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A autonomia da tradução como forma: Schleiermacher, Walter Benjamin e um

Já na primeira metade do século XX, Walter Benjamin, em seu complexo ensaio “A tarefa do tradutor”, parte de uma premissa algo desconcertante, se comparada a certo pensamento sobre a tradução, que vigorou entre vários dos estudiosos já comentados neste trabalho. O filósofo alemão abre seu ensaio dissociando da existência das obras de arte o propósito de comunicar algo àqueles que as apreendem. Para Benjamin, “[…] a arte pressupõe a essência corporal e espiritual do homem; mas, em nenhuma de suas obras, pressupõe sua atenção” (BENJAMIN, 2010: 203, grifo meu). Em outras palavras, as criações artísticas, ainda que usualmente se submetam à curiosidade, ao escrutínio e ao esforço interpretativo do homem, não seriam produzidas com o propósito de dizer-nos aquilo que delas podemos efetivamente retirar, como fruto de nossa vontade de atribuir sentido a nossas experiências. Da ideia de que uma dimensão comunicativa não é algo constitutivo da obra de arte em geral – para Benjamin, “Nenhum poema dirige-se, pois, ao leitor, nenhum quadro, ao espectador, nenhuma sinfonia, aos ouvintes.” (BENJAMIN, 2010: 203) – resulta como corolário, no pensamento do autor, que tampouco a tradução deva ter a comunicação do conteúdo da obra original como seu real objetivo. Daí a conhecida definição benjaminiana da má tradução como “uma transmissão inexata de um conteúdo inessencial” (BENJAMIN, 2010: 205), entendendo-se o essencial, por oposição, como aquilo que, numa obra, ultrapassa a comunicação, aquilo a que podemos chamar o poético.

A partir da perspectiva benjaminiana, a tradução é, tal qual seu original, considerada como uma forma. A sua apreensão como forma, contudo, demanda que se retorne ao seu original, tido como o lugar por excelência donde deriva a lei dessa forma específica que é a tradução, lei que seria apreensível no que Benjamin chama de a traduzibilidade contida na obra original. A traduzibilidade, por sua vez, é conceituada pelo filósofo como “uma propriedade essencial de certas obras — o que não quer dizer que a tradução seja essencial para elas, mas que uma determinada significação contida nos originais se exprime em sua traduzibilidade” (BENJAMIN, 2010: 207). O que a definição benjaminiana parece implicar, penso, é que uma obra literária tem sua significação ampliada pelas traduções que dela podem fazer-se; que uma

obra literária, embora concluída por seu autor, tem significados essencialmente provisórios, seja porque está sujeita a mudanças ao longo de sua “pervivência”, seja porque uma parte de seu poder significativo não reside em si mesma enquanto construção de determinada língua e tempo – ou reside apenas como potência –, mas só pode expressar-se nas traduções. A tradução, enfim, transportaria a obra original a um patamar mais alto no que concerne a sua capacidade de significar.

Nesse sentido, na medida em que a traduzibilidade é uma propriedade essencial de certas obras, Benjamin enxerga original e tradução como instâncias conectadas por uma relação próxima e vital, cuja finalidade seria “expressar o mais íntimo relacionamento das línguas entre si” (BENJAMIN, 2010: 209). Esse relacionamento íntimo, porém, não estaria imediatamente associado à proximidade entre determinadas línguas no que diz respeito a sua origem, senão ao fato de que, na perspectiva do autor, “as línguas não são estranhas umas às outras, sendo a priori – e abstraindo de todas as ligações históricas – afins naquilo que querem dizer.” (BENJAMIN, 2010: 209). Mas se tal afinidade não se expressaria por meio das ligações históricas entre as línguas, tampouco se pode ingenuamente crer que ela seria expressa pela correspondência exata com a forma e o sentido da obra original, a despeito da intensidade com que se a busque numa tradução (descontando-se ainda o fato de que, até onde sabia Benjamin quando escreveu – e até onde hoje nós sabemos – a teoria da tradução ainda não pôde apontar, sem controvérsias, qual é o caminho por onde se chega a essa exatidão). Se a semelhança entre duas obras – a original e sua tradução – não é, para Benjamin, a medida a partir da qual se evidencia aquela íntima relação entre as línguas, o autor, então, propõe qual seria o ponto revelador dessa afinidade interlinguística que, como defende, a tradução revelaria. Cito as palavras de Benjamin:

