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A autonomia e a supervisão do Estado

No documento Tese Doutoramento_Romão Andrade_2010 (páginas 63-68)

CAPÍTULO 1 UMA VISÃO DA UNIVERSIDADE DESDE A ÉPOCA MEDIEVAL ATÉ OS

7. A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES

7.3. A autonomia e a supervisão do Estado

Da obra já citada de Gry Neave e Frans Van Vught a história da universidade e a emergência de diversos modelos de autonomia é parte da luta secular e perene da universidade para pertencer a uma República da Erudição de ser parte do universo do saber, em oposição à insistência dos governantes de que se está ao serviço do saber. Também deve servir o princípio ou, pelo menos, que não deve contestar demasiado as suas ordens.

Nas últimas décadas as dificuldades cresceram em torno do controlo pelo Estado devido aos problemas criados pelo mercado, ou melhor, o desenvolvimento do ensino deixou de ser a modernização política e administrativa substituindo-se pouco a pouco pelo sector privado do comércio, indústria, serviços, consumidores particulares não pela comunidade e o Estado deixou de ser o empregador principal dos graduados. Reconhecendo-se que o princípio

120 O princípio da homogeneidade legal implica a reforma simultânea de todo o sistema para vencer a forte

inércia da administração pública centralizada justifica por si a pouca frequência das reformas que eram negociadas entre a oligarquia académica e administração estatal.

de homogeneidade legal dificultava a busca de soluções e privava a capacidade de inovação e de geração de novos conhecimentos duma economia industrial, abandonou-se este modelo em benefício da autonomia às instituições com a supervisão do Estado121.

A figura criada pelo Estado foi a avaliação devido à prestação de contas da universidade perante a sociedade e as necessidades de dinheiro revelaram-se cada vez maiores. A saúde e a segurança social criaram uma situação de ruptura por falta de financiamento. A nova postura governamental é tratada por Gry Neave - The Rise of the

Evaluative State 122.

O efeito da massificação introduziu na universidade uma tensão evidente nas políticas nacionais entre elitismo e desenvolvimento dos recursos humanos. Todos têm acesso à universidade, uma vez que o escrutínio é realizado dentro da universidade, quanto mais alunos entrarem maior é o número dos selecionados. As universidades são organizações pluralistas razão pela qual não consentem critérios de actuação contraditórios, isto é, como professariam a excelência dos modelos e valores e o turbulento e massivo contingente que busca a satisfação do imediato?

Haverá algum conflito cultural mais subtil, entre os longos horizontes temporais da tradição universitária e a cultura da busca frenética a curto prazo deste último tempo designado por sociedade de informação? Caracterizam-se as universidades por uma só forma de organização, pela multiplicidade das missões que lhe são próprias, pela ausência de autoridade absoluta, verdadeiras burocracias profissionais com a sede do poder na sala de aula e no laboratório de investigação, chamando-lhes uma anarquia organizada, sem as tornar ilegítimas, morais ou ineficazes123.

As decisões na universidade resultam de longas discussões e ressaltam dos equilíbrio entre pares e as unidades em que se agrupam - faculdades, departamentos e até disciplinas - onde o reitor, autoridade aglutinadora deve ter a capacidade de buscar consensos e uma habilidade política académica orientando a nave institucional, evitando tensões e conflitos. A pertinência nas pressões actuais dentro da universidade passa pela relevância. A universidade

121 Não sendo possível um controlo detalhado das instituições estudaram-se formas que transferiam para a

universidade as políticas educativas e a sua gestão corrente, passando esta a controlar algumas das variáveis do sistema como: custo por aluno, número de alunos admitidos, taxas de retenção, número de licenciados produzidos e atribuídos às instituições orçamentos envelope . As instituições autorregulavam-se dentro de valores aceitáveis pelo Estado.

122 G. Neave, Efficiency and Enterprise: an overview of, recent trends in higher education in Western Europe,

pp. 7-23.

pela sua dimensão e diversidade de cursos precisa tempo e meios para se transformar e orientar.

