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A blogagem como negócio e o blogueiro como celebridade

PARTE I: ‘FOTOGRAFANDO’ UM MOVIMENTO

1.3 AS DINÂMICAS DA BLOGAGEM: AUDIÊNCIA, ANUNCIANTES E

1.3.2 A blogagem como negócio e o blogueiro como celebridade

Os dados de 2011 do “State of the Blogsphere” (Thecnorati) indicam os blogs como atividade profissional consagrada, apesar dos “hobbysts” (aqueles que blogam como hobby) ainda representarem a maioria – 60% do total da blogosfera. Entre os 40% dos blogueiros que completam a estatística, destacam-se: a) os independentes, que usam os blogs como renda ou como forma de complementá-la, trabalhando com dedicação parcial ou total (part-time ou full-

time); b) os corporativos (8% da blogosfera); c) e os empresariais, que perfazem um total de

cinco tipos principais, segundo a pesquisa.

Os blogs profissionais independentes, os empresariais e os corporativos são a amostra da fase vivida pelo gênero, transformada em negócio. O cenário é resultado da multiplicação dos

blogs em nível mundial e da conquista e manutenção da audiência em muitas áreas, em que os

anos 2006-2009 viram consolidar o movimento, em particular no caso do street-style.

O êxito dos blogs independentes no setor responde a certa insatisfação ao padrão dominante de representação da moda das últimas décadas: aparências e silhuetas magérrimas e irreais nas revistas de moda, “uma cultura precisamente saturada ‘de’ e ‘pela’ celebridade” (ROCAMORA & BARTLETT, 2009). Nesses casos, partindo daqueles cujo objetivo é mostrar o lado cotidiano, pessoal e humano (o lado imperfeito e real) da moda, os blogs impulsionaram sua democratização e legitimaram-se como rede de discussão/opinião e como produção/compartilhamento de informações por não-especialistas.

Os autores ali falam de suas compras e de seus desejos, exibindo assim seu

status de consumidores, enquanto produzem, a partir dos objetos comprados e

51 como os de jornalistas estabelecidos e outros intermediadores culturais tradicionais (ROCAMORA & BARTLETT, 2009, p.107)68.

De um lado, introduziram outras formas de consumir a informação de moda, tanto interativa quanto imediata, atrelada a estratégias de relacionamento, consolidando comunidades virtuais de moda. Por outro lado, no que diz respeito ao conteúdo e a sua circulação, os blogueiros de moda e street-style estão situados no mesmo patamar dos produtores culturais, já que, ao veicular os gostos ligados à moda, são formadores de preferência de grupos sociais significativos.

As empresas começaram a reconhecer que seus clientes passaram a ocupar tempo na leitura e dar atenção ao conteúdo publicado e a valorizá-los enquanto veículos de comunicação. Foi em 2006, pela primeira vez, alguns blogueiros (a partir do Hemisfério Norte) foram convidados a participar de eventos de moda, tais como desfiles e lançamentos de produtos. Desde então, passaram a ir às fashion weeks e aparecem de modo regular na lista de “pessoas mais influentes” em revistas e jornais; “seu estilo é dissecado, e seus endereços e conselhos de moda ditos aos leitores”69.

A febre dos blogs e sua publicização definiram alguns processos consecutivos a sua profissionalização. Interferiram na sua monetização e exploração publicitária e no aumento da qualidade técnica e do conteúdo, o que significou a mudança do padrão e estética dos perfis e das fotografias desses blogs, com posts mais próximos a ensaios fotográficos de revistas especializadas, no caso do street-style. Ao mesmo tempo, o processo levou à conquista da notoriedade e até à celebrização de blogueiros e blogueiras, fato que também trouxe oportunidades de trabalho com empresas do ramo.

No que diz respeito ao negócio da blogagem, há diversas formas de ganhar dinheiro com a atividade, por meio da publicidade. Os blogueiros utilizam anúncios de marcas, e também é comum receberem privilégios, como presentes ou peças emprestadas. As formas mais simples

68 Tradução livre da autora do trecho: “Les auteurs y parlent de leurs achats et de leurs envies, affichant ainsi leur

statut de consommateurs, tout en produisant, à partir même des objets achetés et discutés, des textes non moins centraux à la production symbolique de la mode que ceux de journalistes établis et autres intermédiaires culturels traditionnels. De tels blogs véhiculent les plaisirs et déplaisirs de leurs auteurs, tous liés métaphoriquement et littéralement par leur amour pour la mode” (ROCAMORA& BARTLETT, 2009, p.107).

