados no Ministério Público em torno de cinco mil
procedimentos de pedidos por vagas nos três anos seguintes, no entanto, a promotora de
justiça enfatiza ser razoável esse número, mas destaca que havia muito mais e estão diante de
um aumento, pois crescia a busca pelo Ministério Público no momento em que a população
tomava conhecimento de seus direitos e da atuação da instituição. (SILVEIRA, 2015).
O Sistema de Cadastro organizado pela SME foi bastante útil, de acordo com a
ex-superintendente da Gestão Educacional e a ex-diretora do Departamento de Planejamento e
Informação, para argumentar, junto ao Ministério Público sobre a situação da distribuição das
matrículas até a assinatura do TAC em 2008/2009.
A conversa com o Ministério Público continuava e se tornou frequente, de acordo com
a diretora do Departamento de Planejamento e Informação, “[...] estávamos o tempo todo
prestando esclarecimentos à Promotoria, era uma constante para apresentar nossas metas e os
números que tínhamos.” (EX-DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE PLANEJAMENTO
E INFORMAÇÃO, 2017, informação verbal).
Na Promotoria conversamos com a Dra. Hirmínia porque ela encaminhava para nós
uma relação imensa de solicitação de vagas, que vinha pelo Conselho Tutelar,
porém, muitas dessas, não entravam nos critérios já estabelecidos de priorização de
vagas. Ela encaminhava e nós tínhamos que justificar criança a criança o porquê do
não atendimento das vagas. Esse foi um momento bem importante para nós, porque
teve uma relação de extrema confiança do MP com o Executivo, ou seja, elas
confiavam no nosso trabalho, e aí nós respondíamos que essa vaga agora não pode
ser atendida porque temos mais tantas crianças que tem mais necessidade. E
somente quando ela encaminhava algumas crianças dizendo ser urgente ou
necessário, que já tinha passado por uma triagem deles lá, daí a gente sabia que
aquelas a gente precisava atender, e tínhamos que atender também quando vinha
uma ordem do juiz ou da juíza, aqueles mandados de cumpra-se. (EX-DIRETORA
DO DEPARTAMENTO DE PLANEJAMENTO E INFORMAÇÃO, 2017,
informação verbal).
_______________
71
Fala da Promotora: “[...] eu credito a essa reportagem a assinatura do TAC, assim, porque teve tudo, foi
sequencial, sabe, foi depois daquela exposição na imprensa nacional é que veio a disponibilidade de assinar o
TAC. Não aceitaram chamar de TAC na época, não tem título TAC, mas tem o formato do TAC, é um
compromisso” (SILVEIRA, 2015, p.67).
Para a SME, a pressão exercida pelo Ministério Público para responder ao porquê de
aquelas crianças não terem sido matriculadas tinha caráter individual, entretanto, de acordo
com Silveira (2015), esses dados obtidos por meio dos casos individuais oferecem subsídios
para, se necessário, entrar com uma ACP.
[...] a Promotora organizou os dados em tabelas, subdividindo-os por regionais. O
foco do projeto estratégico é a ampliação das vagas por meio da construção de
unidades, pois, desse modo, os casos individuais oferecem dados no caso de ser
necessário entrar com uma ação civil pública. (SILVEIRA, 2015, p. 68).
O próximo passo do Ministério Público foi então a instauração de uma ACP ajuizada
em 30 de junho de 2014 (Autos nº 10.646-81.2014.8.16.0188)
72
para a ampliação das vagas
para a educação infantil, pois, de acordo com Silveira (2015), a promotora de justiça que
atendia a área da educação tentava negociar extrajudicialmente com a PMC desde 2011 um
novo acordo para a ampliação do atendimento da educação infantil, porém sem sucesso.
A cobrança por vagas na educação infantil pelo Ministério Público de maneira
extrajudicial e individualmente diminuiu após a instauração da ACP, pois a exigibilidade
judicial passou a ser coletiva e, ao invés de se requerer apenas a matrícula de uma criança, a
ação judicial buscava a construção de novos CMEIs e a previsão orçamentária em lei para tal
realização.
