• Nenhum resultado encontrado

A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS DEMANDAS COLETIVAS A partir de agora, o estudo buscará demonstrar a melhor conceituação acerca da

4.4 A legitimação para as ações coletivas é ordinária ou extraordinária?

4.4.5 A teoria da legitimação autônoma

O obstáculo da relação entre a legitimação para agir e a titularidade do direito subjetivo discutido em juízo não pode ser superado.

Nos estudos de Luciano Velasque Rocha, encontra-se uma passagem histórica interessante sobre o que ficou conhecido no Brasil como legitimação autônoma.

O autor afirma que “em uma edição de 1970 do periódico alemão Juristenzeitung, Walter Hadding criou a figura da legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige protzeßführungsrecht) para explicar a legitimidade para agir conferida às associações e ao concorrente pela lei contra a concorrência desleal”.172

Foi com esta denominação – legitimação autônoma para a condição do processo que vozes autorizadas da doutrina brasileira acolheram o instituto que Hadding criara. O objetivo era utilizá-lo na explicação do fenômeno da legitimidade ad causam para a tutela de direitos coletivos ou difusos.173

“Entendemos que a legitimidade ad processum dos entes coletivos para defesa de direitos e interesses metaindividuais é autônoma, no sentido de que se desvincula o direito material do direito processual”.174

Essa posição, que vem sendo muito bem acompanhada por autores respeitados em matéria de direito processual coletivo, defende a o cabimento da legitimação extraordinária (substituição processual) a ser empregada na situação em que um terceiro vai a juízo na defesa de interesses de outrem, na posição clássica deste instituto. Para que isso se realize, é fundamental que a pessoa substituída seja claramente identificável.

172 Luciano Velasque Rocha, Ações coletivas. O problema da legitimidade para agir, p.132. 173 Ibidem, p. 135

Pois bem, nos demais casos de legitimação para interesses de terceiros em que não se identifica o titular, como naqueles de interesses coletivos e difusos, vem se afirmando que não ocorre a substituição processual como concebida no processo civil individual. Seria hipótese de legitimação autônoma para a condução do processo.175

Observa-se que parte da doutrina prefere explicar o fenômeno da legitimação das entidades de classe e do Ministério Público para a defesa de interesses coletivos a partir de categorização diversa. Abandona-se o conceito expresso no artigo 6º, do CPC, ao menos negando sua aplicação quando se trata dessa espécie de interesses.

Além dessas reconhecidas teses sobre a natureza da legitimação em sede de demandas coletivas, existem ainda outras formas que buscam nova classificação da legitimação ad causam para as ações dessa natureza. Para parte da doutrina, a legitimação dos entes coletivos não é ordinária nem extraordinária. Por ser inerente a eles, recebe tratamento diverso dos conceitos limitados ao trato individual do processo. Ficou conhecida como a teoria das partes em razão do cargo, ou Parteien Kraft Amtes.176

Neste sentido, o conceito de sustituzione ufficiosa de Liebman estaria em linha com a definição acima.

Há também a defesa de Donaldo Armelin que reconhece que a legitimação em questão deve ser classificada como direito de conduzir o processo, inovando mais ainda os conceitos até então investigados.177

Outra posição é a defendida por Ephraim de Campos Júnior, no sentido de reconhecer – em especial ao Ministério Público – apenas uma legitimação originária, não admitindo as hipóteses de legitimação extraordinária ou ordinária, ou de qualquer outra

175 Nelson Nery Júnior, O Processo trabalho e os direitos individuais homogêneos – Um estudo sobre a ação civil pública trabalhista, Revista LTr, São Paulo: v.64, n. 2, 2000, p.156 apud Thereza Christina Nahas, Legitimidade ativa dos sindicatos, p..110.

176 Luciano Velasque Rocha, Ações coletivas. O problema da legitimidade para agir, p.151.

177 Donaldo Armelin, em Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 115, analisando o direito alemão, afirma que “realmente, como esclarece Friedrich Lent, a distinção entre legitimidade (Sachelegitimation) e o direito de conduzir o processo (prozessführungsrecht) surge como necessária quando o direito material separa a titularidade do direito material do direito de conduzir o processo, retirando este do titular daquele direito e atribuindo-o a um terceiro” apud Gregório Assagra de Almeida, Direito processual coletivo brasileiro: Um novo ramo do direito processual, p. 500.

natureza, por entender que “agindo por este interesse [coletivo], o qual geralmente só tem esta forma de presentação, o Ministério Público não substitui ninguém, mas simplesmente exerce a função para a qual foi criado. No exercício de sua função, de presentação do interesse coletivo, o Ministério Público não substitui a sociedade, mas apenas exprime o seu interesse.”178

Até aqui, foram identificadas diversas correntes doutrinárias a respeito da legitimidade para as causas coletivas. Podem elas ser enquadradas exemplificativamente, no seguinte plano:

