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LUGARES DE ESTILO ENTRE A WEB E A RUA: (RE)CONFIGURAÇÕES 11

PARTE I: ‘FOTOGRAFANDO’ UM MOVIMENTO

2.4 LUGARES DE ESTILO ENTRE A WEB E A RUA: (RE)CONFIGURAÇÕES 11

O sentido de espacialidade na cultura digital é amplo e complexo. O ciberespaço pode ser considerado um ambiente geográfico, informacional e relacional, pois existe a possibilidade de deslocamento real entre os caminhos (sites/páginas, links etc.) característicos da estrutura rizomática da web, segundo a terminologia deleuziana (DELEUZE; GUATTARI, 1980). Partindo da etimologia das páginas da Internet, nomeadas pela palavra em inglês para local ou lugar – site, do latim “situs” (= lugar) –, podemos delegar à web, um conjunto de sites eletrônicos (hipertextos), uma noção que expressa uma reacentuação dos lugares de viver, ou seja, o reconhecimento dela como um espaço de experiências, de circulação de dados e de interações (MAFFESOLI, 2011)145.

Ao mesmo tempo, essa noção permite evidenciar que esses lugares podem ser praticados (CERTEAU, 2009) e experienciados, pois cada link permite acessar diferentes níveis, como a página de um blog street-style, seus diferentes posts e comentários. Graças a isso, blogueiros e leitores compartilham suas afinidades sobre o tema e, assim, podem interagir. Essa forma de compreensão faz com que o caminho do internauta se dê, não somente em um espaço geográfico, mas num “espaço relacional” (FRAGOSO, 2003, 2001).

Dessa forma, o ciberespaço revela-se fundamental para os reordenamentos nas relações e práticas sociais e, por conseguinte, no fluxo da comunicação de moda e do mercado do setor. Vislumbramos, assim, que a territorialização do ciberespaço não se trata de visão meramente física ou geográfica. Ao contrário, falar de espaços/lugares na Internet é falar em transitoriedade, em circulação (ilimitada) por conteúdos e também lugares (cidades, ruas etc. –

Google Maps e até por meio de vídeos e fotografias que evidenciam elementos locais), em

fronteiras porosas, é acessar o imaginário coletivo. Cria-se uma reterritorialização na web, “um espaço de liberdade no espaço estriado das redes telemáticas” (LEMOS, 2007, p. 01).

145 Em Seminário “Realité, réel, real”, proferido pelo professor Michel Maffesoli, na Université Paris V, Renes-

116 Esse contexto de novas territorializações e sentidos de lugar (e tempo) é oriundo, em primeiro lugar, da evolução do espaço urbano, da convergência tecnológica e da conexão “generalizada” em nível mundial, que se traduzem na possibilidade de acesso a informações e publicações instantâneas de qualquer lugar do mundo com redes sem fio. Na prática, isso se efetiva, por exemplo, por coberturas (jornalísticas) de qualquer rua do mundo, com postagens de texto ou fotografias apenas com um celular e uma rede sem fio. Num segundo aspecto, os processos desterritorializantes146 das mídias digitais exigem reorganizações socioculturais e

econômicas. Nesse caso, é fundamental destacar o fato de que, assim como a mobilidade, o espaço é produzido socialmente dentro e fora da web, conforme Lemos (2009, 2010).

Em terceiro lugar, mesmo com tecnologias sofisticadas e alcance, nossas experiências estão alicerçadas em lugares e, portanto, a vida online aponta para “linhas de fuga e desterritorializações, mas também reterritorializações”. São as mídias digitais, como site, chats,

podcast e blogs as formas de reterritorializações e alternativa de controle ao fluxo de

informações em meio ao espaço múltiplo.

A vida social deve ser entendida como mobilidade e fluidez e não como arquitetura fechada (poder, classe, instituições). A dinâmica da sociedade se estabelece mais por movimentos de fuga do que por uma essência imutável das coisas. O que interessa são processos, dinâmicas des-re-territorializantes que marcam o social (LEMOS, 2007, p. 04).

Os blogs street-style, nessa lógica, enquanto mídias, embora sejam espaços nômades como sugere Deleuze e Guattari147 (1980, p. 472), “apenas marcados pelos traços que se

desvanecem e avançam pelo caminho”, operam como posicionadores dos indivíduos porque configuram nossa percepção espaço-temporal, criam formas de conhecimento e experiência, produzindo ‘new sense of places’ e ‘new sense of selves’ (LEMOS, 2009, p. 31); e as cidades e ruas, como representação dos espaços físicos, são fundamentais para esta constituição e, por conseguinte, para a compreensão do street-style digital.

146 A desterritorialização informacional, segundo Lemos (2007), afeta a política, a economia, o sujeito, os vínculos

identitários, o corpo, a arte. “A Internet é, efetivamente, máquina desterritorializante sob os aspectos político (acesso e ação além de fronteiras), econômico (circulação financeira mundial), cultural (consumo de bens simbólicos mundiais) e subjetivo (influência global na formação do sujeito). Estão em marcha processos de desencaixe e de compressão espaço-tempo na cibercultura” (LEMOS, 2007, p. 06).

147 Tradução livre da autora do trecho: “[...] seulement marqué par des ‘traits’ qui s’effacent et se déplacent avec le

117 Aqui consideramos o fato de que, por mais que as tecnologias sejam sofisticadas, e a Internet tenha como potencial a universalidade, nossas experiências estão alicerçadas em lugares. Lemos (2009) chama atenção para o fato de que, assim como a mobilidade, o espaço é produzido socialmente. Portanto, as cidades e ruas são configuradores do street-style.

Nesse cenário de reorganizações sociais imbricadas na evolução do espaço urbano e das tecnologias digitais contemporâneas, surgem novas territorializações e novos sentidos de lugar. Ao mesmo tempo em que os blogs de moda de rua nos situam por meio de diversos elementos visuais, físicos, descritivos da geolocalização e são uma forma de territorialização ou uma des- re-territorialização – uma possível reafirmação do “poder” (da moda e dos principais mercados, por exemplo) –, igualmente extinguem fronteiras entre as cidades mostradas, suas narrativas e os leitores, em função da dimensão comunicação e interacional. Têm, pois, alcance universal e assim, abrangem qualquer pessoa em qualquer parte do mundo e, dessa forma, contribuem para sua circulação, fluxo, compartilhamento e mobilidade, tão próprias à lógica da moda.

Qualquer ponto das cidades – as ruas, os cafés, as praças, as bibliotecas, as estações – adquire “qualidades informacionais” e funções interativas que o inserem na dimensão do fluxo, sem deixar para trás sua característica referencial. Nessa perspectiva, os lugares podem ser referências e cenários para os relatos e para o compartilhamento em tempo real de informações produzidas por qualquer um dotado de gadgets. “O que antes era narração do que se passou (contar o dia a dia ao chegar em casa ou no trabalho), passa a ser troca multimídia permanente, em tempo real, criando uma verdadeira cartografia semântica em tempo real das ações e lugares” (LEMOS, 2009, 33-34).

Nesse caso, as fotografias e postagens instantâneas dos blogueiros nos blogs e sites de redes sociais online facilitam e reafirmam os lugares da moda de rua e os sentidos desses espaços, cuja concepção é construída por eles no deslocamento realizado “nas”/”pelas” cidades e traduzido na web, e a cidade é musa nesse processo, assim como as multidões das cidades (BENJAMIN, 2000a) e suas ruas.

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