Onde se deveria buscar a afinidade entre duas línguas, abstraindo-se de um parentesco histórico? Certamente não na semelhança entre obras poéticas, nem tampouco na semelhança entre suas palavras. Toda afinidade supra-histórica entre as línguas repousa no fato de que, em cada uma delas, tomada como um todo, uma só e a mesma coisa é visada; algo que, no entanto, não pode ser alcançado por nenhuma delas, isoladamente, mas somente na totalidade de suas intenções reciprocamente complementares: a pura língua ou linguagem [Sprache]. Pois enquanto todos os elementos isolados — as palavras, frases, nexos sintáticos — das línguas estrangeiras se excluem, essas línguas se complementam em suas intenções mesmas (BENJAMIN, 2010: 213).

A partir delas, vemos que, no fim das contas, não é uma tarefa fácil compreender a maneira como Benjamin entende a revelação dessa afinidade entre as línguas, principalmente porque o resultado dessa “totalidade de suas intenções reciprocamente complementares”, ou seja, “a

pura língua ou linguagem”, nos é algo bastante pouco tangível ou transparente. Assim sendo,

apoiando-me novamente na validade do esforço interpretativo – e arriscando que este seja errôneo –, sem o qual pouco ou nada se faz numa pesquisa em letras, ensaio e enuncio uma compreensão, por parcial e insuficiente que seja, da maneira como se manifestaria tal afinidade, tentando o mais possível desvinculá-la de uma perspectiva metafísica que apenas com dificuldade parece comunicar-se.

Após o trecho a que acabo de referir-me, Benjamin prossegue estabelecendo a distinção, entre as línguas, no que diz respeito àquilo que elas visam e a seu “modo de visar40”. O filósofo

exemplifica essa distinção a partir das palavras “Brot” e “pain”, com as quais se diz “pão” em alemão e em francês, respectivamente, explicando que, enquanto ambas denotam o mesmo elemento visado, possuem modos de visar distintos e, na perspectiva dos falantes de cada uma dessas línguas, mutuamente excludentes. Para Benjamin, porém, essa oposição entre as palavras em seu modo de visar gera uma complementaridade entre as duas línguas. Nas palavras do autor: “De tal forma, o modo de visar nessas duas palavras se opõe, ao passo que ele se complementa nas duas línguas às quais elas pertencem. E o que se complementa nelas é o modo de visar convergindo para o que é visado.” (BENJAMIN, 2010: 213). Mas se essa complementaridade entre as línguas ocorre na medida em que distintos modos de visar convergem para um só objeto visado – com o que talvez se pudesse exemplificar a premissa benjaminiana de que todas as línguas são afins naquilo que querem dizer –, o problema da tradução não estaria, então, reduzido a uma operação de análise e seleção vocabular, de maneira que se elencasse, entre duas línguas distintas, aquelas palavras cujos modos de visar, embora diferentes, convergissem para um mesmo objeto visado? Em outras palavras, o problema da tradução não seria reduzido ao simples encontro de correspondências semânticas entre as línguas, tal como, semanticamente, as palavras “pão”, “Brot” e “pain” são correspondentes naquilo que denotam? Mas, embora esse raciocínio não me pareça disparatado na tentativa de compreender o modo como, para Benjamin, se efetiva essa complementaridade, ele vai contra a maneira como o filósofo pretende dissociar da tradução a relevância de um propósito comunicativo, ou seja, da simples correspondência entre significados. Neste ponto, parece-me ser possível e conveniente aproximar as ideias de Benjamin das de Schleiermacher, resgatando a distinção feita por este entre as atividades do

40 “Visar”, “visado” e “modo de visar” são as expressões usadas pela tradutora no texto publicado pela segunda edição do volume 1 da coleção Clássicos da teoria da tradução. Em tradução anterior (BENJAMIN, 2008), Susana Kampff Lages empregara “designar”, “designado” e “modo de designar”, palavras que, a despeito de eu não ter nada a dizer sobre a maior ou menor acuidade com que traduziriam seus termos correspondentes em alemão, pareciam-me melhores em relação ao sentido que carregam em português.