Apesar do afastamento da instauração de ações individuais exigindo por vaga nas
creches, o Ministério Público volta a atuar na questão por meio de uma campanha de
orientação e conscientização das pessoas sobre o acesso à creche e à pré-escola serem direito
fundamental da criança. Fato que comprova este dado é uma notícia
73
intitulada “Creche e
pré-escola: um direito fundamental de toda criança” do início de 2018 da página eletrônica do
Ministério Público do Paraná a qual revela o número de crianças cujos pais procuraram o
Conselho Tutelar em Curitiba.
De 2014 até o final de 2017 foram registradas 7.690 crianças que procuraram o
Conselho Tutelar e o Ministério Público devido à negativa de vaga. Esse número é menor do
que o número relatado pela PMC, mas bastante significativo, e vai de acordo com a fala dos
conselheiros tutelares nas entrevistas, a respeito do atendimento diário às famílias que buscam
pelo seu direito à vaga nas creches.
_______________
72
Inicialmente o Ministério Público pediu a tutela antecipada nessa ação que foi concedida parcialmente pelo
Judiciário, em 12 de agosto de 2014. Mas, logo após, o município e o Ministério Público recorreram, não
chegando a um resultado final da ação até o momento (janeiro de 2018).
73
Disponível em:
<http://www.mppr.mp.br/2018/01/19889,10/Creche-e-pre-escola-um-direito-fundamental-de-toda-crianca.html>. Acesso em: 03 fev. 2018.
Somente em Curitiba, 7.690 crianças tentaram se matricular na educação infantil
desde 2014 e não encontraram vagas. O levantamento do Ministério Público do
Paraná inclui informações repassadas pelos Conselhos Tutelares da capital e
registros de famílias que procuraram diretamente a Promotoria de Justiça de
Proteção à Educação, depois de terem o pedido de matrícula negado na rede pública
municipal. (MPPR, 2018).
Após a instauração da ACP
74
em junho de 2014, os pedidos individuais que chegavam
ao Ministério Público por vagas nas instituições foram direcionados para a Defensoria Pública
após reunião ao final de 2014, prevendo um projeto de ação integrada entre as instituições
75
.
Na fala do defensor público presente neste encontro, a ideia é a de que “[...] a Defensoria
ajuíze todas as ações individuais de pedidos de vagas em creches e pré-escolas e que o
Ministério Público auxilie a população que o procure e remeta os documentos para a
Defensoria ingressar com a ação
76
”. Entretanto, o Ministério Público demonstra continuar o
trabalho na esfera da proteção individual do direito ao acesso à educação infantil por meio do
lançamento da nova campanha ao final de 2017.
A orientação e a conscientização das famílias sobre o acesso à educação infantil ser
direito fundamental da criança foram o objetivo do Ministério Público do Paraná ao final do
ano de 2017, ao incentivar o desenvolvimento da campanha “Educação Infantil: direito
fundamental de toda criança” promovida pelo governo estadual, por meio da atuação dos
Conselhos Estaduais da Mulher (CEDM) e da Criança e do Adolescente (CEDCA). Essa
campanha tem o objetivo de ajudar as famílias a compreender que a vaga é um direito da
criança e ensinar o caminho que se deve seguir em busca da vaga por meio de folhetos e
cartazes que estão sendo distribuídos nas unidades relacionadas à rede de serviço
socioassistencial do Estado, como Centros de Juventude, Centros de Referência de
Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
(MPPR, 2018).
É uma nova forma de abordar a questão da educação e da conscientização do direito à
educação. Além disso, seria bastante interessante e importante o envolvimento da atuação
também da Defensoria Pública no processo de garantia e proteção do direito à creche das
crianças pequenas. De acordo com a pesquisa Corrêa (2014) sobre a judicialização da política
_______________
74
ACP nº 0010646-81.2014.8.16.0188.
75