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A Casa da infanta D Isabel de Lencastre e Avis (1415-1428/29)

II – Uma infanta quase rainha na corte portuguesa

3. A Casa da infanta D Isabel de Lencastre e Avis (1415-1428/29)

Não sabemos, do primitivo núcleo da casa da rainha de que Fernão Lopes nos deu conta, nem posteriormente entre os nomes que constavam no quaderno dos moradores

da corte, quais os que passaram para a casa da infanta D. Isabel, a partir de Julho de 1415. Terá havido demissão dos oficiais da casa de D. Filipa e admissão de novos funcionários? Terá havido extinção de estruturas governativas institucionalizadas quer para a domesticidade, quer para as suas terras? Não temos fontes que nos permitam avançar com qualquer tipo de resposta. No entanto, como infanta herdeira da mãe, os sectores fundamentais da sua casa continuavam ligados à domesticidade, à administração das suas terras (neste caso temos elementos para Óbidos) e, provavelmente, como para a sua mãe, ao oratório e à capela. Para serviços específicos, como a administração, era necessário pessoal especializado, embora nos seja difícil reconstruir com rigor, pela inexistência de documentação, todos quantos estiveram ao serviço da infanta D. Isabel. Assim, analisar a composição e a estruturação do séquito isabelino, devido à exiguidade dos dados não é impossível, mas ficará por certo bastante incompleto. No entanto, através de alguns documentos dispersos podemos apontar algumas das mulheres e alguns dos homens que prestaram serviço junto da infanta D. Isabel, nas mais variadas funções.

153 Como dissemos, esta concessão constituiu as arras da rainha D. Filipa, não tendo nós nenhuma

confirmação documental quanto ao facto de ela ter continuado a gozar desses dividendos após a doação das terras.

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3.1 - O pessoal do serviço doméstico da infanta D. Isabel154

Comecemos por dois nomes que nos aparecem na Crónica de Zurara, quando a rainha pedia a protecção para elas ao seu primogénito, da seguinte forma: ” (…)

encomendo Beatriz Gonçalves de Moura e Mécia Vaz, sua filha, que são mulheres que me têm servido da melhor maneira, e sabeis a conta em que sempre as tive e também vos encomendo todas as minhas outras servidoras e criadas”155. Como já vimos, ambas

estão presentes junto do leito de morte de D. Filipa, passando para a casa da infanta D. Isabel156, com certeza com as mesmas funções que haviam tido junto da rainha: Beatriz, sua aia, e Mécia, sua camareira-mor. Após a morte de D. Beatriz, o conde do Lavradio (no pequeno opúsculo que dedicou a esta função), aponta D. Catarina Teixeira157 como camareira-mor da infanta D. Isabel. Já aludimos ao facto de a camareira-mor ser considerada o topo desta construção social privada da casa da rainha (neste caso da infanta), dirigindo as damas, as donzelas, as criadas e as demais servidoras.

Através da mais recente biografia de D. João I, a sua autora aponta-nos Afonso Vasques como reposteiro-mor158 da infanta159, uma espécie de protector da casa, pois era o responsável pelos bens materiais mais valiosos da infanta e, como vimos, desde muito cedo que lhe haviam atribuído um.

Na já referida carta da infanta D. Isabel, a propósito de uma sentença sobre Montemor-o-Velho, datada de 1416, detectamos Vasco Afonso, como seu tesoureiro- mor. Do mesmo modo, através de duas das cartas enviadas ao concelho de Óbidos pela infanta D. Isabel, a primeira datada de 1425, encontramos Pedro Eanes como seu

154 As mulheres e os homens que integravam o séquito da infanta D. Isabel e que, provavelmente a

acompanhavam na itinerância da corte.

