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2.2 A ARQUIVOLOGIA E OS ARQUIVISTAS

2.2.4 A burocracia e os arquivos: algumas considerações

Segundo Fonseca (1999b), o estabelecimento de limites ao poder do Estado foi ideia fundamental para a configuração do Estado liberal e democrático. Na base deste Estado, encontram-se as instituições formadoras da administração pública, incluindo-se as instituições arquivísticas (FONSECA, 2005). A partir desta ideia, observa-se a emergência de dois aspectos úteis para a reflexão sobre a questão do acesso às informações e a participação dos cidadãos no controle do poder dos dirigentes e dos administradores do

26 PERRIN apud DELMAS, Bruno. Manifesto for a Contemporary Diplomatics: From Institutional

Estado moderno e democrático: o aparelho administrativo e burocrático do Estado e a publicidade de suas ações (FONSECA, 1999b). Corroborando com este pensamento de Fonseca (1999b), Santos (2006), ao analisar o funcionamento do Estado brasileiro e suas relações com a produção de documentos, aponta duas características essenciais ao moderno funcionamento do Estado: a burocracia e a democracia (que requer publicidade das ações do Estado).

Sobre o funcionamento específico da burocracia administrativa, Max Weber (1999) aponta a manifestação das seguintes características: “rege o princípio das competências oficias fixas” (WEBER, 1999, p. 198); “rege o princípio da hierarquia dos cargos” (WEBER, 1999, p. 199); “baseia-se em documentos (atas), cujo original ou rascunho se guarda, e em um quadro de funcionários subalternos e escrivães de todas as espécies” (WEBER, 1999, p. 199); “pressupõe, em regra, uma intensa instrução na matéria” (WEBER, 1999, p. 200); “requer o emprego da plena força de trabalho do funcionário” (WEBER, 1999, p. 200); “realiza-se de acordo com regras gerais mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes, que podem ser aprendidas” (WEBER, 1999, p. 200).

Segundo Weber (1999), as características apresentadas acima têm as seguintes consequências: a) o cargo é profissão, na medida em que requer uma formação previamente fixada; b) no âmbito da posição pessoal do funcionário, observa-se: desejo pela estima social “estamental”; nomeação do funcionário burocrático por uma instância superior; garantias jurídicas que protegem o funcionário contra arbitrariedades de perda do cargo, resultando na vitaliciedade do cargo; recebimento de uma remuneração que considera o nível da função desempenhada e o tempo de serviço, a trajetória de uma carreira a ser percorrida pelo funcionário, de cargos inferiores para superiores.

O cargo burocrático, de acordo com o autor, tem por pressupostos sociais e econômicos: o desenvolvimento da economia monetária; o desenvolvimento quantitativo da administração; a ampliação intensiva e qualitativa da administração; superioridade puramente técnica – “precisão, rapidez, univocidade, conhecimento da documentação, continuidade, discrição, uniformidade, subordinação rigorosa, diminuição de atritos e custos materiais e pessoais alcançam o ótimo numa administração rigorosamente burocrática” (WEBER, 1999, p. 212) –; a concentração dos meios de serviço materiais na mão do senhor; o nivelamento, no mínimo relativo, das diferenças econômicas e sociais.

A documentação produzida na burocracia weberiana ocasionou uma explosão documental, no pós Segunda Grande Guerra Mundial, que fez com que a visão historicista do arquivo desse lugar a uma dimensão administrativa (TOGNOLI; GUIMARÃES, 2009). Além disso, a burocracia weberiana “adequa-se à análise da questão dos arquivos públicos, tanto como produto de atividades administrativas quanto como unidades do aparelho de Estado” (FONSECA, 1999b). Jardim (1999, p. 47) reconhece que os “arquivos – sejam como

conjuntos documentais ou como agências do aparelho de Estado – constituem um mecanismo de legitimação do Estado e simultaneamente agências de poder simbólico”.

No Brasil, o termo “burocracia” é comumente empregado para representar a administração ineficiente, lenta, com excessos de regulamentos e de produção de registros documentais no processo de tramitação das decisões. Santos (2006, p. 159) faz o seguinte esclarecimento sobre este sentido pejorativo da burocracia:

Na verdade, a organização burocrática pode ser boa ou má dependendo da forma como é administrada. No caso brasileiro, podemos afirmar que a burocracia negativa, resulta, entre outras coisas, do excesso de controle ou formalismo, da carência por métodos mais racionais de trabalho e, em muitos casos, apenas da falta de bom senso (SANTOS, 2006, p. 159).