69 Tradução livre da autora do trecho: “Les blogueurs de mode et streestyle apparaissent maintenant de façon

régulière dans les listes des personnes les plus influentes que dressent journaux et magazines; leur style est disséqué, leurs adresses et conseils de mode communiqués aux lecteurs” (ROCAMORA& BARTLETT, 2009, p.107 ).

52 de publicidade são os banners70, links patrocinados71 colocados estrategicamente nos blogs e integrados às lojas virtuais. Embora considerados um mecanismo de publicidade indireto, os

publiposts72, resenhas de produtos ou marcas, também são bastante comuns. Os autores

pretendem despertar nos consumidores o desejo de inclusão pelo consumo dos produtos que eles mostram ou recomendam, cujas indicações são abalizadas pela experiência, influência (SILVA

et al., 2012), bom gosto ou senso estético.

No meio fotográfico online, como é o caso dos blogs street-style, o product placement é uma realidade. Trata-se de uma forma de propaganda, em que produtos das marcas ou serviços são colocados em um contexto geralmente desprovido de anúncios (filmes, clips, noticiários e, claro, blogs), nos quais, tradicionalmente, não é explicitado o momento em que o bem ou serviço é apresentado.

A publicidade em mecanismos de busca73, também conhecido por SEA (Search Engine Advertising) é outra opção bastante explorada, já que trabalha a partir da pesquisa de

informações realizada pelos usuários, na qual os links patrocinados estão destacados dos demais resultados da busca. Segundo Shimp (2009), o patrocínio é feito por meio de palavras-chave que descrevem a natureza, os atributos e os benefícios do produto ou serviço a ser anunciado. Além disso, as marcas podem lidar diretamente com blogueiros (e vice-versa) para contratos ou

70 Santos (2007) define o banner como um formato publicitário utilizado na Internet em forma de imagem gráfica

com animação, que normalmente tem um link que direciona o internauta para um site promocional ou para o site da empresa, com mais informações sobre o produto ou serviço.

71 Links patrocinados são “pequenos anúncios exibidos em uma página de resultados dos buscadores, de acordo

com a palavra-chave digitada pelo usuário” (VAZ, 2008, p. 125). Ou seja, são um formato de anúncio publicitário digital, pagos apenas quando o visitante clica sobre eles.

72 É comum os blogueiros que se destacam no setor receberem exemplares de lançamentos e amostras de produtos,

além de serem contratados para fazerem recomendações. Nesses casos, as resenhas configuram uma espécie de editorial pago pela semelhança visual e gráfica com um texto não publicitário, conforme Erenberg (apud SILVA et al., 2012, p. 10) e devem vir expressamente identificadas no post com alguma marcação (normalmente “Publicidade”, “Publipost”, “Indicação”, “Ad”). No caso de isso não acontecer, o consumidor dificilmente identifica o anúncio e há a “propaganda subliminar”, segundo Silva et al. (2012), que é aquela que divulga, de forma implícita, um produto ou uma ideia.

73 O mecanismos de busca mais conhecido é o Google, que oferece uma ferramenta de publicidade denominado AdWords (https://adwords.google.com). Os anunciantes potenciais aplicam recursos em palavras-chave, indicando quanto estão dispostos a pagar sempre que um usuário clicar em seu site quando for exibido como link patrocinado. Isso é chamado de custo por clique ou apenas CPC. Shimp (2009) explica que quanto mais um anunciante aplicar, mais destaque receberá seu link patrocinado. O Google AdSense (https://www.google.com/adsense) é outra possibilidade de programa gratuito que desenvolve receita, exibindo anúncios de empresas no blog, vinculados ao conteúdo postado e/ou linkado (desde que gere cliques válidos a essas empresas)

53 parcerias, mas as agências de publicidade e empresas oferecem esse serviço e há, inclusive, as especializadas em blogs, como a nova iorquina DBA (Digital Brand Architects)74.

