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CURVA ROC

6.7. Fatores Predisponentes: Variáveis Laboratoriais

6.7.1. A calciúria

A dosagem de Cálcio urinário teve início a partir dos estudos anteriores com a fisiologia desse íon na gravidez, na procura do reconhecimento de possível metabolismo diferenciado nas pacientes pré-eclâmpticas.

Taufield et al (1987) talvez foram os primeiros a medirem a excreção em 24 horas do Cálcio urinário em gestantes com pré-eclâmpsia e normais, documentando a média de calciúria de 42 mg/dia nas primeiras, ao invés dos 313 mg/dia das demais gestantes. Encontraram também excreção fracional de Cálcio significantemente mais baixa, podendo ser essa hipocalciúria decorrente de reabsorção tubular aumentada do Cálcio.

Rodriguez et al (1988) continuaram esta linha de pesquisa, usando tanto a relação Cálcio/Creatinina como a microalbuminúria, na detecção precoce da pré- eclâmpsia. Para tanto, coletaram a primeira amostra urinária matinal de 88 mulheres sem evidência de proteinúria e com pressão arterial normal, entre a 24ª e a 34ª semanas de gravidez. Usando valores de < 0,04 para a relação Cálcio/Creatinina e comparando-os com > 11g/ml de albumina, a relação Ca/Cret. foi mais preditiva, possuindo sensibilidade de 70% e especificidade de 95%. A partir de então vários trabalhos se sucederam na literatura, tentando repetir os bons resultados desta pesquisa.

Covi et al (1990) também estudaram a excreção urinária de Cálcio, associando com ela a dosagem de prostaglandinas, em 30 gestantes normotensas e em outras 30 com hipertensão induzida pela gravidez. Houve, da mesma forma, menor excreção de Cálcio nas hipertensas, achado este que se correlacionou positivamente com a excreção de PGE2, fato que poderia explicar pelo menos em

parte a fisiopatologia dessa calciúria diferenciada, sendo semelhante àquela proposta para a pré-eclâmpsia, onde menor síntese de prostaglandinas diminuiria o fluxo renal, levando a lesão glomerular.

Sanchez-Ramos et al (1991), por sua vez, analisaram transversalmente 143 gestantes, encontrando como média de calciúria os seguintes valores: 129,7 mg/24 h. para as pacientes com pré-eclâmpsia, 233 mg/24h para aquelas com hipertensão gestacional e 284 mg/24h. para as demais, normotensas. Através da curva ROC, estabeleceram o melhor valor de corte para o teste como sendo de 12 mg/dl, com o qual se obtinham sensibilidade de 85% e especificidade de 91 %.

Frenkel et al (1991), comparando 14 pacientes com pré-eclâmpsia e 11 gestantes normotensas, encontraram uma média ainda menor de calciúria: 62 mg/24h. para as doentes, contra 225mg/24h. para as normais. Notaram também independência entre essa dosagem de Cálcio urinário e as taxas de paratormônio (PTH) e Vitamina D, as quais poderiam estar influenciando a excreção urinária de Cálcio.

August et al (1992) também identificaram menores concentrações de Cálcio urinário nas 11 gestantes com pré-eclâmpsia que eles examinaram, sendo geralmente menor que 50mg em 24 horas. Tais autores, no entanto, avançaram na explicação fisiopatológica do achado, observando menores taxas de Vitamina D e níveis aumentados, embora não significativos, de PTH nas gestantes afetadas. Concluem com a hipótese que a queda na Vitamina D, com menor absorção intestinal de Cálcio, faria subir o PTH e, com ele, a reabsorção de Cálcio em túbulo renal distal, diminuindo assim a calciúria.

Anai et al (1992) observaram calciúria tanto mais baixa quanto pior o quadro clínico, possuindo as pacientes com pré-eclâmpsia grave a média de apenas 11,6 mg/24 h., enquanto aquelas com pré-eclâmpsia leve tinham a média de 44,3 mg/24h., ficando as normotensas com taxas bem maiores, 145 mg/24h. Além do mais, demonstram a mesma tendência com o uso da relação Cálcio/Creatinina urinárias.

Seely et al (1992), analisando 12 gestantes com DHEG e 24 normotensas, concluíram por menores dosagens de Vitamina D, assim como de Cálcio, tanto urinário quanto sangüíneo, nas pacientes com pré-eclâmpsia, em comparação com as normais. Também conseguiram notar níveis aumentados de PTH nas com DHEG.

Raniolo; Phillipou (1993), ao estudarem a relação Cálcio/Creatinina da primeira amostra de urina matinal de 456 gestantes entre a 20ª e a 30ª semanas de gravidez, não encontraram diferenças nas médias das 16 pacientes que evoluíram para pré-eclâmpsia (0,49) e das que permaneceram normotensas (0,52), desaconselhando o uso deste parâmetro como teste preditivo.

Rodriguez et al (1993), examinando 5 gestantes com pré-eclâmpsia e 11 normotensas, ambas de termo, descrevem níveis médios de 121 mg/24h nas hipertensas e de 256 mg/24 h. nas normais. Encontram também menor excreção fracional de Cálcio em relação à Creatinina.

Por outro lado, Conde-Agudelo et al (1994) comentavam que, de acordo com o seu material, obtido com a análise de uma coorte de 387 nulíparas argentinas, com exames entre a 20ª e a 27ª semanas gestacionais, a relação Cálcio/Creatinina urinários não seria um bom exame preditivo para a pré-eclâmpsia, possuindo na melhor das hipóteses sensibilidade de 33% e especificidade de 78% para o evento em questão.