intérprete e do tradutor genuíno, entre a tradução circunscrita ao mundo dos negócios e a tradução no âmbito mais elevado da ciência e da arte. Ao fazer essa distinção, lembremo-nos, Schleiermacher, delimitando a especificidade da tradução na ciência e na arte, trabalha com aquele raciocínio hipotético a respeito de uma correspondência integral entre as palavras de duas línguas quaisquer, da qual resultaria que a tradução, no domínio da arte e da ciência, seria tão mecânica quanto a tradução da esfera dos negócios41. Entretanto, a relação entre as

diferentes línguas é perpassada por aquilo que Schleiermacher define como uma “irracionalidade”, ou seja, precisamente a impossibilidade dessa correspondência absoluta que, tornando-a mecânica, resolveria todos os problemas da tradução na ciência e na arte. Assim, na medida em que, entre duas línguas, cada palavra de uma não corresponde exatamente a uma de outra, não expressa os mesmos conceitos com as mesmas extensões etc., o problema da tradução na arte não pode ser resolvido apenas pela correspondência mais ou menos acurada entre os significados das palavras de duas línguas quaisquer.

Não se trata, portanto, de uma simples fidelidade em relação ao sentido a partir da busca pela correspondência semântica entre as palavras. Recuperando Benjamin, é assim também que o filósofo parece oferecer-nos condições de responder os questionamentos que fiz acima a respeito da complementaridade entre as línguas na convergência do modo de visar para aquilo que é visado. Ao abordar a antiga e tão debatida dicotomia fidelidade e liberdade na tradução, Benjamin refere-se ao fato de que a fidelidade na tradução de cada palavra isolada não é suficiente para a reprodução total do sentido da obra original, precisamente porque, “segundo sua significação literária para o original, o sentido não se esgota no visado; ele adquire essa significação precisamente pela maneira como o visado se liga, em cada palavra específica, ao modo de visar.” (BENJAMIN, 2010: 221). Isso implica que, tal como na perspectiva de Schleiermacher a arte eleva a língua a patamares mais complexos de significação, acirrando aquela “irracionalidade” entre as línguas – ou seja, pondo em xeque a suficiência das correspondências semânticas que existe na tradução comercial –, para Benjamin igualmente a literatura desestabiliza a relação entre os objetos visados e seus modos de visar, uma vez que, nesse domínio, o que o modo de visar denota frequentemente ultrapassa o objeto visado, em virtude de as palavras carregarem consigo uma “tonalidade afetiva” (BENJAMIN, 2010: 221). Dessa forma, a complementaridade e a afinidade entre as línguas, no que diz respeito à

41 Recuperando o trecho: “se nas duas línguas cada palavra de uma correspondesse exatamente a uma palavra da outra, expressando os mesmos conceitos com as mesmas extensões; se suas flexões representassem as mesmas relações, e seus modos de articulação coincidissem, de tal modo que as línguas fossem diferentes apenas para o ouvido; então, também no domínio da arte e da ciência, toda tradução [...] seria também puramente mecânica como na vida comercial; […].” (SCHLEIERMACHER, 2010: 45; 47)

relação de uma obra literária com sua tradução, não poderia se manifestar apenas na busca do tradutor por, com os modos de visar característicos de sua língua, referir-se aos mesmos objetos visados pelas palavras da obra original, já que essa relação entre modo de visar e objeto visado na obra original não é completamente transparente, na medida em que ela não é simplesmente comunicação. Em outras palavras, ao ter o simples estabelecimento de correspondências semânticas entre as línguas como padrão a partir do qual orienta uma tradução, o tradutor perderia, muitas vezes, justamente essa “tonalidade afetiva” das palavras, ou seja, perderia aquilo que ultrapassa, no processo de significação de uma obra, a relação entre um modo de visar e um objeto visado.