Do ponto de vista empresarial, os blogs, como ferramenta de publicidade, são atrativos, porque, além de financeiramente mais viáveis que as mídias tradicionais, alcançam consumidores segmentados de marcas, produtos ou campanhas, de forma rápida e interativa. Eles formam um “círculo virtuoso de audiência”, e se convertem em opinião “boca a boca” (PÓVOA, 2005). Um terceiro aspecto positivo é a possibilidade de acompanhar a aceitação e os resultados em relação à campanha e ao produto, por meio dos blogs ou sites de redes sociais (Twitter ou Facebook, por exemplo).

O problema reside no fato de que a característica original dos blogs é a independência editorial, e a relação comercial tende a interferir na liberdade dos seus conteúdos (escolha dos temas, produtos comentados, looks postados, marcas das peças expostos etc), facilitar a existência da publicidade velada75 e até mesmo contribuir na manutenção do estigma76 de

glamour do campo da moda. Essas questões têm afetado a credibilidade de muitos blogueiros,

pois a exploração publicitária dos blogs, em particular os do setor da moda tem sido (re)discutida e questionada pelo campo acadêmico, pela imprensa e pelos próprios blogueiros.

As redes organizadas de blogueiros de moda empenham-se, entre outras estratégias, em concentrar audiência e transformar os leitores em consumidores das marcas anunciantes. Entre as mais conhecidas estão a NowManifest77, de 2011, com seis blogs; e, no Brasil, a F*Hits: a

74 <http://thedigitalbrandarchitects.com/> - é uma agência de mídia social com um dos braços dedicados para a

gestão de talentos online, representando “top bloggers” e editores e produtores de conteúdo online. Outras agências nacionais (AG2, W3 Haus entre outras) e internacionais Glam Media, AD Networks, IndieClick, BlogAds também são especializadas em mídias digitais.

75 É normal haver “looks do dia” com uma combinação de itens pessoais e patrocinados ou até todos patrocinados,

cuja publicidade nem sempre é devidamente identificada ou fica clara para os leitores.

76 Especialmente, nos primeiros anos, grande parte das blogueiras eram próximas da realidade das leitoras, tinham

rotina e até discutiam questões afim, porém, com o passar do tempo, conforme o nível de audiência e profissionalização (anúncios, parcerias), a maioria delas conquistou mais que convites aos disputados eventos e outros privilégios e parcerias, passando a publicar um visual impecável, roupas de marcas de luxo (Chanel, Dior, Vuitton, Hermes), uma aura de “glamour”.

77 <http://nowmanifest.com/> - rede de seis blogueiros de moda de renome (Anna Dello Russo; Rumi Nelly, do

Fashion Toast; Brian Boy; Industrie Magazine; Mr Blasberg; Style by Kling) Conforme apresentação do site, o objetivo é ser um diferencial, para leitores com senso de estilo. “Nossos blogueiros são escolhidos a dedo devido ao seu forte senso de tendências e de grande impacto em seus leitores. NOWMANIFEST se endereça ao consumidor moderno, com um olho para a moda e estilo, e os que procuram ser avant-gard”. A abertura do “about” diz respeito à força e às mudanças impostas pelos blogueiros na cadeia produtiva: Os blogueiros passaram de comentaristas para criadores; foram da primeira fila para o backstage e ao lado de Alber Elbaz em apenas um ano. Entramos na próxima fase” “The bloggers have moved from commentators to creators; gone from front row next to Anna Wintour to backstage next to Alber Elbaz in but one calendar year. We have entered the next stage”.

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primeira prime network de blogs de moda do Brasil78, também de 2011, reúne 26 blogs, com o objetivo de convergir o tráfego e transformar os leitores em consumidores dos anunciantes. Eles foram projetados, ainda mais como mídia e negócio após a compra da rede pelo grupo de comunicação gaúcho RBS.

Essas iniciativas mostram as tentativas de manutenção do movimento blogger, após criar e manter a popularidade dos autores, o que facilita o surgimento de outros trabalhos. É o caso das parcerias e colaborações para marcas, que também são importantes fontes de renda para os blogueiros. Desde 2007, muitos deles já “estrelam” campanhas publicitárias e chegam a ser convidados para participar do processo de criação de produtos.