155 ZURARA, Gomes Eanes de – Ob. Cit., cap. XLII, p. 94

156 COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I, p. 143. D. Beatriz morre em 1418. A sua importância

quer na corte, quer como fundadora da linhagem dos Coutinho, era de tal ordem que o seu funeral foi um acontecimento nacional, tendo ido a sepultar junto do marido no mosteiro de Salzedas, in OLIVEIRA, Luís Filipe – Ob. Cit., p.42

157 ALMEIDA, D. Francisco de (conde do Lavradio) – As Camareiras-mores …, refere que esta senhora

era mulher de Gomes Martins de Vasconcelos, pai do conde Rui Gomes de Alvarenga, instituidor do morgadio de Torres Vedras, p. 9

158 Já aludimos às suas atribuições financeiras, na responsabilidade da guarda de objectos preciosos e das

alfaias da câmara, bem como recebedor de quantias em dinheiro e objectos dos almoxarifes, intimamente relacionado com o tesoureiro-mor (GOMES, Rita Costa - Ob. Cit., p. 26)

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despenseiro160 e, na outra de 1427, Rodrigo de Mafamede surge como seu moço de câmara161.

Através de uma carta que se encontra no ANTT162, assinada pela própria mão de D. Isabel, datada de 13 de Setembro de 1429, poucos dias antes de sair do reino para o ducado de Borgonha, encontramos referenciado Álvaro Afonso como seu escrivão da puridade.

Os cargos de oficiais da Casa da infanta, à semelhança da Casa de seu pai ou dos seus irmãos, eram considerados como “de confiança”, pelo que podiam ser “livremente tirados”163. Basicamente, à infanta D. Isabel ter-lhe-iam atribuído os mesmos oficiais,

damas e donzelas e demais serviçais, que à sua mãe, embora, à excepção dos já apresentados, não possuamos outros nomes.

Através da Chancelaria de D. Duarte164 detectámos alguns nomes e respectivas funções ao serviço da infanta D. Isabel, para quem ela, já como duquesa de Borgonha, pede a concessão de privilégios vários. Assim, vamos encontrar Martim Vicente, morador em Évora, que foi seu estribeiro. Na mesma localidade, encontramos Nuno Martins que terá sido seu servidor, sem qualquer tipo de atribuição específica. Finalmente, num outro documento aparece-nos João Rodrigues, que embora seja escudeiro de D. Duarte, terá sido criado da infanta D. Isabel.

Por seu lado, através de alguns documentos da Chancelaria de D. Afonso V (com datas da regência de D. Pedro), publicados por Sousa Viterbo165, em 1905, encontramos três nomes ao serviço da infanta D. Isabel: Pedro Eanes, João Esteves e Diogo Afonso. O primeiro é-nos apresentado como mantieiro166 da infanta, o que coincide com o mesmo nome que numa carta ao concelho de Óbidos167, datada de 1425,

160 Carta nº 3, da correspondência com o concelho de Óbidos (Anexo A – II). 161 Carta nº 6, da correspondência com o concelho de Óbidos (Anexo A - II). 162 Colecção Especial, cx. 72, mç. 26, doc. 2 (Anexo A - III).

163 HESPANHA, António Manuel – História das Instituições …, p.393

164 Chancelarias Portuguesas: D. Duarte, vol. III. Lisboa: CEH/UNL, 2002, pp. 245-246, 372-373, 450-

452.

165 VITERBO, Sousa – “Isabel de Portugal, duqueza de Borgonha. Notas documentais para a sua

biografia e para a história das relações entre Portugal e a Borgonha”. Arquivo Histórico Portuguez. Lisboa, 1905, vol. III, nºs 3 e 4, pp. 97-98

166 Segundo Rita Costa Gomes o mantieiro seria um dos funcionários da Ucharia, responsável pelo pão

cozido (não pelo seu fabrico), Ob. Cit., p. 25

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nos aparece como seu despenseiro. Para o segundo nome a função apontada é a de saquiteiro168 e, finalmente, Diogo Afonso foi seu cozinheiro. Três funções que muito têm que ver com os distintos departamentos da corte, nomeadamente, a Ucharia e a Cozinha.

