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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4. A Linguística Sistêmico-Funcional

2.4.5. A Avaliatividade (Appraisal)

Na Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), de Halliday (1994); Halliday; Matthiessen (2004), diz Martin (2000), que o sistema interpessoal têm sido gramatical em sua base, funcionando no nível da oração. A tradição-baseada-na- gramática tem focalizado o diálogo como uma troca de bens e serviços ou de informação.

O que tendeu a ser omitido pelas abordagens da LSF, segundo o autor, é a semântica da avaliação, isto é, o modo como os interlocutores estão se sentindo, os julgamentos que eles fazem, o valor que eles atribuem a vários fenômenos de sua experiência. Nos exemplos do Quadro (6), diz ele, é evidente que, em diálogos como esses, a interação envolve mais que uma simples troca de bens e serviços ou de informação, mas, também, afeto, julgamento ou apreciação. Assim, juntamente com modelos baseados-na-gramática, precisamos elaborar sistemas lexicalmente- orientados que tratem também desses elementos.

AFETO – emoções

RITA Eu adoro esta sala. Eu adoro aquela janela. E você gosta também? FRANK O quê?

JULGAMENTO – ética (avaliando comportamento)

FRANK E é o seguinte, entre você, eu e as paredes, eu sou na verdade um professor péssimo. Na maioria das vezes, veja, nem interessa realmente – dar aulas péssimas está bem para a maioria dos meus alunos péssimos.

APRECIAÇÃO – estética

RITA Sabe, a Rita Mae Brown, que escreveu Rubyfruit Jungle? Você leu esse livro? Ele é fantástico.

Quadro 6: Avaliação (Fonte: Martin, 2000)

Martin examina o léxico avaliativo, que expressa a opinião do escritor (ou do falante) a respeito do parâmetro bom/mau. O autor está interessado em mostrar que a avaliação é complexa para operar, mas que pode ser reduzida a um pequeno

número de conjuntos básicos de opções: ou seja, o que parece ser, a princípio, um grupo variado intratável de itens lexicais, poderia ser sistematizado.

Assim, Martin desenvolveu um sistema reticular de descrições de opções semânticas para avaliar pessoas, coisas e fenômenos. Ele e seus colaboradores estavam interessados em uma série ampla de recursos interpessoais e adotaram o termo APPRAISAL (doravante: Avaliatividade) para esse estudo. O grupo, trabalhando dentro do enquadre geral da LSF (HALLIDAY, 1967, 1985, 1994; MARTIN, 1992), estava interessado na função social desses recursos, não simplesmente para expressar sentimentos, mas, em termos de sua habilidade em construir comunidades, para alinhar pessoas na negociação em curso, na vida em comunidade.

A Avaliatividade é constituída por três principais sistemas: (1) ATITUDE, que envolve três sub-sistemas, a saber: Afeto, Julgamento e Apreciação; (2) COMPROMISSO, que foi detidamente estudado por White (2003), e que distingue entre enunciados heteroglóssicos ou dialógicos (nos quais se sinaliza uma posição que explicitamente mostra diversidade de opiniões, com implicação de conflito e luta entre as vozes;) e enunciados monoglóssicos (em que o escritor se posiciona, construindo a audiência como partilhando a mesma visão de mundo); e, finalmente, (3) GRADAÇÃO, que trata dos recursos para intensificar ou minimizar a força da avaliação, conforme exemplificaremos mais adiante.

(a) A Atitude

Martin (2000a) sugere que cada tipo de Atitude envolve sentimentos positivos e negativos e que JULGAMENTO e APRECIAÇÃO podem ser interpretados como institucionalizações de AFETO, que evoluiu para socializar os indivíduos em vários sentidos de comunidades de sentimento – Julgamento como um Afeto recontextualizado para controlar o comportamento (o que devemos ou não fazer), Apreciação como um Afeto recontextualizado para dirigir o gosto (que coisas são dignas).