Nessas dinâmicas crescentes da inversão dos papéis, nos quais os blogueiros se converteram na figura central do sistema midiático da moda, como modelos fotografados para trabalhos ou nas ruas e eventos (por colegas ou por fotógrafos de outros veículos) tornaram-se eles próprios um novo tipo de celebridades, as chamadas microcelebridades (SENFT, 2008; PRIMO, 2009b; BRAGA, 2010) ou webcelebridades. Às vezes, isso se dá de forma involuntária, mas o contexto recente potencializa o desejo da fama, de qualquer indivíduo tornar-se um blogueiro de renome79 e tentar aparecer a qualquer custo.

Independente da idade ou profissão, as pessoas têm se aventurado a produzir conteúdo na internet (muito disso é imagem) e chegam a chamar a atenção dos meios de comunicação de massa (MCM). Inicialmente, eles se celebrizam nos seus ambientes, em fenômenos midiáticos análogos aos observados nos MCM, porém em escala restrita de abrangência, se considerados os grupos de interesse. Esses são, inicialmente, processos midiáticos seletivos em termos de audiência e, assim, o prefixo ‘micro’ se justificaria, segundo Braga (2010), pois conquistam um público bastante particular, de interesse correspondente à temática tratada. Logo, a web e suas interações são o trampolim para a fama e, muitas vezes, até para um espaço profissional.

Sobretudo, vale ressaltar que apenas o desejo do reconhecimento e o culto à aparência não implicam a construção de uma imagem positiva ou concedem poder aos indivíduos, tampouco significam que eles tenham múltiplos leitores. É necessário superar a banalização no

78 Trata-se de um projeto da empresária Alice Ferraz (proprietária de três empresas focadas em marketing e

propaganda para moda) que organizou em rede os blogs a partir de janeiro de 2011 (no início eram apenas 12) formando um grupo de mais de 20 blogs de visibilidade e audiência no Brasil. A proposta foi comprada pelo grupo RBS, impulsionando ainda mais a profissionalização do cenário nacional.

79 Segundo Rojek (2008, p. 14), renome é a “atribuição informal de distinção a um indivíduo dentro de uma

55 que se refere à quantidade de oferta, e também a desconfiança e os questionamentos no que tange à qualidade e credibilidade dos conteúdos. Nessa perspectiva, há, cada vez mais, produções e materiais de qualidade postados.

Segundo Primo (2009a, 2009b), a profissionalização da prática da blogagem transformou blogueiros em marcas com apelo comercial. Por isso, as webcelebridades não podem ser pensadas apenas como pessoas famosas, nem como uma construção individual, mas como um complexo construído por profissionais e equipes – têm agentes –, pois se vinculam a outras indústrias e produtos culturais, dos quais dependem para manter o sucesso. Para dar conta da demanda dos trabalhos e clientes, precisam ser gerenciadas e ter assessoria especializada, até mesmo porque têm consciência da vida curta como celebridades (PRIMO, 2009b, p. 110).

O gerenciamento da credibilidade, fruto da inserção nessa lógica mercadológica, envolve, sobretudo, uma dinâmica de organização e rotina de trabalho, cuidados na qualidade do conteúdo, posts regulares e questões técnicas que respondam às expectativas dos leitores. São eles que vão legitimar, junto com os colegas blogueiros, num primeiro nível, sua reputação, que tende a se ampliar para mídia tradicional, na possibilidade de chegar ao sucesso efetivo.

Os blogs são utilizados, em primeiro lugar, “enquanto ferramenta de gestão de si mesmo”, conforme Lovink (2008, p. 28). Nesse viés, a “gestão da imagem” ou o gerenciamento de si “inclui a necessidade: a) de estruturar a própria vida para se livrar da desordem, b) do controle das ondas enormes de informação, c) mas também da autopromoção na cultura contemporânea”, segundo Rocamora & Bartlett (2009, p. 28). A aspiração pela fama em todos os níveis faz parte da sociedade contemporânea, num processo que denominamos “cultura narcisista digital”.