Continuamos com os documentos transcritos por Sousa Viterbo, da Chancelaria de D. Afonso V, onde vamos encontrar mais quatro nomes ao serviço da infanta D. Isabel, desta feita apontados como criados169, mas que terão tido funções diferenciadas, como nos mostram as suas nomeações para cargos, após a saída da infanta do reino. Vejamos: Mem Gonçalves foi seu escudeiro; Pedro Vasques seu escrivão; Afonso Eanes seu criado, mas que vemos em 1456 a ser nomeado escrivão da câmara da vila de Sintra e seu termo, escrivão do hospital e da gafaria da mesma vila e, finalmente, tabelião do cível e do crime, igualmente de Sintra e seu termo; Lopo d’Água foi seu escrivão da câmara e da almotaçaria da Lourinhã, D. Duarte permite-lhe agir como tabelião, em 1443, o regente D. Pedro confirma a mercê e D. Afonso V, em 1451, confirma-o no lugar de escrivão dos resíduos da Lourinhã. Num outro subcapítulo deste estudo voltaremos a estas concessões de privilégios da chancelaria régia a antigos colaboradores da infanta D. Isabel, pois agora o nosso interesse vai simplesmente para a lista dos moradores ao seu serviço.

Num outro documento da chancelaria de D. Afonso V, mas em tempos da regência do tio, aparece-nos Leonor Rodrigues, que foi para o ducado de Borgonha com D. Isabel170. Como muito bem refere Sousa Viterbo, o documento não nos dá informações acerca de qual a sua função junto da duquesa. Com a documentação borgonhesa171, arriscamos a considera-la como uma das suas camareiras, já que D. Isabel lhe proporcionou três casamentos: o primeiro com um camareiro do duque, Jean Machefoing, o segundo com o português, Estevão Eanes e o terceiro com Paul

168 Segundo Rita Costa Gomes o saquiteiro estaria intimamente relacionado com o mantieiro, pois era o

responsável pela distribuição do pão cozido, Ob. Cit., p. 25

169 Sobre esta expressão diz-nos Rita Costa Gomes não saber ao certo “qual o espectro de situações

concretas a que aludem, no interior da sociedade cortesã”. No entanto, para a época, criado era

considerado um individuo da criação do rei. E mais acrescenta a referida autora “(…) o epíteto de «criado» acumulável com uma enorme variedade de situações, quanto à ocupação cortesã dos indivíduos e, até, à sua condição social – tanto se aplica aos membros dos mais elevados estratos da nobreza como a eclesiásticos ou a modestos servidores do rei”. Ob. Cit., p. 180. Podemos aplicar a situação à infanta D.

Isabel.

170 VITERBO, Sousa – “Isabel de Portugal, duqueza de Borgonha …”, p. 89 171 Portugal et Bourgogne au XV siècle, pp. 121-122

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Deschamps, que havia sido secretário do duque e depois da própria duquesa, demonstrando assim que a importância de Leonor junto de D. Isabel não devia ser pouca, acabando mesmo o duque Filipe por ser padrinho de um dos filhos do casal. É de supor que Leonor Rodrigues já desempenhasse a função de camareira na corte portuguesa.

Também a sua ama-de-leite Mór Gonçalves parece ter estado desde sempre ao seu serviço. Segundo Sousa Viterbo172, terá permanecido na corte mesmo após a sua criação, embora, como já o referimos, o seu nome não conste no citado quaderno dos

moradores da corte, o que nos pode levar a colocar a hipótese de ela, depois da criação da infanta, ter regressado à sua terra (provavelmente era originária de Évora, onde havia nascido D. Isabel) e só terá voltado à corte após a morte da rainha D. Filipa. O certo é que, a pedido da infanta D. Isabel, já como duquesa de Borgonha, D. Duarte lhe faz várias mercês, todas confirmadas na regência de D. Pedro, o mesmo acontecendo com seu único filho, Lopo Gonçalves, colaço da infanta e que foi corregedor de Lisboa. As mercês que Mór obtém da coroa portuguesa situam-se em Évora, como a tença sobre a portagem desta cidade. O relacionamento entre ambas terá sido tão intenso que na hora de partir para a Flandres Mór não hesitou em acompanhar a infanta (embora fosse casada), onde acabou por morrer, em data incerta, ainda que estivesse viva em Março de 1442173. Ficou sepultada na igreja de S. Domingos, em Bruges.

