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Fatores Predisponentes: Variáveis Nutricionais

CURVA ROC

6.6. Fatores Predisponentes: Variáveis Nutricionais

Infelizmente, contrariamente ao que esperávamos, nenhuma variável nutricional alcançou significância estatística. Aguardávamos entrever um perfil de inadequação alimentar, tão comentada por diversos autores, mas isto não foi completamente possível.

Entretanto, a análise sobre a dieta destas jovens não pode se basear apenas na diferença entre as médias ingeridas dos principais nutrientes. Precisamos comparar estes valores com aqueles preconizados para a gravidez. O RDA, em sua última versão (National Research Council, 1989), estabelece como meta dietética para a gravidez de uma mulher adulta e eutrófica a ingesta diária de 2.500 calorias, 60 g de proteína, 1.200 mg de Cálcio, 1.200 mg de Fósforo, 30 mg de Ferro, 320 mg de Magnésio e 15 mg de Zinco. Como podemos perceber da análise da Tabela 30, em quase todos os itens a dieta em valores médios deste grupo específico de adolescentes era inadequada para tais parâmetros, sendo exceções apenas o Fósforo e as proteínas, que estavam em níveis normais ou aumentados. No entanto, a

adolescente necessita de quantidades ainda maiores de alguns nutrientes como o Cálcio, sendo indicado uma ingesta mínima de 1.500mg por dia, nas gestantes adolescentes, o que vem a piorar ainda mais a inadequação de que falávamos.

Desta forma, podemos depreender que ambos os grupos eram deficientes em Cálcio, Ferro, Magnésio e Zinco, tendo além disso uma dieta hipercalórica e hiperprotéica. Aparentemente, estas jovens são atraídas por alimentos processados ou refinados, ricos em lipídeos e carboidratos simples que, além de serem responsáveis por aumento importante no aporte calórico, também diminuem o consumo de alimentos mais completos, com sais minerais e vitaminas. Assim, teríamos na adolescência habitualmente uma dieta hipercalórica, com inadequação dos principais nutrientes minerais.

Este perfil já foi revelado antes em trabalhos realizados no próprio Setor (Dias et al, 1997), onde se observava, para uma amostra de 69 gestantes pesquisadas, inadequação quanto ao Cálcio, Ferro e Zinco em praticamente todas elas. Por outro lado, já tínhamos descrito também uma boa resposta destas gestantes à orientação nutricional, com mudança importante no comportamento alimentar de quase todas as pacientes (Borghi et al, 1997).

Desta forma, o resultado deve ser comentado levando em conta que o grupo de gestantes adolescentes, como um todo, era deficiente em vários aspectos nutricionais e que, nesta situação, notar diferenças entre aquelas que desenvolveram DHEG e as demais seria muito mais difícil, pois os dois grupos eram igualmente deficitários. De mais a mais, a boa aderência dessas pacientes às recomendações da nutricionista compromete a correta interpretação desses resultados, pois não podemos dizer o quanto a dieta inadequada foi a responsável pelo desenvolvimento da pré-eclâmpsia, uma vez que ela foi modificada com a interferência do profissional. Contudo, levando em conta a importância do sobrepeso e do ganho excessivo de peso durante a gravidez na sua correlação com a doença, parece-nos que o encontro desta dieta hipercalórica e deficiente nos principais sais minerais vem a colaborar na idéia de que haveria um componente nutricional certamente envolvido

com a gênese do distúrbio hipertensivo. Mesmo porque várias pesquisas apontam para o risco de uma dieta similarmente inadequada como a nossa para o desenvolvimento da pré-eclâmpsia.

Clausen et al (2001), por exemplo, relatam ingesta calórica aumentada nas pacientes que desenvolveram pré-eclâmpsia, às custas principalmente do aumento na ingesta de açúcar e ácidos graxos poliinsaturados.

