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A atuação ministerial para as demandas coletivas na crítica da doutrina

A LEGITIMAÇÃO PARA AS AÇÕES COLETIVAS EM MATÉRIA TRABALHISTA: A LEGITIMAÇÃO SINDICAL PRIVILEGIADA

5.9 A atuação ministerial para as demandas coletivas na crítica da doutrina

A doutrina vem reconhecendo certa inadequação quanto ao uso, pelo Ministério Público, das ações coletivas como forma de correção das condutas antijurídicas.

Tal posição aponta o uso aparentemente descontrolado do referido mecanismo de defesa coletiva por parte dos integrantes do órgão.

Adilson de Abreu Dallari, ao estudar o tema da improbidade administrativa e as ações civis públicas, demonstra preocupação com o uso desse mecanismo ao afirmar o seguinte:

“O Ministério Público não é e não pode ser um Superpoder, acima da lei e da ordem, dotado de prerrogativas especiais para ser o árbitro absoluto de todas as questões a respeito do interesse público e da moralidade pública. Quem já viveu em períodos de exceção sabe que é extremamente perigoso conferir a um segmento qualquer da coletividade prerrogativas excepcionais, até para ‘corrigir’ eventuais ou supostos desvios dos agentes e das instituições democráticas, por meios que extrapolam os limites das competências legalmente estabelecidos, chegando a comprometer o equilíbrio institucional e invadir a esfera dos direitos e garantias dos cidadãos.”270

A doutrina administrativista vem ressaltando esse ponto de discórdia, ao afirmar ser inadequado o envolvimento do Ministério Público nas decisões da Administração Pública. Não pode o administrador estar a todo tempo, sob o fio de uma espada que, indiscriminadamente, o ameaça infundindo medo de decidir.271

O uso preocupante das ações coletivas pelo Ministério Público é também destacado por Luciano Velasque Rocha, que indica um resultado antidemocrático e até mesmo assemelhado ao corporativismo do período fascista, agora não sob a tutela do Estado, mas sim do parquet.

270 Adilson de Abreu Dallari, Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais, p. 25.

271Dallari ainda sustenta, citando José Afonso da Silva (Perspectivas do Direito Público – estudos em Homenagem a Miguel Seabra Fagundes, Belo Horizonte, Del Rey, 1995), que “gera-se, por esta prática [a do uso indevido das ações do Ministério Público e das liminares concedidas nesses casos] uma nova forma de ética oficial, que pretende ditar regras morais à sociedade e, neste caso, aos governantes, de acordo com o pensamento ético dos membros do Judiciário e do Ministério Público. Todo oficialismo ético é antidemocrático. Por isso é que todo Estado ético foi pretensão de ditadores de impor suas concepções morais”. Ibidem, p. 26-27.

“De fato, a Constituição Federal de 1988 dotou o Parquet de independência tal que a instituição fosse mesmo chamada de `quarto poder`, o que bem explica a importância da função ministerial entre nós. De qualquer modo, a despeito dos excessos que alguns vislumbram, o Ministério Público tem se revelado o ente mais combativo na tutela de direitos metaindividuais, principalmente ao lançar mão da ação civil pública. (...)Por outro lado, é possível que o extenso rol de atribuições do Ministério Público na Constituição Federal de 1988 seja reflexo de uma sociedade pouco organizada em torno de si mesma. Dentro dessa perspectiva, a atuação do Ministério Público seria supletiva – quiçá até paternalista – em relação à sociedade. De que outra maneira se pode contextualizar diplomas legais que têm de incentivar a criação e o desenvolvimento de associações ( art. 4º, II, BM Lei nº8.078/90, e art. 174, §2º, CF)”.272

Kazuo Watanabe, em sua multicitada obra sobre o direito do consumidor, assevera que “é preciso evitar que o parquet perca a importância de sua função institucional por eventual vedetismo de qualquer de seus membros, que faça do inquérito civil ou das ações coletivas instrumentos de sua projeção pessoal ou até mesmo de alguma pressão irrazoável ou em virtude ainda da incorreta conceituação dos interesses eminentemente privados, sem qualquer relevância social”.273

Essa visão preocupa na medida em que se verifica um crescente número de ações civis públicas intentadas pelo Ministério Público do Trabalho em busca do restabelecimento das relações de trabalho. Conforme já apresentamos anteriormente, dados apontam expressiva percentagem de 90% das ações coletivas sendo patrocinadas pelo órgão.

A Ação Civil Pública, como recurso previsto no sistema, deve-se adequar ao complexo legislativo vigente e limitar-se às hipóteses de sua adequação, sob pena de substituir as medidas consagradas, como a ação popular ou as ações coletivas propostas pelos sindicatos.

272 Luciano Velasque Rocha, Ações coletivas. O problema da legitimidade para agir, p. 147-148. 273 Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 515.

