No Brasil, as Defensorias Públicas foram instituídas na CF/88 como órgão essencial à
administração da justiça, sendo sua principal função, prestar assistência jurídica integral e
gratuita para a população que comprove a insuficiência de recursos financeiros para
pagamento de um advogado e das despesas de um processo judicial, no caso da necessidade
deste. Da sua disposição:
A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal. (BRASIL, Art. 134, redação dada pela Emenda
Constitucional n. 80, de 2014).
A organização desta instituição está estruturada em âmbito nacional pela Defensoria
Pública da União que atua nos graus e instâncias administrativas federais, junto à Justiça
Federal, do Trabalho, Militar e Eleitoral, bem como junto aos Tribunais Superiores (Superior
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal). Na esfera estadual, é representada pelas
Defensorias Públicas do Distrito Federal e dos Estados que atuam nos graus e instâncias
estaduais, junto aos Tribunais de Justiça de cada território (BRASIL, MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2015).
As normas gerais para a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos Territórios foram publicadas primeiramente em 1994 pela Lei Orgânica
Nacional, por meio da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro. Entretanto, apenas após a
“Reforma do Poder Judiciário”
36
, a Defensoria Pública é desvinculada do Poder Executivo,
recebendo autonomia funcional e administrativa, podendo a partir de então elaborar sua
proposta orçamentária, e também trabalhar de modo independente, o que possibilitou-lhe
liberdade para expor suas dificuldades jurídicas e orçamentárias e evidenciar a necessidade da
igualdade de condições com as demais instituições essenciais à justiça, além de poder fazer
parte dos foros que discutem estratégias para a ampliação do acesso à justiça, de acordo com
Haman Tabosa de Moraes e Córdova (2014).
Outras importantes alterações para a sua efetivação como instituição viabilizadora do
acesso à justiça ocorreram em 2007, com a edição da Lei n. 11.478, de 15 de janeiro de 2007,
que conferiu legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de ACP, em 2009, por meio
da Lei Complementar n. 132, que alterou alguns dispositivos da Lei Complementar n. 80, de
12 de janeiro de 1994, em relação a sua organização.
Dentre as alterações, o art. 3º descreve os princípios institucionais da Defensoria
Pública, sendo eles a unidade, a indivisibilidade
37
e a independência funcional
38
, aspectos que
descrevem o caráter autônomo que a Defensoria Pública deve ter em relação aos demais
órgãos estatais.
Outro resultado positivo para a atuação da Defensoria Pública ocorreu em 2015, com o
Código de Processo Civil que “[...] além de prever um título específico para a mesma,
prestigiou a atuação institucional em inúmeros dispositivos e garantiu a sua participação em
novos institutos processuais.” (GONZALÉZ, 2017, p. 28). Essas alterações explicitam seus
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36
Considerada como uma divisora de águas do ponto de vista da relação entre o Poder Judiciário e a sociedade, a
EC 45/2004, por introduzir importantes ferramentas para o aperfeiçoamento da qualidade do serviço público
prestado pelos magistrados em prol do jurisdicionado brasileiro. Alguns exemplos de mudanças: a criação dos
Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público; a autonomia de Sessão do Conselho Nacional de
Justiça; defensorias públicas estaduais; a possibilidade de federalização de crimes contra os direitos humanos,
a constitucionalização dos tratados e convenções internacionais sobre o tema, o fortalecimento da garantia da
imparcialidade dos magistrados e a criação da repercussão geral como requisito para o conhecimento do
recurso extraordinário; dentre outras importantes alterações que, a um só tempo, fortaleceram a atividade
judicante e aproximaram-na do dia a dia da população, que passou a observá-la com mais atenção e,
consequentemente, com maior senso crítico. (CÓRDOVA, 2014).
37
“A unidade e a indivisibilidade permitem aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros,
obedecidas as regras legalmente estabelecidas, sem qualquer prejuízo para a atuação da instituição, ou para a
validade do processo. E isto porque cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos
mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades. A unidade, todavia, não implica a vinculação de opiniões.