Em relação ao Zinco, tanto Bassiouni et al (1979) quanto Zimmerman et (1984) já demonstravam haver concentrações sangüíneas deficientes do íon em gestantes com pré-eclâmpsia. Hunt et al (1985) pode comprovar o mesmo em gestantes adolescentes. Sabendo que o Zinco participa de diversos sistemas enzimáticos, inclusive placentários, podemos imaginar que sua falta poderia comprometer o funcionamento da unidade placentária de forma ainda não bem estabelecida. Cherry et al (1989), no entanto, notaram maior incidência de toxemia nas gestantes adolescentes que receberam suplementação com zinco, em relação àquelas que receberam placebo, apesar do bom resultado perinatal alcançado, com peso maior do recém-nascido.

Wynn; Wynn (1988), revendo a literatura então disponível, salientavam que o Magnésio era perdido no processamento da maioria dos alimentos e que diversos estudos europeus com suplementação oral de Magnésio demonstravam efeito benéfico, diminuindo as taxas de hipertensão na gravidez. Com isso, sugeriam maior atenção na orientação nutricional em relação ao íon.

Repke (1991), revendo a questão da suplementação com Zinco, Magnésio e Cálcio, defendia que a deficiência dos dois primeiros elementos, além de ser isoladamente rara, não tinha evidência suficiente para se propor uma possível suplementação. Quanto ao Cálcio, acreditava que havia um efeito favorável na suplementação em relação à PA, que necessitava de maiores estudos.

Belizán; Villar (1980) talvez tenham sido os primeiros a observar uma correlação negativa entre a ingesta de Cálcio e a incidência de pré-eclâmpsia, estudando a dieta de índios da Guatemala. Tal população, apesar de ter uma dieta pobre em proteínas , calorias e vitaminas, tinha baixa incidência da doença. O diferencial era a alta ingesta de Cálcio, advinda do consumo de tortillas que, por causa da água utilizada e do forno onde eram preparadas, tinham alta concentração de Cálcio (196 mg por 100mg do alimento), elevando o consumo diário médio do íon para 1.320 mg, mais que adequado para a gravidez de uma mulher adulta. Tais pesquisadores também observavam que países como a Colômbia e a Índia tinham baixa ingesta de Cálcio e alta incidência de pré-eclâmpsia

Frente a esta observação, Belizán et al (1983) se propuseram a suplementar o Cálcio nas dose de 1 e 2 g por dia a uma pequena população de 36 gestantes, notando menores e significativos níveis pressóricos do grupo com 2g em comparação com os demais.

Marya et al (1987) administraram 375 mg de Cálcio e 1200 UI de Vitamina D por dia a 200 gestantes, comparando o resultado em outras 200 que receberam placebo. Esses autores não conseguiram notar diminuição na incidência de pré- eclâmpsia, que foi de 6% no grupo suplementado e de 9% no grupo controle, mas puderam observar menor PA no grupo suplementado.

Villar et al (1987) também estudaram a suplementação, administrando por sua vez 1,5 g de Cálcio a 26 gestantes, comparando-as com outras 26 que receberam placebo. Com esta dose verificaram redução de 4 a 5 mmHg nas pressões sistólica e diastólica ao final da gravidez.

López-Jaramillo et al (1989) suplementaram com 2 g de Cálcio 55 nulíparas jovens da cidade de Quito, nos Andes, conseguindo notar importante diminuição na incidência de hipertensão induzida pela gravidez, que foi de 4,1% no grupo suplementado e 27,9% no grupo placebo. Esta população tinha alta prevalência de distúrbios hipertensivos na gravidez, possivelmente relacionada com a altura da

cidade, que fica nos Andes, além de ingerir uma dieta muito baixa em Cálcio, cerca de 292 mg em média.