Nesta linha, encontra-se parte da jurisprudência, representada pela decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, publicada no Boletim AASP 1.978/1992, em que o Desembargador Relator, Sérgio Pitombo, proferiu o seguinte voto:

“Ora, o Ministério Público ostenta clara ilegitimidade, quando pleiteia o que pode vir a ser objeto de ação popular (art. 5º., n. LXXIII, da Constituição da República). Além de que o pedido é tal que, por ele, o autor não pode haver direito. (...) Todos sabem de raiz que a ação civil pública guarda natureza supletiva, mostrando-se como exceção, no sistema. Basta ler-lhe o primeiro mandamento (art. 1º, caput, da Lei 7.347/85). Daí, obrigar a que a interpretação irrompa estreita e típicos seus objeto e finalidade. Não se permite alargar um e outra, sem ferir a taxatividade”.274

Na literatura jurídica trabalhista, Amauri Mascaro Nascimento já alertou que a Ação Civil Pública foi transportada para o sistema trabalhista através do uso subsidiário do Código de Defesa do Consumidor e sua utilização é fundamental para correção de irregularidades. Lembra que “todavia, há questões que não me parecem suficientemente resolvidas. Uma delas é a do seu devido uso legal”.275

Portanto, a defesa dos interesses referentes à relação de emprego deve ser efetivada pela via da ação coletiva em que figure, prioritariamente, o ente representativo do grupo: o sindicato. Não se afirma, com isso, que o Ministério Público esteja sendo alijado da legitimação conquistada pela lei, mas que, para garantir o desenvolvimento da democracia participativa, quer no âmbito político, quer no jurídico e no social, isso só se fará pela prevalência da representação sindical.

A própria legislação contemporânea, que regula a política de desenvolvimento urbano, conhecida como Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), tem restringido a legitimação do Ministério Público para demandas coletivas, como forma de privilegiar os demais legitimados.

274 TJSP, 7ª. Câmara de Direito Público, AI 274.440-1/6, Matão, 18.03.1996.

Assim impõe a Lei 10.257/2001:

“Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

(...)

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II – os possuidores, em estado de composse;

III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

§ 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.” (grifo nosso)

A citada Lei regula, entre outras coisas, a defesa em juízo de interesse de caráter coletivo e de relevância social extrema (uso da propriedade urbana em prol do bem

coletivo), objetos típicos de atuação do parquet. Mesmo assim, o legislador, ao

regulamentar os artigos 182 e 183, da Constituição, o fez excluindo o Ministério Público do rol dos legitimados para a propositura da ação. Contudo, manteve-se como interveniente indispensável, em franca demonstração de que sua principal atividade se encontra na fiscalização da observância da ordem jurídica e não propriamente no polo ativo da demanda.

Essa é a expectativa de uma sociedade que busca maior participação nas decisões sobre seus interesses, deixando de lado o Estado assistencialista para buscar uma ordem mais justa e que privilegie o desenvolvimento.

Ainda é importante observar a ressalva que a doutrina faz com relação a legitimação do Ministério Público para as ações coletivas que objetivam anular a validade de cláusula de acordo ou convenção coletiva, através do que dispõe o inciso IV, do artigo 83, da Lei Complementar 75/93.

Arion Romita pontua sua crítica, no tocante à legislação mencionada, ao afirmar que

“trata-se, contudo, de medida cuja oportunidade se mostra, no mínimo questionável. A Constituição da República estimula a negociação coletiva. Se as partes negociam e celebram acordo para pôr termo à controvérsia coletiva, sua manifestação acorde de vontades ajusta-se ao preceituado pela Constituição, que privilegia as soluções conciliatórias (art. 114). A intervenção do MPT, nesses casos, hostiliza a própria inteireza do pacto normativo entabulado entre os interessados. Cabe lembrar que o instrumento normativo resultante da negociação coletiva gera um paralelograma de forças, cujo equilíbrio se romperá caso alguns de seus preceitos seja afetado: a parte cujo interesse foi atingido dificilmente teria manifestado sua anuência sem a inserção daquela cláusula, cuja supressão se pleiteia”.276

Por fim, vale destacar que o “adequacy of representation” do Direito norte- americano também serve para impedir que interesses privados superem o interesse coletivo em discussão, promovendo defesas inadequadas dos interessados.

Ao defender o uso da ferramenta de lege lata, Ada Pellegrini Grinover lembra que

“Mesmo na atuação do Ministério Público, têm aparecido casos concretos em que os interesses defendidos pelo parquet não coincidem com os

verdadeiros valores sociais da classe cujos interesses ele se diz portador em juízo. Assim, embora seja esta a regra geral, não é raro que alguns membros do Ministério Público, tomados de excessivo zelo, litiguem em juízo como pseudodefensores de uma categoria cujos verdadeiros interesses podem estar em contraste com o pedido”.277