Espécies de legitimação Alguns de seus defensores

Ordinária Octávio B. Magano; Regina M. Dubogras; Vincenzo Vigoriti; JJ

Calmon de Passos; Ada Pellegrini Grinover; José Roberto dos Santos Bedaque; Rodolfo de Camargo Mancuso; Arion Sayão Romita; José Martins Catharino

Extraordinária (para os

individuais homogêneos)

Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery ; Luciano Velasque Rocha

Extraordinária José dos Santos Carvalho Filho; Pedro da Silva Dinamarco;

Cândido Rangel Dinamarco; Hugo de Nigro Mazzilli; Teori Albino Zavascki; José Afonso da Silva

Autônoma Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery; Thereza

Christina Nahas; Carlos Henrique Bezerra Leite Concorrente e disjuntiva Barbosa Moreira179

Representação Arnaldo Sussekind; Valentin Carrion; Antonio Lamarca

Partes em razão do cargo (Parteien Kraft Amtes) ou

sustituzione ufficiosa

Enrico Túlio Liebman, Luciano Velasque Rocha

Direito de conduzir o processo

(Prozessführungsrecht)

Donaldo Armelin

178 Ephraim de Campos Júnior, Substituição processual, São Paulo, Ed. RT, 1985, p. 52, apud Ben-Hur Silveira Claus, Substituição processual trabalhista. Uma elaboração teórica para o instituto, p. 62. 179 Quando os sindicatos figuram nas ações coletivas em nome da categoria, Barbosa Moreira chegou a afirmar tratar-se de substituição processual e não legitimação autônoma. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, no. 61, São Paulo, RT, janeiro/março 1991.

Legitimação originária (presentação)

Ephraim de Campos Júnior

Ousamos ainda apresentar a hipótese pessoal sobre o conceito da legitimação em demandas coletivas, afirmando sua natureza híbrida.

Essa conceituação tem aplicação adequada aos Dissídios Coletivos e não a toda demanda coletiva. Explicamos melhor: É híbrida a natureza da legitimação naquela situação porque o reconhecimento da titularidade dos interesses discutidos em sede de dissídios coletivos em quaisquer de suas espécies (de natureza jurídica, econômica ou de greve) não pode conduzir a outro raciocínio senão ao de que são portadores as pessoas que compõem o grupo que está representado pelo sindicato naquela ação.

Reconhecemos a impossibilidade de individualizar o direito discutido em sede de Dissídio Coletivo. Isso se deve ao fato de a sentença normativa abranger não apenas os integrantes da categoria no momento da distribuição da ação, mas ao longo de seu período de vigência, podendo outros trabalhadores e empregados (no caso em que as partes são compostas por sindicatos em ambos os lados), serem agregados à categoria. Contudo, este reconhecimento não implica na mudança da titularidade do interesse discutido.

Diferentemente da irrespondível pergunta formulada por Cappelletti quando questiona de quem é o ar que respiro?, demonstrando o máximo da indivisibilidade do direito difuso, com os Dissídios Coletivos não ocorre o mesmo. E isso leva a manter a relação de titularidade do direito material quando se tratar de demandas dessa qualidade.

Portanto, é indispensável constatar que o aproveitamento da sentença normativa se dará individualmente, para gozo de cada integrante da categoria. Embora possa não se valer do conteúdo da sentença normativa, ao sindicato serve o resultado da demanda como forma de valoração de sua função, ou até mesmo de item indispensável que justifica a própria existência da entidade sindical, exercendo, assim, o direito-dever de defesa judicial dos interesses da classe, previsto no artigo 8º, III, da Constituição Federal.

Esta conclusão dispara uma certeza, qual seja, há, pelo menos, dois interesses sendo defendidos em sede de dissídios coletivos: o dos trabalhadores e empresas em ver uma norma coletiva sendo produzida ou interpretada (dissídio coletivo de natureza jurídica) e o dos sindicatos em assegurar a existência institucional através do uso da ferramenta processual cuja legitimação para agir é exclusiva dos entes coletivos.

Por outro lado, observa-se muito fortemente nos Dissídios de natureza econômica que a obtenção do direito pretendido só se faz através da ação coletiva, diferentemente das ações reparatórias coletivas em que, independentemente da medida massificada, pode o indivíduo buscar em sua ação singular o direito para si. Com o Dissídio Coletivo de natureza econômica tal situação não ocorre, pois a obtenção de melhores condições de trabalho, salário, etc. só se realiza pela via do Dissídio e pela presença indispensável de seu sindicato, como representante único e legitimado exclusivo para a ação.

Por isso a hibridez caracteriza a legitimação em matéria de Dissídios Coletivos. Há uma relação de absoluta interdependência dos trabalhadores e do sindicato quando buscam, em juízo, o estabelecimento de novas condições de trabalho, como se o direito em questão fosse formado necessariamente por dois titulares.

Essas são as razões que fazem do tema, juntamente com o instituto da coisa julgada, um dos mais atraentes e tormentosos em termos de defesa em juízo dos interesses coletivos.

Capítulo V

A LEGITIMAÇÃO PARA AS AÇÕES COLETIVAS EM MATÉRIA