E qual haveria de ser, então, a maneira como, em uma tradução, se põe em relevo essa afinidade, se atinge essa complementaridade entre as línguas? A despeito da dificuldade que podemos ter em alcançar com o entendimento aquilo a que Benjamin efetivamente refere-se ao falar numa “pura língua”, é oportuno que olhemos para a forma como o filósofo, enfim, concebe qual deva ser “a tarefa do tradutor”: “A tarefa do tradutor é redimir na própria a pura língua, exilada na estrangeira, liberar a língua do cativeiro da obra por meio da recriação [Umdichtung]” (BENJAMIN, 2010: 225). E para que ele esteja a altura do desafio que sua tarefa lhe impõe, Benjamin entende que o tradutor deve ressignificar aquela relação entre fidelidade e liberdade que a teoria tradicional da tradução lhe ensinou, o que implicaria o abandono da necessidade de restituir, na língua da tradução, o sentido da obra original, deixando de lado, portanto, aquilo que, na obra, restringe-se à comunicação. Para alcançar essa “redenção da pura língua” na própria língua, o tradutor deveria assumir um novo tipo de fidelidade, expresso numa literalidade que, não podendo mais ser entendida como a conservação do sentido do original, procuraria seguir o mais de perto possível a sintaxe do original, procedimento com o qual, para o autor, se destruiria a dimensão comunicativa da tradução, submetendo-a ao risco da ininteligibilidade. O inspirado e conhecido símile com o qual Benjamin representa a relação a partir da qual se deve compreender essa nova forma de literalidade pode auxiliar-nos na compreensão daquilo que o filósofo pretende ao afirmar a existência de uma relação tão íntima entre as línguas, a qual competiria à tradução revelar. Vejamos:

Da mesma forma como os cacos de um vaso, para serem recompostos, devem seguir-se uns aos outros nos mínimos detalhes, mas sem serem iguais, a tradução deve, ao invés de procurar assemelhar-se ao sentido do original, conformar-se cuidadosamente, e nos mínimos detalhes, em sua própria língua, ao modo de visar do original, fazendo com que ambos sejam reconhecidos como fragmentos de uma língua maior, como cacos são fragmentos de um vaso (BENJAMIN, 2010: 221).

Mais do que a correspondência entre os objetos visados, portanto, com o que se poderia chegar a uma semelhança do sentido entre original e tradução, esta deve procurar alinhar-se ao modo de visar do original, para que ambas as línguas, afins em sua natureza mas não por isso idênticas, possam mostrar-se como parte de uma “língua maior” – a “pura língua”. Se, como se viu, Benjamin concebe as palavras de cada língua como distintas em seu modo de visar, essa conformação da língua em que se traduz ao modo de visar da língua da obra original implica sem dúvida que se procure, com a língua de chegada, lançar luz sobre as estruturas da língua de partida, em vez de obscurecê-las, naturalizando-as em nome da restituição do sentido da obra original. Aqui novamente a concepção de Benjamin sobre a tradução aproxima-se daquela defendida por Schleiermacher, já que, para este, o mais bem acabado método de tradução deveria buscar conscientemente revelar, na estrutura mesma da língua materna do tradutor, o fato de que aquilo que nela se veicula concebeu-se a partir de uma forma de imaginação e criação que lhe é estranha42. Essa aproximação é ainda reforçada

por duas passagens do texto de Benjamin. Na primeira delas, o filósofo, ao advogar pela abstração do sentido do original na tradução – o que constituiria aquela literalidade posta sob uma nova perspectiva –, nos diz que “o maior elogio a uma tradução, sobretudo na época de seu aparecimento, não é poder ser lida como se fosse um original em sua língua.” (BENJAMIN, 2010: 221; 223). A segunda das passagens verifica-se quando Benjamin ressignifica também a noção de liberdade cristalizada na teoria da tradução, afirmando que, ao seguir aquela literalidade em relação à sintaxe, ao procurar conformar-se ao modo de visar do original, a liberdade do tradutor é posta também sob outra perspectiva, não se tratando mais de uma liberdade em relação às palavras ou à sua forma de arranjo e disposição43 no original,

em nome de uma reprodução acurada de seu sentido, mas precisamente do contrário: a liberdade na tradução, para Benjamin, é a emancipação do tradutor em relação à própria tarefa de restituição do sentido. No momento, pois, em que define em tais termos a liberdade, Benjamin cita uma passagem de Rudolf Pannwitz, na qual acredita que o verdadeiro significado dessa liberdade tenha sido caracterizado. Eis como:

