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A batalha de flores na Avenida da Liberdade, 1899

4. Receitas extraordinárias

4.3. A batalha de flores na Avenida da Liberdade, 1899

O conceito das batalhas de flores, com origem no francês Batailles des Fleurs, foi importado do carnaval civilizado de Nice. A diversão consistia num desfile e competição de carruagens, automóveis, bicicletas ou cavaleiros, todos profusamente decorados por flores. Ao se cruzarem, os participantes lançavam uns sobre os outros, flores ou as suas pétalas sempre em modos civilizados. A necessidade de possuir uma carruagem ou automóvel fazia com que este desfile aparatoso fosse praticamente uma exclusividade dos mais abastados.

Estas características mantinham-se mesmo nas batalhas de flores associadas aos propósitos assistenciais, tendo por fim a recolha de fundos. A batalha de 30 de Abril de 1899 realizada na Avenida da Liberdade, com o objectivo de auxiliar a SPCEL foi considerada pela imprensa da época a maior e melhor que se viu em Lisboa. Até aí tudo o que se fizera era sinónimo de actividade funebre. Podia-se ler no O Popular o seguinte: « [...] a primeira que se realizou abundava de certo uma decoração luxuosa dos carros mas foi prejudicada pela inesperiência inevitável numa primeira batalha e o mau tempo. As outras liquidaram mais o menos em cortejos funebres por lhes faltar tudo o que a batalha de flores necessita : flores e alegria. Na

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de ontem, tudo correu diferente.»172 O Século reforçava a ideia: «... havia o receio de que a batalha de ontem fosse uma reedição das outras que se têm dado e que o público se habituou a chamar enterros[...]»173.

A organização da batalha de flores coube a beneméritos próximos à instituição, como Jaime Artur da Costa Pinto, presidente da Câmara Municipal de Cascais, que dirigiu todo o projecto e acções, e ao arquitecto Rosendo Carvalheira que se encarregou da elaboração do plano de ornamentação da avenida e da sua completa execução. Os contactos e a logística para a constituição deste “festival” foram inúmeros. Mais de mil cadeiras foram emprestadas pela Sociedade de Geografia de Lisboa, o Colégio de Campolide enviou todos os seus alunos e respectiva banda. A guarda municipal também esteve presente com os seus músicos, assim como outras bandas foram convidadas a alegrar todo percurso ao longo da grande avenida174. Mais de 30 bandeiras de cetim foram desenhadas e confeccionadas por artistas femininas do panorama artístico português, como a sobejamente conhecida D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro. Estas imitavam os desenhos e as formas das bandeiras que se “faziam lá fora”. Por detrás de cada uma destas existia o distintivo da SPCEL, bordado a cor prata. De alguns mastros pendiam cestos que na hora própria se abriam para deixar sair dezenas de pombos. Segundo alguns jornalistas o conceito utilizado na decoração da avenida era inteiramente original, « Mas a ornamentação da Avenida! Nunca, em festas similares e noutras a grande artéria da capital apresentou um mais luzidio aspecto, um conjunto mais harmonioso e conducente ao fim que se destinava»175. Os veículos e todos os participantes tinham de entrar na avenida através de um grande e trabalhado portão de madeira que se encontrava nos Restauradores. Todo o recinto encontrava-se ladeado por gradeamento que imitava o bronze.

Mastros, arcos, ramos, grinaldas e cestos repletos de flores adornavam todo o recinto. As flores vieram às centenas de jardins particulares, de câmaras municipais e até da repartição da agricultura, da Mata do Buçaco. Para uma maior afluência do público fez-se anunciar a batalha atempadamente em jornais de amplitude nacional176. Com o mesmo objectivo, embarateceram-se os preços dos comboios que se dirigiam à cidade e da travessia do Tejo, o vapor que vinha do Barreiro.

172 O Popular, 1 de Maio de 1899, p.8. 173 Século, 1 de Maio de 1899, p.5. 174

As bandas foram inúmeras e tocaram de forma voluntária: Colégio militar, Colégio de Campolide, Guarda Municipal, Armada Real, Bombeiros Municipais de Lisboa, Voluntários de Cascais, Sociedade Musical Barreirense e as filarmónicas de Azeitão e de Palmela.

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Século, 1 de Maio de 1899, p.6.

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Figura 4.10. Fotografia - A batalha de flores de 1899, à esquerda a carruagem da duquesa de Palmela,

Lisboa177.

Estiveram a assistir a este evento cerca de quarenta mil pessoas, que depois de pagarem a entrada, se espalharam por todo o percurso178. Entre o público podiam encontrar- se os representantes da diplomacia de França, Áustria, Alemanha e Holanda. A assistência foi surpreendida pelas « [...] duas rainhas, e as principais senhoras da fidalguia atiravam mais flores para o povo do que as trocavam com as carruagens das filas.»179 Tanto as rainhas como D. Carlos atiravam flores, saquinhos coloridos e rebuçados para a assistência.

Dezenas de concorrentes mediante o pagamento de inscrição, desfilaram em quatro longas filas os seus cavalos, charretes, automóveis e bicicletas, exuberantemente adornados com flores. Os melhores, comparando a originalidade e a estética, receberam medalhas de prata, sendo avaliados por um júri composto pelo Conde de Gouveia, Teodoro Ferreira Pinto Basto e Carlos Roma do Bocage. O primeiro prémio foi atríbuido ao carro da família Pinto Leite, ficando em 11º lugar o carro do conde Burnay. A soma constituída nesta batalha de flores, mais de 5:500$00 réis, foi muito relevante visto que os gastos foram quase inexistentes, sendo as doações e o voluntariado a regra.

177 Autoria de Chaves Cruz. Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivos Fotográficos, cota: CRU000351. 178 O número de quarenta mil pessoas é avançado pelo artigo publicado na revista Ocidente, «A Batalha de Flores»,10 de Maio de 1899, pp. 103-104.

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