Um outro nome há da maior importância para a história eclesiástica e da cultura em Portugal desta época, apontado como natural de Lisboa, filho de pais nobres mas não abastados que se terá “criado em casa da infanta D. Isabel, filha del Rey D. João I,

duquesa de Borgonha e a serviu de menino e ao depoes de escudeiro …; do serviço da Infanta passou a militar em Itália; e lá tocado de superior impulso tomou o habito de N. P. S. Bento na cidade de Florença (…)”174. Falamos de Estevão de Aguiar, que deu os

primeiros passos na corte como pajem e depois escudeiro da infanta Isabel e que, por várias opções que foi fazendo ao longo da vida, chegou a abade de Alcobaça entre 1431

172 VITERBO, Sousa – Ob. Cit., pp. 83-86.

173 Portugal et Bourgogne au XV siècle, p. 321. A existência de uma doação (um cofre) à sua “mãe de

leite”, Mires de Gonsalves, por parte da duquesa D. Isabel, datada de “antes de 8 de Março de 1442”.

174Monumenta Henricina, vol. III, doc. 61, pp. 117-118, n. r. 1: estas informações foram retiradas de Fr.

Manuel dos Santos e da sua obra “Alcobaça Illustrada”; NASCIMENTO, Aires A. – “Novos Fragmentos

de textos portugueses medievais descobertos na Torre do Tombo: horizontes de uma cultura integrada”,

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e 1440 (teve uma acção notável de favorecimento do livro nesta abadia cisterciense), tendo também frequentado o círculo de letrados de D. Duarte175. A ele voltaremos quando abordarmos o interesse que D. Isabel demonstrará pela reforma religiosa em terras portuguesas.

Finalmente, e embora não tenhamos conseguido qualquer documento ou estudo mais completo que o demonstre, é provável que D. Álvaro Gonçalves de Abreu, que foi bispo de Lamego, Silves e de Évora, fosse o capelão da infanta D. Isabel176.

Quadro nº 1

Pessoal ao serviço da infanta D. Isabel entre 1397 e 1429

FUNÇÃO NOME

Ama (de leite) Mór Gonçalves

Camareira-mor Beatriz Gonçalves de Moura Mécia Vasques Coutinho Catarina Teixeira

Amo Pedro Eanes

Cozinheiro Diogo Afonso

Despenseiro/mantieiro Pedro Eanes Camareira (donzela) Leonor Rodrigues Escrivão Lopo d’Água Pedro Vasques Escrivão da puridade Álvaro Afonso Escudeiro Estevão de Aguiar Mem Gonçalves

Estribeiro Martim Vicente

Moço de câmara Rodrigo de Mafamede

175 NASCIMENTO, Aires A. – “Novos Fragmentos de textos portugueses medievais …”, p. 12

176 É esta a opinião de LEMAIRE, Claudine e HENRY, Michèle – Catalogue Isabelle de Portugal,

Duchesse de Bourgogne, 1397/1471, Bruxelles: Bibliothèque royale Albert I, 1991, p. 31. Foi bispo de Lamego entre 1419 e 1421; de Silves entre 25 de Maio de 1421 e 11 de Fevereiro de 1429, altura em que se tornou bispo de Évora.

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Reposteiro-mor Afonso Vasques

Saquiteiro João Esteves

Tesoureiro-mor Vasco Afonso

Criado Afonso Eanes João Rodrigues

Servidor Nuno Martins

Ouvidor Gonçalo Eanes

Será que existiu alguma influência da corte avisina na estruturação, composição e funcionamento da Casa da infanta D. Isabel? O mais certo é que a resposta seja afirmativa, embora os dados disponíveis não nos permitam ir mais longe. Segunda a autora que estudou a casa das rainhas para os séculos XVII e XVIII, “entrar” ao

serviço da Casa tinha um significado muito especial: o reconhecimento social desde os mais humildes aos mais nobres. Ser “criado e morador”, no caso de D. Isabel, da Casa

da infanta, quando outra mulher da mesma linhagem e do mesmo estatuto era inexistente na corte portuguesa, “era, só por si, estatuto almejado”177.