Ozcan et al (1995), da mesma forma, estudando 56 primigestas menores de 25 anos, não encontraram diferença significativa na concentração urinária de Cálcio entre as 8 gestantes que desenvolveram hipertensão gestacional e as outras pacientes. Tal diferença apenas transpareceu quando se analisou a relação entre o Cálcio e a Creatinina urinárias, que foi significativamente menor nas hipertensas. Com este parâmetro, a análise através da curva ROC revelou especificidade de 86%.

Suarez et al (1996) dosaram calciúria de 24 h. em 69 primigestas menores de 25 anos, entre a 17ª e 20ª semanas gestacionais, encontrando a média de 169,3 mg/dia nas 15 gestantes que desenvolveriam pré-eclâmpsia e de 215,1 mg/dia nas demais gestantes. Correlacionando tais resultados com o peso da paciente, postularam um índice ainda mais preditivo, que teria a média de 3,16 mg/Kg nas afetadas e de 4,00 mg/Kg nas demais. Com auxílio da curva ROC, puderam estabelecer o melhor nível de corte como sendo de 3,4 mg/Kg/24h., onde se obteriam sensibilidade de 80% e especificidade de 64,8%, isto ainda na primeira metade da gestação.

Costa et al (1999) revendo os artigos da literatura, posicionavam-se duvidosos em relação ao caráter preditivo da calciúria, mas confiantes quanto ao papel discriminante do exame no diagnóstico diferencial da pré-eclâmpsia com outras doenças hipertensivas. De acordo com seu próprio material, um dos poucos em território nacional, obtido com 44 gestantes, a média de excreção urinária de Cálcio em 24 h. foi de 82,4 mg nas pré-eclâmpticas, de 147,5 mg nas hipertensas sem proteinúria e de 317mg nas normotensas. Kahhale et al (1991b) concordavam com

tais assertivas, chamando a atenção para a possível participação do Cálcio intracelular na etiologia da hiper-reatividade vascular própria da pré-eclâmpsia.

Da análise destes trabalhos, podemos notar que o teste da calciúria guarda realmente grande associação com o diagnóstico de pré-eclâmpsia, podendo até vir a ser um exame de confirmação diagnóstica nos casos dúbios, necessitando para isso apenas de conjunto um pouco maior de evidências. De mais a mais, parece haver uma fisiopatologia específica a explicar a razão desta excreção urinária diminuída na pré-eclâmpsia. Talvez haja uma ligação, ainda não adequadamente explicitada, entre uma dieta deficiente de Cálcio e uma hipocalciúria reflexa, para tentar manter os níveis de Cálcio em equilíbrio no organismo. De qualquer forma, o encontro de hipocalciúria nas pré-eclâmpticas é uma constante em todos os trabalhos, exceção feita ao estudo de Ozcan et al (1995), que no entanto conseguiu estabelecer a associação quando relacionou o Cálcio com a Creatinina urinária, recurso também utilizado por outros para melhorar a acurácia do exame, assim como a relação com o peso corpóreo da paciente.

Seja como for, conseguimos perceber em nosso material correlação significativa entre níveis diminuídos de Cálcio urinário com o posterior diagnóstico de pré-eclâmpsia. Tivemos nossas médias de calciúria, tanto para a paciente acometida como para as demais, muito próximas daquelas citadas na literatura. Porém, os valores preditivos do exame, mesmo quando avaliados por meio das curvas ROC, não foram tão adequados quanto gostaríamos, tendo no máximo uma sensibilidade de 50% e uma especificidade de 58,8%.

Outra crítica que podemos fazer a este exame é que ser preditivo somente na 36ª semana não ajuda muito do ponto de vista assistencial, porque o diagnóstico clínico da doença é feito por volta desta época, sem que tenhamos dúvida alguma, nem em relação ao quadro clínico e muito menos em relação à conduta, sendo geralmente mais indicada a interrupção da gravidez, uma vez assegurada a maturidade fetal. O que esperamos de um teste preditivo é que ele nos antecipe a doença em pelo menos um mês ou dois, para que possamos intervir precocemente,

com melhoria do prognóstico. O fato do teste ser estatisticamente relacionado com a pré-eclâmpsia somente na idade gestacional (IG) de 36 semanas, nos faz confirmá-lo antes como teste diagnóstico do que como teste preditivo.

Neste sentido, foi interessante a observação de que, quando os casos suspeitos de DHEG foram retirados da análise, a Calciúria de 24h com 36 semanas alcançava significância estatística diferenciada e independente na regressão logística, possuindo relação linear inversa e bem determinada com o diagnóstico de pré-eclâmpsia. Parece que quanto maior a certeza diagnóstica, maior a correlação com a calciúria.

Outro aspecto que não pode nos fugir neste momento é que esta associação da calciúria diminuída nas pacientes adolescentes com pré-eclâmpsia pode ter um significado nutricional subjacente, que deveria ser melhor investigado posteriormente. Pois, como dizíamos na seção precedente, a ingesta altamente inadequada de todas as pacientes, aliada ao fato de serem elas submetidas a re- orientação alimentar durante o pré-natal, compromete o poder das variáveis estudadas em poder discriminar o verdadeiro panorama do risco que lhes cabe.