Belizán et al (1991) realizam a primeira grande pesquisa em nível populacional, com 1194 nulíparas, das quais 593 receberam suplementação com 2 g de Cálcio a partir da 20ª semana de gravidez. A incidência de hipertensão gestacional nos grupos Cálcio e placebo foi de 7,2% e 10,7%, e a de pré-eclâmpsia, 2,6% e 3,9%, respectivamente. Adicionalmente, os autores também notaram que as mulheres com maior calciúria apresentavam menor diferença com o grupo placebo, enquanto que aqueles com menor calciúria é que se beneficiaram mais com a suplementação.

A partir dai, vários estudos se seguiram na literatura, a maioria deles confirmando os dados a favor do benefício da suplementação, situação esta confirmada por meta-análise realizada por Carroli et al (1994) e por Bucher et al (1996), este último contando com 14 trabalhos, envolvendo 2.459 mulheres, sendo notado tanto uma redução na PA sistólica de 5,4mmHg e na diastólica de 3,44 mmHg, como também menor risco para pré-eclâmpsia [OR=0,38 (IC95%: 0,22- 0,65)] nas mulheres suplementadas com Cálcio.

Entretanto, em 1997 é publicado o trabalho multicêntrico do CPEP (Calcium for Pre-Eclampsia Prevention), financiado pelo NIH (National Institute of Health) americano, que reuniu mais de 4.000 mulheres, divididas em dois grupos selecionados randomicamente para receber 2 g de Cálcio ou placebo. Os resultados foram frustrantes, sem se observar diferença significativa entre os grupos, seja para a pré-eclâmpsia, com incidências de 6,9% e 7,3% [RR=0,94 (IC95%:0,76-1,16)], seja para a hipertensão induzida pela gravidez , com incidências de 15,3 e 17,3%, para os grupos Cálcio e placebo, respectivamente.

No entanto, existiram certas críticas em relação a esse trabalho e suas conclusões. Enquanto as demais pesquisas suplementavam Cálcio para evitar um problema nutricional, em populações com baixa ingesta do íon, o estudo do CPEP fez uma intervenção farmacológica em uma população com ingesta adequada,

consumindo em média 1.130 mg de Cálcio por dia. Talvez porque o recipiente dos comprimidos fosse escuro, as mulheres do estudo tomaram apenas 64% da suplementação, com apenas 20% delas usando mais do que 90% da dose administrada.

Para ilustrar melhor esta situação, Villar; Belizán (2000) confeccionaram outro estudo de meta-análise, separando os trabalhos de acordo com a ingesta de Cálcio da população estudada. Nas populações com ingesta < 900 mg/dia, o risco relativo com a suplementação foi de 0,32 (IC95%: 0,21-0,49), contudo tal diminuição no risco não foi significativa nas populações com ingesta > 900 mg/dia [RR=0,86 (0,71-1,05)]. Assim, aparentemente a suplementação teria aplicação somente nas populações deficitárias em Cálcio e não nas demais.

Examinando melhor o comportamento nutricional da população estudada pelo CPEP, Morris et al (2001) apresentam os resultados de ingesta das 4.314 gestantes arroladas. Nota-se neste estudo que a média de ingesta de Cálcio nas pacientes com pré-eclâmpsia foi de 1.086 mg/dia, não diferindo dos 1.125 mg/dia do grupo que evoluiu normotenso. Por outro lado, a dieta continha mais sódio (4.322mg x 4.242 mg) e mais colesterol (422 mg x 384 mg) no grupo com pré-eclâmpsia do que no outro, diferenças estas significativas.

Analisando este panorama, parece-nos que ainda restam sérias dúvidas sobre a importância da nutrição na sua relação com a pré-eclâmpsia. Apesar dos bons resultados da suplementação com Cálcio e de outros estudos que analisam o papel da deficiência de certos nutrientes na gênese da doença, acreditamos que, pelo menos em nosso grupo, pelos dados apresentados, não parece haver grande interferência do estado nutricional em relação ao surgimento da doença em termos de nutrientes específicos. No entanto, isto não diminui a importância do peso e do maior aporte calórico das pacientes que evoluíram para a pré-eclâmpsia, devendo este aspecto ser melhor analisado futuramente.