Quadro nº 2

Funcionários senhoriais ao serviço da infanta D. Isabel

DATA NOME FUNÇÃO LOCAL

1416 Afonso Fernandes Vasco Afonso Pedro Afonso Gil Vasques Almoxarife Tesoureiro-mor Funcionário do almoxarifado Tabelião Montemor-o-Velho Torres Vedras

1419 João do Porto Escrivão Lisboa

177 LOURENÇO, Maria Paula Marçal – Casa, Corte e Património das Rainhas (1640-1754). Poderes,

Instituições e Relações Sociais, quatro volumes. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1999 (tese de doutoramento policopiada), p.889.

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1426

Vasco (?) Afonso João Valdez

Tesoureiro-mor

Escrivão da infanta Lisboa 1429 Álvaro Afonso Escrivão da puridade Lisboa

Não estando, por certo, completa esta lista de servidores, ela foi a “reconstrução” possível tendo em conta a escassez das fontes para a casa da infanta D. Isabel. A “generosa” atribuição de mercês, privilégios, regalias, benesses e isenções aos que estiveram ao seu serviço será uma realidade solicitada pela própria já em terras borgonhesas, aos irmãos D. Duarte e D. Pedro e ao sobrinho D. Afonso V. A protecção aos seus foi algo que a infanta D. Isabel não descurou mesmo longe da sua terra natal. Por outro lado, os que a acompanharam e por lá permaneceram, não foram menos agraciados: muitos com altos cargos, outros contraindo honrosos casamentos, criando laços de vária ordem e afirmando a sua identidade, à volta da duquesa.

3.2 – A infanta D. Isabel como senhora-donatária de Óbidos (1415/1428)

Apesar de termos constatado que, infelizmente, apenas chegou até nós um dos livros do Tombo de entre as seis localidades das terras da infanta, podemos de algum modo analisar a sua acção como senhora das terras de Óbidos, pois incluído no já citado “Tombo do Concelho” encontramos um “Livro de cartas”178, onde há seis missivas

enviadas pela própria infanta D. Isabel179, e ainda nove traslados em prubica forma180,

para que documentos mais antigos não se perdessem, obrigando ao seu registo no livro do tombo do concelho de Óbidos, “porquanto se podiam perder e o dicto conçelho

178“Livro das cartas e privylegios que o Concelho há e que som lançados na arca do dicto Concelho de

que Stevam Lourenço tem hua chaue”.

179 Não são originais, mas sim traslados.

180 Um da Chancelaria de D. Fernando; três de sentenças do próprio concelho; quatro da Chancelaria de

D. João I, e finalmente um da rainha D. Filipa de Lencastre, datado de 1401. Quanto a este último, o seu conteúdo é o seguinte: obriga a que todos os moradores da dita vila e do seu termo, independentemente de terem certos privilégios (besteiros de cavalo e do conto, monteiros, caseiros, clérigos, escudeiros e cavaleiros) sejam obrigados a ajudarem nas obras de reconstrução de pontes, fontes e calçadas, após umas grandes cheias que na dita vila aconteceram, pois são obras piedosas. Assim, e após uma queixa da parte dos vereadores e dos homens-bons de Óbidos, informando que os grupos privilegiados as não queriam fazer e que dessa forma não havia gente suficiente para as levar a cabo, a rainha obriga a que o serviço de

adúa (anúduva) seja feito por todos, independentemente do privilégio que constava no foral da vila (fl.19r).

