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6.4 O atendimento psicológico da queixa escolar: bastidores e repercussões

6.4.5 Leituras que embasam o trabalho

Segundo Maluf (2005), as dificuldades de aprendizagem estão inseridas em um complexo conjunto de fatores individuais, escolares e familiares, sendo o psicólogo escolar o profissional competente para enfrentá-los de modo integrado. Para tanto, sua formação deve

contemplar os conhecimentos que sustentem seu olhar clínico e, ao mesmo tempo, estejam voltados para as questões educacionais e sociais. Assim, perguntando para as psicólogas entrevistadas quais conhecimentos utilizam em sua prática, percebe-se, mais uma vez, que também são relacionados ao que se propõem em seus consultórios. Por exemplo, a psicóloga do serviço público não atende apenas crianças com queixas escolares o que a leva a ter um entendimento de que não é preciso adquirir conhecimentos específicos relacionados a estes aspectos, optando por uma formação eclética, como podemos ler abaixo:

Ah! Muitas coisas, né? Assim, eu uso de abordagens da psicologia e eu gosto muito do construtivismo, de repensar junto com os pais, de ter ideia, mas, assim, não no sentido... não tão aberto assim, no seu tempo, no seu momento, mas mais no sentido de construir mesmo. Saber dizer a respeito ali de como lidar com a criança.

(...)

Mas a gente também utiliza práticas energéticas, né? De chácaras, essas coisas assim, até orientação de cromoterapia também. De alimentação, orientação ayurvédica. Então a gente faz assim, totalmente transdisciplinar (...) a gente vê o ser integral, então a gente foca bem transdiciplinarmente.

Vale destacar que o foco transdisciplinar ressaltado pela psicóloga se fundamenta, principalmente, em sua prática com o grupo de crianças, no qual trabalha juntamente com uma terapeuta ocupacional, e, apesar de se apresentar com leituras tão diversificadas, inclusive com práticas que vão além da psicologia, vemos que não há um corpo sólido de conhecimentos coerentes em Psicologia Escolar para nortear a atuação desta profissional.

Já a formação da psicóloga particular, considerando que seus atendimentos são especificamente da demanda escolar, inclui os conhecimentos relativos à escola:

Acho que para ter um trabalho psicopedagógico você tem que... eu ajuntaria psicólogo e professor. Eu acho que você teria que dar conta dessas duas coisas. (...) Então a minha experiência pessoal me ajudou muito, porque eu sou psicóloga e

também sou professora. Então eu estou nos dois campos. Pude lidar com muitos problemas desses que eu atendo dentro do consultório, dentro da sala de aula.

O que se apresenta aqui é uma formação combinada com uma prática que a ajudaram a se aproximar das questões escolares no consultório. A psicóloga destaca, em outras palavras, que o conhecimento em psicologia, aliado aos conhecimentos pedagógicos contribuem favoravelmente no atendimento de crianças encaminhadas pela escola.

Ainda com o objetivo de pesquisar sobre a formação do psicólogo frente às demandas escolares, perguntamos quais conhecimentos as psicólogas julgavam necessários para o atendimento da queixa escolar. A psicóloga do serviço público diz:

Eu penso que em todas as áreas, não só na psicologia, mas é preciso, a gente tem que estar sempre atento, né? Conhecimentos ligados ao desenvolvimento, à comunidade também, questões familiares. (...) Distúrbios de aprendizagem, essas coisas assim, mas também conhecimentos de prática, do lidar ali com a criança. Então a gente tem que estar sempre atualizado. Precisa buscar esses outros conhecimentos que a gente trouxe para você, que a gente busca conhecimentos em práticas alternativas, então buscar tudo que pode favorecer o desenvolvimento humano.

Sua fala destaca, de fato, conhecimentos imprescindíveis, como Desenvolvimento Humano, Psicologia Comunitária e Social, além de teorias que discorrem sobre o papel da família na constituição do sujeito. Entretanto, deve-se atentar para os riscos decorrentes de diversidades teóricas que nem sempre são compatíveis na compreensão do fenômeno educacional, decorrendo daí uma análise superficial e um trabalho cujos resultados podem ser insatisfatórios.

A psicóloga particular, no entanto, consegue situar melhor os teóricos que julga importantes para a condução do seu trabalho, bem como os conhecimentos específicos que fundamentam o atendimento de crianças com queixa escolar:

Acho que Freud, alguns psicanalistas, as pessoas que estudaram sobre o desenvolvimento infantil, não é fácil de compreender, e na pedagogia tem Piaget, Constance Kamii (...) que vai discutir a questão da inteligência, como se aprende, a modalidade da aprendizagem... por assimilação, acomodação, e esse modo de aprender não está desvinculado, porque se desenvolve um modo de aprender, porque na tua vida você tem a história de um ambiente que te ajuda a acomodar, as suas experiências, isso não vem na genética, e um tanto tem a ver com as experiências de aprender que você teve. Agora, se formos falar especificamente de um psicopedagogo, ele tem que entender a matemática, valor posicional, ele tem que entender questões específicas, porque elas vão aparecer, quando o menino não está entendo o conteúdo, está indo mal na escola, você precisa lidar com o objeto, então o psicopedagogo precisa entender daquele assunto, pensando nas estruturas de inteligência que são necessárias pra desenvolver aquilo, e ele precisa estar conectado às estruturas que estão ligadas ali, entender a dificuldade da criança, se ela sabe ou não incluir, entender que as letras formam as palavras, e tudo tem uma lógica de funcionamento e ele precisa compreender o que está envolvido naquilo pra você mexer com estas estruturas (...) tem que ter conhecimento, não basta conhecimento do desenvolvimento emocional, porque você atua sobre o que tá segurando e ficou pra trás o tanto que precisasse intervir. Então, ele precisa estar nestes dois cantos, ele pode até resolver a questão, e ele precisa entender isso na época certa, o psicopedagogo tem que lidar com o que ficou pra trás, mesmo a escola estando mais pra frente.

Assim, sua fala demonstra a importância dos conhecimentos em psicologia que embasam a prática clínica, ajudando a entender e lidar com os aspectos afetivo-emocionais que permeiam a aprendizagem, bem como conteúdos específicos da Psicologia da Educação, da Pedagogia, atenção às habilidades metalinguísticas (fonológicas, sintáticas, morfológicas, lexicais, textuais), às significações do concreto na matemática, às emoções infantis, às

alegrias e ao prazer de aprender, dentre outras noções das ciências educacionais que permitem a aproximação das complexas questões que definem o processo educacional.

Acreditamos ser necessário que o psicólogo busque sempre uma fundamentação teórica aprofundada, que abarque a raiz dos fenômenos e os aspectos sociais de sua constituição, para que possa contribuir significativamente no atendimento psicopedagógico dos alunos. Deve buscar também a interlocução com os professores, realizando o atendimento sob uma perspectiva psicológico-educativa, e considerando o professor como co-participante do trabalho junto ao aluno. Dessa forma, o psicólogo integrará as modalidades de atendimento psicopedagógico às modalidades de atuação que visam à promoção da saúde e ao sucesso escolar, em um trabalho de natureza essencialmente preventiva em Psicologia Escolar (Neves & Marinho-Araujo, 2006).

6.5 Possibilidades práticas de intervenção junto às queixas escolares a partir das