Implica a viragem se conciliar conflitos de interesses, alterar o processo de gestão administrativa, pedagógica sem entrar em colapso discutimos, refutando, melhorando, redefinindo todas as actividades, dadas como essenciais, quer académicas quer democráticas124.

O Estado assumiu o encargo de auxiliar a universidade a definir as suas necessidades, e reconciliar tensões a respeito destas necessidades, e fazer com que a Universidade responda eficazmente ao ensino e investigações125.

Esta forma de agir influenciou negativamente o corpo docente da universidade pela afluência de professores que impediam o aumento salarial, restringiu-lhes a importância social, obrigou a um empenho descompensado face ao número crescente de alunos, o seu trabalho era questionado face a uma avaliação de qualidade e pela competitividade das verbas de investigação.

As condições criadas pelas melhorias materiais ciaram situações complicadas na sociedade moderna,

1. Uma desmoralização crescente a um nível pessoal apesar de se conseguirem os cursos. Os problemas emocionais ganham dimensões e afloram em autocrítica, depressões, culpa, inactividade e outros.

2. A estrutura onde nos inserimos é uma organização ou melhor uma escola

invisível uma universidade mas uma norma disciplina.

Os nossos colegas são-nos mais apreciados que os nossos empregadores, simpatizamos e colaboramos com eles.

Está se a proletarizar as profissões académicas e as prerrogativas de classe e posição social esvaem-se à medida que o secundário penetra o universitário como meta.

Os académicos são pouco recompensados pelo mundo materialista actual por o seu privilégio, a sua vocação implica uma austeridade monástica

124 Esta forma tradicional de governar a universidade colide com a ideia de ineficácia e que só é possível

eficiência com intervenções externas, implementadas do topo e retiradas de práticas de gestão e de sistemas de incentivos doutras formas de organização. A universidade que se baseava na qualidade científica e na liberdade académica, passou a ser substituída por a de gestão e eficiência, aumentando as pressões para a adopção de formas empresariais.

125 Os estados democráticos liberais sobrecarregados com encargos sociais arcam com as despesas de todo o

ensino. Atitude esta generadora de pressões entre a limitações de despesas públicas, alimentadas pelas expectativas populares de acesso ao ensino superior com o consequente aumento de estudantes e candidatos frustados.

Os tempos vindouros surgem como mais difíceis para as interiorizações que o estudo requer e o caracter de gratuidade da Universidade perdeu o cariz de amor sciendi e da busca da verdade126.

O conhecimento é uma exigência da sociedade futura, onde o aumento da globalização social é um facto, a universidade tem de enfrentar novos desafios o da contradição entre exigências da sociedade quanto à relevância e o da tradição. A universidade perdeu o seu carácter elitista ligada aos cidadãos mais aptos e à orientação da educação universitária e pouco a pouco se tornou irrelevante . Nunca a universidade viveu do mediato, estava no mundo e não era dele , não partilhando da ideia da relevância mas dum afastamento segundo a universidade, de longe127.

Em Portugal a Lei de Autonomia das Universidades, Lei n.º 108/88 de 24 de

Setembro foi avançada no aspecto financeiro e orçamental, mas pouco feliz noutros domínios como na imposição de órgãos de gestão das unidades orgânicas . Procurou-se um consenso globalmente positivo, mas pouca consistia nas soluções obtidas.

Autonomia universitária embora aproximasse universidade e tutela com o objectivo da melhoria do ensino superior, embora com dificuldades e limites, para a universidade a autonomia não lhe proporcionou os meios de que precisava e o ministério adoptou uma atitude de terra queimada, lançando sobre a universidade a resolução de todos os problemas como represália, reservando para si os investimentos. O tempo alterou esta postura do ministério e oito anos depois as dificuldades são analisadas e as propostas de alterações mais convenientes são adoptadas, apesar da lei ter criado condicionamentos as Universidades Portuguesas obtiveram uma autonomia muito maior que outras congéneres europeias. A lei em parte desconheceu dificuldades da vida universitária e certas disposições não foram

126 Nos primórdios da civilização pós-romana os mosteiros chamaram a si a cultura e as glórias passadas greco-

latinas e ligaram-nas às gerações futuras. A idade caótica em que vivemos tão ou pior que a Idade Média, obriga a universidade a tornar-se torre de marfim, restringindo a sua actividade, aumentando a sua pobreza para ser fiel à sua secular missão - conservar a herança cultural e transmiti-la através dos tempos mais difíceis .