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perder o seu direito” (documento da chancelaria do seu tio, o rei D. Fernando181), ou ainda “porquanto a dicta carta andava per fora quando compria por alguas cousas que

perteeçiam ao dito concelho e andando asy fora se podia perder e seria gram prejuízo ao dicto concelho” (carta da chancelaria de seu pai), e finalmente “porquanto a dicta carta era escripta em papel e se podia perder e porque era prol cumonall a todos e que andava per muytas maãs” (carta da rainha sua mãe182). Assinalamos desta forma uma

preocupação constante e responsável da parte da infanta, em preservar os documentos valiosos para o concelho e para as suas donatárias, evitando a sua perda ou deterioração, valorizando e conservando a memória e o património, numa época em que as ameaças poderiam vir de um vasto grupo de interessados, como o próprio rei ou municípios vizinhos.

3.2.1 - A correspondência com o concelho de Óbidos183

Como assinala Manuela Santos Silva, entre a data de concessão dos vários senhorios à infanta D. Isabel e a primeira carta (que conhecemos) dirigida “à sua vila de Óbidos”, passaram oito anos184. Só a partir de 1423 é que comprovamos uma troca de

correspondência entre a edilidade obidense e a sua donatária, com um total de seis cartas enviadas entre Fevereiro de 1423 e Dezembro de 1427. Não alvitramos qualquer hipótese para este início tardio de relacionamento com Óbidos, até porque como já assinalámos, houve um relacionamento bastante precoce com Montemor-o-Velho, logo em 1416 e com Alenquer, em 1419 (como veremos mais adiante) e embora não possuindo qualquer outra correspondência com os restantes concelhos, nada nos diz que com eles a relação não possa ter sido mais precoce.

Se a infanta D. Isabel se dirigiu a Óbidos por seis vezes, durante cinco anos, porque não o terá feito para os outros cinco concelhos, o mesmo número de vezes ou até mais, se fossem concelhos problemáticos? E com as outras localidades, como sabemos se foi tão tardio esse relacionamento? Perguntas às quais infelizmente não pudemos dar

181 Tombo do Concelho de Óbidos, fl. 16v 182 Idem, fls. 18v e 19r

183 As seis cartas serão apresentadas na integra, no Anexo A-II, como “Correspondência com o concelho

de Óbidos”, cuja transcrição, já referimos, é da autoria de Ana Filipa Roldão.

184 SILVA, Manuela Santos – “Óbidos, terra que foi da Rainha D. Filipa (O senhorio de Óbidos de 1415 a

1428) ”. A região de Óbidos na época medieval (Estudos). Óbidos: Colecção PH-Estudos e Documentos, 1994, p. 96

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resposta. O certo é que para Montemor-o-Velho houve uma intervenção pouco tempo depois da infanta ter tomado posse da sua doação, ao contrário de Óbidos, onde ela se deu apenas oito anos depois.

Não é nosso propósito analisar exaustivamente o conteúdo das seis cartas que a infanta D. Isabel enviou ao concelho de Óbidos, um dos seus domínios senhoriais. No entanto, é importante que delas façamos uma síntese até para nos apercebermos do tipo de problemas que o concelho lhe colocava e ela tinha de resolver, bem como o tipo de vocabulário utilizado, que nos pode dar uma perspectiva da sua personalidade.

Carta 1

1423 Fevereiro 3, Santarém185

Infanta D. Isabel à sua vila de Óbidos

Carta retirando todo o poder jurisdicional ao corregedor186, João Mendes187. Ficava o concelho proibido de cumprir quaisquer posturas, ordenações e sentenças emanadas dele. A vila só devia ter em conta as cartas ou alvarás dela ou do seu ouvidor, já que a jurisdição era sua188.

Sentimo-nos tentados a considerar um certo desafio à autoridade do seu pai, quando proíbe a acção do corregedor, nomeado por ele. O corregedor era o cargo de maior importância, escolhido pelo próprio rei, para determinados concelhos inseridos

185 Considerámos interessante saber se nas localidades de onde a infanta D. Isabel emanava a sua

correspondência estaria acompanhada pelo pai. Poderíamos, desta forma, ter uma ideia da eventual “contaminação” entre a casa da infanta e a corte régia. Será que o pai de alguma maneira exercia influência sobre as suas decisões? Provavelmente não temos resposta, mas ficamos com a ideia da