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Afeto - Para Martin (2000a), há uma série de possíveis realizações linguísticas do

Afeto:

Quadro 7: Análise de Afeto (fonte: MARTIN, 2000a)

Julgamento - Pesquisas na área da mídia (lEDEMA et al., 1994, apud MARTIN,

2000a) sugerem que o Julgamento seja dividido em dois grupos: estima social (normalidade, capacidade e tenacidade) e sansão social (veracidade e propriedade [ética]). Esses tipos relacionam-se à Modalidade (HALLIDAY, 1994): veracidade relaciona-se com probabilidade; normalidade com frequência; propriedade com obrigação; tenacidade com inclinação; e capacidade com habilidade.

JULGAMENTO

Estima social Positivo (admira) Negativo (critica)

Normalidade afortunado, elegante azarado, retrógrado

Capacidade Vigoroso fraco

Tenacidade Heróico covarde

Sanção social Positivo (elogia) Negativo (condena)

Veracidade honesto, confiável manipulativo Propriedade generoso, ético corrupto, mau

Quadro 8: Análise de Julgamento (fonte: MARTIN, 2000a)

Apreciação - O sistema de Apreciação está organizado tendo em conta 3 variáveis:

reação, composição e avaliação. A reação refere-se ao grau de impacto que o texto

(a) Afeto como qualidade

adjunto adnominal um menino feliz Epíteto predicativo o menino estava feliz predicativo modo do processo o menino brincava feliz circunstância

(b) Afeto como processo

comportamento Ela sorriu para ele disposição mental Ela gostou do presente relacional Ela se ficou feliz com ele

(c) Afeto como comentário

causa ao leitor; composição refere-se à percepção de proporcionalidade (equilíbrio) e avaliação refere-se, como diz o nome, à avaliação do significado social do texto.

APRECIAÇÃO

Positiva Negativa

Reação: impacto atraente aborrecido

Reação: qualidade Belo repulsivo

Composição: equilíbrio harmonioso discordante Composição: complexidade preciso, detalhado insignificante Avaliação profundo, desafiador reacionário

Quadro 9: Análise de Apreciação (fonte: MARTIN, 2000a)

(b) O Compromisso

Diz White (2003) que, para examinar e descrever adequadamente a funcionalidade comunicativa desses recursos léxico-gramaticais, é necessário vê-los como fundamentalmente dialógicos ou interativos. Em termos amplos, o autor distingue entre enunciados monoglóssicos (afirmações não-dialogizadas e enunciados heteroglóssicos ou dialogísticos (nos quais se sinaliza algum compromisso com posições alternativas/voz). Além disso, o termo 'compromisso heteroglóssico' envolve duas amplas categorias: dialogicamente expansivos (possibilitam alternativas) ou dialogicamente contráteis (restringem as possibilidades).

(c) A Gradação

A Gradação trata dos recursos para intensificar ou minimizar a força (intensifica [i.e. completamente devastado] ou diminui [i.e. um pouco chateado] a avaliação) e o foco (aguça [i.e. um policial de verdade] ou suaviza [i.e. cerca de quatro pessoas] a avaliação.

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2.4.5.1 Token de Atitude

Diz Martin (2000) que os sistemas de Avaliatividade também se ligam a outros sistemas, no sentido de ‘redundar’ com outras partes da léxico-gramática, cobrindo a mesma área semântica com o uso de diferentes recursos linguísticos. Assim, por exemplo, o significado avaliativo (metafunção interpessoal) em: O filme era muito

triste, está próximo, em termos semânticos, ao do processo mental1 de afeição

(metafunção ideacional): O filme me comoveu até as lágrimas.

Continuando, diz Martin que, quando a avaliação é realizada explicitamente, é fácil analisar uma atitude sobre um evento como positiva ou negativa. Mas, há casos em que a avaliação não é realizada de maneira explicita como em: Maria confrontou a autoridade. Diz ele que, em casos como esse, a decisão pela Avaliatividade de Afeto - se positiva, se negativa - depende da posição de leitura.