Por outro lado, a burocracia weberiana sob um prisma positivo e técnico consiste em uma “administração pública eficiente, baseada em normas, em funções específicas, em atribuições de esferas de competência bem delimitadas e em critérios de assunção e de carreira no serviço público” (FONSECA, 2005, p. 37).

Na origem da Arquivologia, observam-se os “aspectos pragmáticos vinculados às práticas burocráticas visando [sic] eficácia e eficiência na guarda e preservação de arquivos, notadamente os públicos” (FONSECA, 2005, p. 55). Na gestão racional do Estado burocrático, “os documentos e os arquivos são, [...], a expressão material mais clara e o mais firme sustentáculo da natureza institucional da administração pública” (AMPUDIA MELO, 199827, p.38 apud FONSECA, 2005, p. 38). A fim de garantir a eficiência e eficácia das ações do Estado burocrático, a produção documental da administração pública precisa ser bem gerida e, para isso, é importante que se recorra às teorias e aos métodos da Arquivologia.

No que concerne à faceta democrática do Estado moderno, nota-se uma busca da sociedade civil pela transparência das ações estatais. “A visibilidade social do Estado constitui um processo de dimensões políticas, técnicas, tecnológicas e culturais, tendo como um dos seus produtos fundamentais a informação ‘publicizada’” (JARDIM, 1999, p. 49). Os usos e não usos do capital informacional, presentes nos arquivos e que refletem o funcionamento do aparelho estatal, revela os diversos graus de transparência e opacidade do Estado (JARDIM, 1999). Segundo Boyer (2005, p. 281-282), “a evolução contemporânea dos diversos campos é marcada pelas lutas em torno das intervenções públicas”. Assim sendo, o campo da Arquivologia é fortalecido pelas intervenções públicas que viabilizam a transparência do Estado.

Jardim (2011) sustenta que a democratização do país trouxe mudanças para o cenário arquivístico brasileiro, como demonstrado nos elementos abaixo:

27 AMPUDIA MELLO, J. Enrique. Institucionalidade y gobierno: un ensayo sobre la dimensión

 a dimensão legal do acesso à informação arquivística, contemplado na Constituição de 1988, na Lei de Arquivos (Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991) e outros instrumentos;

 as demandas sociais pela transparência da administração pública e o acesso à informação governamental;

 a politização do debate sobre arquivos, apesar da quase inexistência de políticas públicas arquivísticas;

 a reconfiguração do associativismo profissional;  a emergência de parâmetros tecnonormativos; e

 a diversidade de concursos públicos, legitimando a profissão do arquivista no Estado.

Em relação ao ensino e a pesquisa, vale observar a ampliação

 dos canais para a formação de arquivista (fundamentalmente, a graduação, algumas experiências de pós-graduação lato sensu e a ausência de pós-graduação strictu sensu)[28];

 dos eventos científicos na área;

 da produção de conhecimento nas universidades;

 do número de doutores, na universidade, envolvidos com a docência em arquivologia; e

 da difusão do conhecimento arquivístico (JARDIM, 2011, p. 58-59).

Recentemente, entrou em vigor a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso à informação. Esta lei vincula o direito à informação ao exercício do direito democrático de o cidadão ter conhecimento dos procedimentos da administração pública; desta forma,

[...] os registros, além das necessidades do direito e da história, servem à ‘transparência das ações’, um novo e atraente nome para o que mais tradicionalmente constitui a obrigação de prestar contas (accountability) tanto do ponto de vista administrativo quanto histórico (DURANTI, 1994, p. 5529 apud FONSECA, 2005, p. 56).

Sobre a influência da burocracia e da democracia nas ações estatais, respectivamente, Santos (2006, p. 160) explica que a burocracia está relacionada “com a estrutura e formalização das instituições públicas” e a democracia relaciona-se com “o sistema político em que o poder emana do povo”. Assim, os arquivos, como resultados dessas ações, “refletirão o funcionamento do Estado, desde o momento em que serão produzidos até a sua destinação final” (SANTOS, 2006, p. 160).