A massificação altera as instituições, desvirtua o ensino alheia-se da qualidade e anula-se a missão principal da universidade que é inculcar nos jovens o amor sciendi pelo carácter desinteressado e busca incessante da verdade. Por isso, deve ser repensada a sua missão, o seu lugar na sociedade, tendo conta a precariedade da mesma: - ao monopolizar um bem escasso o conhecimento; - ao ser querida por uma administração envolvida em valores de mercado pronta a cortar despesas. Do seu pedestal assume o direito de criticar e julgar as deficiências da sociedade e do Estado.

127 É de recordar a instalação da universidade em Coimbra lugar apto para o estudo alheio ao bulício de Lisboa

lugar da corte. O papel da universidade era sub specie aeternitatis , absorvia a mudança numa perspectiva de longo prazo. Hoje, obrigada a atender ao imediato e viver dele sob pena de acusação de elitismo ou irrelevância se mantêm como instituições moldadas ao sabor das necessidades sociais será que passarão a estar no mundo e a ser dele? Caso a universidade abandone o seu ideal multissecular tão necessário à contemporaneidade, quem a substituirá?

acompanhadas por medidas complementares necessárias a uma melhor flexibilidade de

gestão 128, e ainda se esvaziou o conteúdo desta lei.

À universidade não foi possível usar a capacidade prevista no n.º 1 do art.º 60º da lei da autonomia universitária de livremente definirem, programarem e executaram a investigação, claramente disposto na L.A.U., por isso é necessário definir uma política científica universitária a nível nacional.

Em 1991 o ministério desresponsabilizou-se do financiamento da investigação científica, atitude negativa para o exercício responsável da autonomia científica.

A introdução, no orçamento das universidades uma verba despesas de investigação calculada pela fórmula de financiamento é positivo mas pouco significativo.

A legislação limita as autonomias administrativas e financeiras como se lê art.º 8º:

as universidades exercem a autonomia administrativa no quadro da legislação geral aplicável e estão dispensadas do visto prévio do Tribunal de Contas, excepto nos casos de recrutamento de pessoal com vínculo à função pública e, no âmbito da autonomia

financeira, as universidades dispõem do seu património, sem outras limitações além das estabelecidas por lei, geram livremente as verbas anuais que lhes são atribuídas nos orçamentos do Estado, (...) têm capacidade para obter receitas próprias a gerir anualmente através de orçamentos privativos conforme critérios por si estabelecidos (...) . A prática diária desmente o sobredito. A lei geral tem servido para justificar significativas amputações ao espírito da lei n.º 108/88. Os patrimónios da universidade nunca lhe foram atribuídos violando o n.º 1 do art.º 10º; nunca foi possível a transferência de verbas nem a nível pessoal ou verbas de financiamento e o que interessava era diminuir as despesas com pessoal129.

Criaram-se cursos, às vezes, sem condições e pretende-se que a lei retire a liberdade de criar cursos às universidades e querem-se medidas que moralizem o sistema através de legislação própria e incentive a coordenação130.

128 Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Repensar o ensino superior II, p. 12

129 A universidade nunca pôde administrar verbas próprias de acordo com critérios definidos. Ainda não se

clarificou a autonomia disciplinar não se sabe bem os limites de penas a aplicar o que depende do Reitor e do Senado. Em matéria de autonomia pedagógica, esta revelou-se uma fonte de libertação das universidades em relação ao modo como a tutela era exercida antes. A proliferação de cursos semelhantes conduziu à confusão indesejável e não existe coordenação a nível nacional, ao mesmo tempo que o Estado tem adiado a definição para o subsistema do Ensino Superior.

8. OS MODELOS ACTUAIS DE UNIVERSIDADES E SUA GÉNESE

No documento Tese Doutoramento_Romão Andrade_2010 (páginas 63-68)