Esse fato levou Martin a postular uma distinção importante entre Avaliatividade inscrita (explícita) e evocada (implícita). Ele explica que a avaliação evocada é feita através do que ele chama de token de Atitude em que um significado ideacional, portanto neutro em termos avaliativos, pode se investir de função interpessoal. Nesse sentido, o autor propõe a noção de token de Atitude para denominar o modo pelo qual o significado experiencial pode ser “saturado” em termos avaliativos, ou seja, interpessoais. A propósito, Martin (2003: 173) adverte: “o apego a categorias explícitas significa que uma grande quantidade de atitude implícita pelos textos será perdida”.

Os tokens de Atitude são também sujeitos à influência do contexto, continua o autor, e uma estratégia importante no estabelecimento de posicionamento interpessoal num texto é colocar avaliações inscritas e evocadas de tal modo que o leitor partilha da interpretação do escritor sobre os tokens do texto. É assim que, evocado por uma descrição de um token, um Julgamento, por exemplo, pode se tornar tão naturalizado numa dada situação cultural que é provável que seja considerado como Julgamento explícito em vez de implícito.

Nesse sentido, Coffin e O'Halloran (2006), com base na noção de Avaliatividade, referem-se à frase dog-whistle politics, cunhada recentemente para

1 Halliday (1994), em vez de considerar a divisão dos verbos em transitivos e intransitivos, chama-os de processos e os classifica em seis tipos: materiais, mentais, relacionais, comportamentais,

capturar a forma de avaliação implícita. A comunicação política usa significados aparentemente neutros, mas que devem ser ‘entendidos’ como uma mensagem negativa pela comunidade alvo (Manning 2004). Dizem elas que se pode verificar que a avaliação direta de um fenômeno de um intra-texto prévio condiciona o leitor para uma avaliação indireta do mesmo fenômeno; o mesmo ocorre com a avaliação direta de fenômeno relacionado num inter-texto prévio. É o que se chama de logogênese - construção dinâmica do significado conforme o texto se desenvolve (HALLIDAY, 1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN 1999).

As autoras estudam um artigo jornalístico - alertando o povo inglês para o perigo do desemprego devido à vinda dos europeus orientais graças à política da Comunidade Europeia - mas o faz sem empregar nenhum termo de avaliação negativa. São enunciados que – se descontextualizados – não carregam mensagem negativa - mas que, naquele contexto estavam carregados de Avaliatividade negativa, constituindo-se no dog whistle politics.

Por seu lado, Luchjenbroers e Aldridge (2007) falam em frames, conjuntos de informação aceitos culturalmente, que acompanham qualquer termo lexical. A adequação do frame escolhido é também muito importante para ‘contrabandear

uma informação’, um termo usado quando uma informação (negativa) é

subrepticiamente inserida, por exemplo, nas declarações de uma testemunha.

Nesse contexto, alguns significados se acrescentam àqueles proporcionados pela metafunção ideacional, graças à avaliação direta de fenômeno relacionado a um intertexto prévio, num processo chamado de logogênese [construção dinâmica do significado conforme o texto se desenvolve], segundo Halliday (1992, 1993) e Halliday & Matthiessen (1999).

2.4.5.2 O Fenômeno da Propagação Avaliativa

Segundo Lemke (1998), se considerarmos os avaliadores como operadores semânticos, e perguntarmos o seu escopo, i.e., até onde precisamente a avaliação se estende, veremos que em geral eles se propagam ou se ramificam através do texto, seguindo elos gramaticais e lógicos que o organizam como um texto estruturado e coesivo, em oposição a uma mera sequência de palavras e orações desconectadas.

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Dentro da oração, a avaliação em relação a um elemento estrutural (participante, processo, circunstância) pode-se transferir para outro elemento. Se excluirmos os avaliadores explícitos que trabalham desse modo (Atributos atitudinais/Epítetos que avaliam seu portador/coisa, Auxiliares que modalizam seu verbo principal, e Nomes-Processos derivados de verbos de avaliação explícita), há ainda vários outros fenômenos. É interessante que a Polaridade dessas avaliações pode ser revertida durante a propagação (o Grau normalmente se propaga sem mudança) por meio de várias locuções (Veja Halliday, 1994; Martin, 2000; 2003).

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