Nada impede que um Defensor Público que venha a substituir o outro tenha entendimento diverso sobre
determinada questão e, portanto, adote procedimento diferente daquele iniciado pelo substituído”. (MORAES,
Silvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. São Paulo, RT, 1995, p. 22).
38
Independência funcional significa dizer que os defensores públicos são plenamente independentes no exercício
de suas atividades funcionais, no que se refere aos aspectos e estratégias de natureza técnico-jurídicas de que
pretendam se valer para levar a cabo a assistência e o patrocínio dos interesses das partes que estiverem sob
seus cuidados. (ALVES, 2005, p. 362).
objetivos, que vão além da garantia do acesso à assistência judiciária. Segundo Gustavo
Augusto Soares dos Reis (2009, p.48), a Defensoria Pública
[...] almeja ainda contribuir, na medida do possível, para a emancipação social,
inclusive por meio de atuação extrajudicial. É imperioso ressaltar que tal atuação,
pode-se dizer, abrange tanto a promoção da mediação de conflitos – atividade ligada
à chamada terceira onda de acesso à Justiça –, que auxilia sobremaneira para o
desafogamento do Poder Judiciário, como a orientação jurídica e a educação em
direitos.
A atuação da Defensoria Pública pode direcionar suas funções para a proteção do
direito à educação, desde orientar as pessoas para que se conscientizem de seus direitos até a
sua exigibilidade utilizando os instrumentos judiciais atribuídos para uso em suas funções,
conforme descritas no artigo 4º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (BRASIL,
Lei Complementar n. 132, de 7 de outubro de 2009):
I - prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;
[...]
III - promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do
ordenamento jurídico;
[...]
VII - promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a
adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
VIII - exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e
individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º da Constituição Federal;
IX - impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de
segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e
prerrogativas de seus órgãos de execução;
X - promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados,
abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e
ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua
adequada e efetiva tutela;
XI - exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do
adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher
vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que
mereçam proteção especial do Estado;
XXII - convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas
funções institucionais. [...].
A criação das Defensorias Públicas não ocorreu de forma rápida e passiva nos
estados. Houve a organização de movimentos sociais, sindicatos e grupos da sociedade civil
exercendo pressão contra os governos, reclamando essa implantação e participando de forma
ativa da elaboração da redação dos projetos de lei em andamento nas assembleias legislativas
estaduais a respeito da criação das Defensorias Públicas; além disso, continuaram
colaborando com as lideranças e os membros das Defensorias conforme foram sendo
instituídos. (MAPA DA DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL, 2013).
Com a criação da Secretaria de Reforma do Judiciário pelo Ministério da Justiça em
2003, foi estabelecida, como prioridade em suas ações, a produção de dados capazes de
auxiliar o planejamento necessário para as transformações da justiça brasileira, com o objetivo
de subsidiar a promoção do debate sobre o aprimoramento das instituições jurídicas
brasileiras
39
. Para isso, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e com a Associação Nacional dos Defensores Públicos
(ANADEP), foi lançado em 2004 o primeiro “Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública no
Brasil”. De acordo com o Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça,
Sérgio Rabello Tamm Renault:
O trabalho pretende lançar luzes sobre a instituição jurídica alçada à condição de
função essencial à justiça pela chamada Constituição-Cidadã, e por ela incumbida da
prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos. (BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004).
Até o momento, foram lançados quatro Diagnósticos da Defensoria Pública no
Brasil, nos anos de 2004, 2006, 2013 e 2015 com o objetivo de monitorar as transformações
operadas na Defensoria Pública nos últimos anos. O estudo apresenta um levantamento do
perfil institucional, da universalização do serviço, das despesas e remuneração e da atuação e
produtividade das Defensorias Públicas. O estudo também agrega informações relevantes
sobre o perfil demográfico e sociológico dos defensores públicos. (BRASIL, MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA, 2006).
O IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil (BRASIL, MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2015) confirmou a presença de mudanças significativas para sua
institucionalidade, como a reestruturação das Seções relativas ao Capítulo das Funções
Essenciais à Justiça e especialmente a partir da promulgação da Emenda Constitucional n. 45
de 2004, que garante legalmente a autonomia administrativa e financeira para sua atuação, e
também a importância da Emenda Constitucional n. 80 de 2014 que especificou a necessidade
da ampliação do número de defensores públicos nas Defensorias Públicas da União, dos
Estados e do Distrito Federal, os quais deverão contar com defensores públicos em todas as
unidades jurisdicionais num prazo de oito anos (até 2022) e, segundo o art. 98 da CF/88,
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39
A Secretaria da Reforma do Judiciário foi extinta em março de 2016 tendo suas atribuições transferidas para a
Secretaria Nacional de Justiça. Artigo publicado no jornal: O Estado de S. Paulo na terça-feira (29/3) de 2016,
por Sérgio Renault, Pierpaolo Cruz Bottini e Maria Tereza Sadek. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2016-mar-30/fim-secretaria-reforma-judiciario-perda-importante>. Acesso em:
30 out. 2017.
devem priorizar o atendimento nas regiões com maiores índices de exclusão social e
adensamento populacional.
Contudo, os dados do PNUD demonstraram que no Brasil as diferenças regionais no
acesso à justiça são muito grandes
40
, assim como as demais desigualdades na oferta de
serviços como a educação e saúde. Dessa forma, há variabilidade considerável na distribuição
de defensores públicos no país:
Em média, cada uma das Defensorias Públicas Estaduais possui 227 Defensores,
quantidade significativamente superior à média encontrada em 2008, quando as
instituições possuíam cerca de 190 Defensores. Contudo, esse número varia de 38
Defensores Públicos, no estado do Rio Grande do Norte, a 771 profissionais, que
compõem o quadro de Defensores no Rio de Janeiro, a Defensoria Pública mais
tradicional do Brasil. (BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015, p. 44).
Para o cálculo do déficit do número de defensores públicos no Brasil (TABELA 3),
considera-se o público-alvo a considera-ser atendido. Nesconsidera-se caso, leva-considera-se em conta a proporção de 10.000 pessoas
da população acima de 10 anos de idade com renda familiar de até três salários mínimos por
defensor
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para que o serviço público seja de qualidade, de acordo com o Mapa da Defensoria
Pública no Brasil (2013).
TABELA 3 – RAZÃO DE DEFENSORES PÚBLICOS ESTADUAIS E POPULAÇÃO-ALVO POR ESTADO,
2008 e 2014
(continua)
UF 2008 2014
Defensores Públicos
ativos Defensores Públicos ativos População-alvo (Pop. / Def.) Razão
AP - - 234.812 -
GO - 18 2.861.175 158.954
PR - 76 4.995.861 65.735
RN - 38 1.425.164 37.504
SC - 101 3.140.015 31.089
SP 397 719 17.932.005 24.940
BA 201 267 6.279.654 23.519
MA 46 142 2.622.931 18.471
AL 30 72 1.255.235 17.434
MG 474 581 9.559.377 16.453
PE - 246 3.849.256 15.647
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40
O Índice Nacional de Acesso à Justiça (INAJ) revelou que: 14 estados estão abaixo da média nacional em
acesso à justiça; pessoas mais pobres e mais vulneráveis têm menos acesso à justiça; a unidade federativa mais
bem colocada no índice – Distrito Federal – apresenta uma diferença de 1000% em relação à pior colocada –
Maranhão. Notícia disponível em:
<https://nacoesunidas.org/pnud-diferencas-regionais-no-acesso-a-justica-chegam-a-1000-no-brasil/>. Acesso em: 27 fev. 2017.
41