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6.5 Possibilidades práticas de intervenção junto às queixas escolares a partir das entrevistas

6.5.2 Apresentando o serviço particular

6.5.2.1 A avaliação

Com relação ao processo avaliativo, entendemos a abordagem qualitativa como aquela que privilegia o saber de quem está sendo avaliado, respeitando seus interesses e necessidades e considerando as suas vivências. A compreensão da queixa como multideterminada gera condição para a avaliação, a escuta e a interlocução com todos os envolvidos, sendo o diálogo com o professor, a observação em sala de aula e a análise dos materiais escolares um conjunto de ações essencial para a construção de informações sobre o problema vivido no processo de escolarização.

O processo de avaliação da psicóloga particular compreende as seguintes etapas, e, sem necessariamente ter que seguir uma única ordem, pode ser realizado em até seis sessões:

1) Motivo da consulta: encontro com os pais, realizado sem a presença da criança, para exposição do motivo da procura pelo atendimento, após o encaminhamento da escola e contato prévio por telefone.

2) Histórico da criança: segundo momento, em que se levanta o histórico da vida da criança, incluindo questões de saúde, de relações interpessoais, bem como a sua história escolar. Neste momento, a investigação sobre o histórico da queixa possibilita a contextualização das condições em que a mesma surgiu. A psicóloga explica:

É o momento de investigar a história da vida deles, do conjunto (...) esses de uma anamnese tradicional, aspectos do desenvolvimento, aspectos da questão da saúde também. O que acho que eu coloco a mais é que nesse histórico, quando é alguém que tem a aprender, eu gasto um tempo perguntando como a mãe acha que o filho aprende, que experiências ela vê que ele aprendeu muito, e neste histórico ela conta casos de aprendizagem do filho, né?... (...) Pra ver se há um reconhecimento de que tem uma pessoa que aprende e aprende o quê...

Frente à queixa de problemas no aprendizado, a avaliação feita por esta psicóloga visa observar experiências de aprendizado, e, principalmente, verificar se a criança é reconhecida em sua capacidade de aprender.

3) Avaliação com a criança: investiga-se a construção do raciocínio lógico- matemático, o conceito de número, o desenvolvimento da leitura e escrita por meio de jogos, provas de lógica, dentre outros.

Martinez (2005) afirma que, ao se conceber a aprendizagem escolar como uma função que o sujeito exerce no espaço da sala de aula, a partir de relações que nele se estabelecem e das configurações de sentido produzidas nesse espaço, onde estão presentes as configurações de sentido na história de vida da criança, o olhar perante a “dificuldade” deve abarcar todo este contexto. A compreensão das dificuldades de aprendizagem na sua complexidade constitutiva demanda um tipo de avaliação ou de diagnóstico que se constitui mais como pesquisa-ação do que como rotulação. Destacamos na sequência como cada um destes aspectos é avaliado pela psicóloga particular:

– Sessões de escrita, produção de texto sem desenho:

Geralmente uso prancha ou imagens que ela dê possibilidades de projeção, que apareça coisas bem internas da pessoa. Eu uso várias imagens que dão esta possibilidade, às vezes uma casa, com uma certa neutralidade, mas nessa mesma casa pode aparecer quem ache que ela é abandonada, quem ache que ela é cheia de gente... Na verdade, poderia ser qualquer uma outra, um outro teste, mas eu uso imagens assim pra fazer uma produção de escrita. A escrita é uma produção de texto, uma construção de uma história, e às vezes as crianças que estão mais retraídas eu tenho que ajudar no começo, então: “certa vez..”, eu começo assim e a criança vai dando sequência. Como é que eu entro em contato com a escrita? A partir de uma imagem que eu ofereço com a produção de uma narrativa. Então essa é minha proposta de avaliação da escrita. Em outro momento, também da escrita, quando eu

quero ver que esse texto é um texto que você tem que deixar rolar, todas as questões, os rolos que dão de sequência, eu não posso estar fazendo confusão de sequência, do ponto de vista da lógica, com a sequência do ponto de vista emocional, então nessa atividade eu deixo a coisa rolar. Quando tenho dúvida que ta muito embolado no ponto de vista da coesão, da coerência, do texto, se é um trabalho de projeção, se é dificuldade pelo assunto, pelo tema que saiu, eu costumo apresentar uma sequência de fatos, às vezes uma sequência de tirinhas, pra que a criança faça uma narrativa daquela sequência... Então, o rolo é porque o assunto que saiu no tema já mobilizava ou a criança tem dificuldade em uma sequência temporal?

– Leitura:

Aí, feito esta questão eu coloco leitura, um livrinho que eu escolho, alguns também que sempre tenho uma coleção, tem umas que interessam a essa questão de aprender, como “Nascer sabendo”, “Catador de pensamentos”, tem alguns que eles por si só, eles têm o conteúdo que já dá força pra conversa, pra criança ir se identificando, falando disto, sabe? Então procuro também histórias que elas possam mobilizar o conteúdo, pra que possam conversar.

– Construção de número:

Com esse olhar faço as provas com números, contagens, contar objetos, agrupar, compreender a questão de números de crianças, claro que não vou colocar isso pra uma criança menor, mas olhar se os meninos de 9, 10 anos compreendem o valor posicional, quantas bolinhas tem em tal parte, que são teorias que a Emília Ferreiro montou, e assim como na escrita, no número também existe hipótese de como isso vai ser construído e as crianças passam por isso. E nos meninos menores eu também analiso qual a hipótese que eles estão. E com algumas crianças, eu até conto em que lugar ela está, como se fosse uma escadinha. (...) Além disso, essas provas assim

mesmo, de inclusão, seriação, essas tradicionais que estão aí em livros de Piaget, e às vezes temos que colocar uma prova específica.

4) Contato com a escola: a psicóloga vai à escola durante a avaliação, para obter informações, e no final para uma devolutiva com aspectos percebidos sobre a criança, seu modo de aprender e o envolvimento da instituição, construindo junto com a equipe educacional propostas de intervenção pedagógica. Ressalta-se, mais uma vez, a importância do psicólogo junto aos professores para ajudá-los a compreender “como a criança pensa”, e consequentemente, como adaptar o ensino a sua capacidade de pensar.

5) Devolutiva com a família: caracteriza-se por “uma devolutiva baseada no que

eles trouxeram, qual era a necessidade, e volto pra eles com base na primeira conversa,

com algumas orientações”. Neste momento há também o diálogo horizontal,

instrumentalizando os pais para lidarem com as necessidades e possibilidades de aprender de seu filho.

6) Devolutiva com a criança: ao longo dos encontros com a criança, bem como ao final da avaliação, a psicóloga dá retornos sobre o desenvolvimento da criança:

Porque todo mundo que vem e não aprende, então na hora que ele aprende, é preciso que você reconheça ele como quem aprende, elogiando, dizendo que tá bacana. Eu localizo a criança, em que lugar que ela está na escrita, e você vai localizando a sofisticação de um menino mais velho sobre como ele escreve, uso de muito adjetivo, muita conjunção, e vai localizando e vendo pra onde poderia ir... Às vezes, durante a própria avaliação você dá isto, e quando finaliza eu aviso que conversei com os pais, a criança vai dando dicas se ela quer ficar.

Esta prática considera o papel ativo da criança em sua relação com o conhecimento, pois, refletindo com ela sobre seu processo de aprendizagem, contribui para sua autoconfiança e autonomia.