Nossas traduções (Übertragungen), mesmo as melhores, partem de um falso princípio. Elas querem germanizar o sânscrito, o grego, o inglês, em vez de 42 Isso tendo em vista aquela relação de determinação mútua da qual, para Schleiermacher, resultam as grandes obras da arte e da ciência e cuja apreensão seria necessária para compreendê-las, no sentido mais forte da palavra. Ou seja, uma relação em que a língua assenhora-se dos usos que dela faz o falante, mesmo de sua maneira de imaginar, ao passo que o falante é também capaz de agir na língua, ampliando-lhe as fronteiras. 43 E aqui é bom lembrarmo-nos de que, como já vimos neste trabalho, tanto a tradução palavra por palavra, quanto uma tradução mais comprometida com o arranjo sintático da obra original já foram vistas, ao longo da história da tradução, como expoentes da servilidade do tradutor em relação ao original, ou seja, do não exercício daquela liberdade que se via como salutar, contato que o sentido do autor se preservasse.

sanscritizar, helenizar, anglicanizar o alemão. Elas têm muito [mais] respeito (Ehrfurcht) pelos usos de sua própria língua do que pelo espírito da obra estrangeira. [...] O erro fundamental do tradutor (Übertragenden) é conservar o estado contingente de sua própria língua em vez de deixá-la mover-se violentamente através da língua estrangeira. Sobretudo quando se traduz de uma língua muito distanciada, é preciso remontar até os últimos elementos da própria linguagem, até esse fundo onde palavra, imagem e som se interpenetram. É preciso ampliar e aprofundar sua própria língua graças à língua estrangeira. Ninguém sabe até que ponto isso é possível, até que ponto uma língua pode transformar-se, considerando que uma língua se distingue de outra quase como um dialeto se distingue de outro. Essa distinção, contudo, se perde quando se toma a língua de maneira leviana, e não quando se lhe toma com a devida seriedade (PANNWITZ, apud BENJAMIN, 2008: 64)44

Nota-se a convergência entre o pensamento de Pannwitz e de Benjamin precisamente no que diz respeito à afinidade entre as línguas, já que o primeiro crê que elas, tomadas “com a devida seriedade” – que poderia ser mesmo a abordagem filosófica de Benjamin –, não sejam tão diferentes umas das outras quanto o são entre si os dialetos. Destaque-se também que Pannwitz parece ver como a grande potência da tradução a possibilidade de expansão dos limites da língua materna do tradutor, uma vez que este deixe-a “mover-se violentamente atrás da língua estrangeira” (concepção de tradução igualmente próxima àquela exposta no ensaio de Schleiermacher). Quando comparamos as ideias de Pannwitz com o modo como Benjamin entende a tarefa do tradutor – “redimir na própria a pura língua, exilada na estrangeira, liberar a língua do cativeiro da obra por meio da recriação” –, talvez possamos nos aproximar um pouco mais de uma compreensão do que seria essa pura língua de que o filósofo nos fala. Pois, após enunciar essa tarefa, Benjamin afirma que: “Em nome da pura língua, o tradutor rompe as barreiras apodrecidas da sua própria língua: Lutero, Voss, Hölderlin, George ampliaram as fronteiras do alemão.” (BENJAMIN, 2010: 225). Ora, se o alcance dessa pura língua promoveria a ruptura de barreiras da língua materna do tradutor e se Benjamin exemplifica esse processo citando precisamente alguns dos tradutores que expressaram, em suas obras, a maneira como submeteram sua própria língua ao influxo da estrangeira (tal qual propõem Pannwitz e Schleiermacher), a pura língua benjaminiana expressaria esse estado de comunhão entre todas as línguas na medida em que estas pudessem interpenetrar-se de maneira que uma já significasse por meio do modo de visar de outra. Nessa perspectiva, reitera-se, as línguas não seriam afins pela capacidade de visar, de maneiras distintas, coisas correspondentes, mas porque poderiam, ao contrário, aparentar-se de forma tão íntima no

44 Suzana Kampff Lages, cuja tradução do texto de Benjamin publicada em 2010 venho seguindo, indica em

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