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O contrato de casamento

No documento De infanta de Portugal a duquesa de Borgonha (páginas 126-128)

III – Um casamento tardio com um dos homens mais ricos e influentes da Europa

5. O contrato de casamento

Finalmente a 4 de Junho, o escudeiro Pierre de Vauldrey é recebido por D. João I, no Paço de Sintra, trazendo consigo as cartas413, com a data de 5 de Maio414, assinadas e seladas pelo duque Filipe, na igreja de S. Salvador em Bruges, junto do seu chanceler Nicolas Rolin, do seu conselheiro João de Luxemburgo e do seu recebedor geral Guy Guilbaut. Na procuração o duque renovou os plenos poderes aos seus representantes: Bauduin de Lannoy, Andry de Thoulongeon, Gilles d’Escornaix e Jehan Hibert, designando Jean de Roubais como porta-voz e habilitando-o em seu nome a aceitar solenemente «por palavras de futuro» (equivale a uma promessa de casamento) e «por palavras de presente» (forma pela qual o casamento era imediatamente contratado), a infanta D. Isabel, tratada por Elisabeth como será frequente nos documentos da época. Os representantes do duque receberam a autorização final de determinar todas as condições financeiras do contrato de casamento, que ficou concluído a 11 de Junho de 1429415.

A escritura do contrato de casamento foi assinada em Lisboa, perante Filipe Afonso, notário régio, com data de 23 de Julho, levando a infanta, desta vez tratada por Helisabeth, outra das formas medievais para Isabel, o avultado dote de 154.000 coroas de ouro tornezas416 (250.000 dobras). Não queremos deixar de destacar alguns pontos

413 Um dos documentos é a procuração do duque de Borgonha que dá plenos poderes “a três ou quatro

dos seus representantes para tratarem de tudo”. ANTT, Gaveta 17, mç. 3-3. Publicado em As Gavetas da Torre do Tombo, vol. VI. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1967, pp. 682-685.

414 Três dias depois, o exército francês, tendo à frente a jovem Joana d’Arc, toma Orleães.

415 Este contrato de casamento, escrito em latim, está traduzido para o português actual, por Aires A. do

Nascimento em Princesas de Portugal. Contratos matrimoniais dos séculos XV e XVI, pp. 37 a 57. Segundo o costume da época, cada uma das partes contratadas recebia o original, selado e executado pela outra. A acta, munida dum selo de chumbo do rei de Portugal e assinada pelo próprio e pelo seu filho D. Duarte, encontra-se em Lille, e a acta assinada por Filipe, o Bom encontra-se em Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, gaveta 17, mç. 1-3.

416 Referentes à cidade de Tournai, por serem as de ouro mais puro, em termos de peso e liga, sendo

cunhadas na fábrica da referida cidade. Esta quantia era pouco inferior aos gastos da expedição a Ceuta (280.000 dobras) e três vezes superior às despesas feitas com o matrimónio de D. Duarte. Nenhum outro encargo do Tesouro Público, no reinado de D. João I, atingiu tamanha dimensão. Voltaremos ao assunto mais adiante.

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deste contrato, referindo desde já um item do texto que pensamos ser provavelmente uma exigência da própria infanta. Aproximando-se este documento do seu final, foi escrito o seguinte: “(…) deu e concedeu [D. João I] à mesma senhora Infanta plena e

livre autoridade e faculdade nesta questão assim como por esta forma era tido fazer o tratado. Esta senhora Infanta, como é indicado, autorizada e recebendo para si a dita autoridade e lidos e a ela convenientemente expostos os capítulos acima escritos, teve- os ela por bem notados, reconhecidos e entendidos, sem assédio nem engano mas sobre isto bem avisada e aconselhada, como dizia, não por força ou violência mas de sua espontânea vontade, na presença e com o acordo, para o efeito, dos ilustríssimos príncipes, Dom Duarte, primogénito, e Dom Henrique, Dom João e Dom Fernando, irmãos consanguíneos da mesma senhora Infanta (…). Assentiu, aprovou e ratificou, e a umas e a outras estabeleceu, concluiu, acordou e firmou (…)417

.Uma alusão clara à vontade expressa e à consciência plena da infanta D. Isabel no seu próprio casamento, bem assim como o esclarecimento total do seu conteúdo e da sua escritura, já que estamos perante uma mulher madura, familiarizada com inúmeros e variados documentos administrativos, com o direito e o dever de participar activamente no conteúdo do seu contrato de casamento, como depois fará na Borgonha, com alguns contratos de casamento que ela própria promoverá. Destacamos, pois, outros pormenores desse contrato:

- Das 154 mil coroas de ouro do dote, 100 mil seriam pagas nos esponsais em Bruges, as restantes até um ano depois;

- A expensas de D. João I ficariam, a viagem para a Flandres (com tudo o que era necessário para que se realizasse com êxito e comodamente), bem como o enxoval que consistia na baixela de prata e outras jóias e ornamentos418;

- A responsabilidade do duque de Borgonha consistia em pôr casa a D. Isabel; nomear- lhe oficiais para seu serviço; manter a casa da duquesa à custa da sua própria fazenda; doar a D. Isabel, enquanto vivesse, 12.320 coroas de ouro anuais; doar-lhe todos os direitos sobre outros senhorios ou terras adquiridas depois de contraído o matrimónio;

417 Princesas de Portugal. Contratos Matrimoniais dos séculos XV e XVI, p.57

418 Não possuímos qualquer inventário com a descrição do enxoval que a infanta D. Isabel levou para a

sua nova morada. Na Chancelaria do seu irmão, para o ano do seu casamento, possuímos uma série de gastos efectuados com diversos tecidos importados e que bem podiam ter servido para executar vestidos para o casamento e para o enxoval, bem como um avultado número de arcas, para o transporte do mesmo. Mas é uma mera suposição. Chancelarias Portuguesas: D. Duarte, vol. II, pp. 66-69

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considerar a infanta por natural e cidadã da Pátria e de seus senhorios e não por estrangeira, para que pudesse gozar de todos os privilégios e liberdades e assim ficasse idónea, capaz e hábil para receber em si todos os bens de raiz, cidades, castelos e outros senhorios e feudos no ducado de Borgonha e no condado de Flandres; no caso de ficar viúva, tudo o que a duquesa possuísse seria seu, além das suas arras, que eram de 77 mil coroas: 1/3 podia deixar em testamento, os restantes 2/3, caso não tivesse descendência, revertiam para El-rei seu pai419.

No dia seguinte, 24 de Julho confirma-se este tratado de casamento através de um auto de esponsais420, um instrumento que basicamente é um “recebimento de casamento” que leva a assinatura de várias testemunhas. Do lado português encontramos quatro membros da corte de D. João I: o Conselheiro real, Dr. Martim do Sem421, o Chanceler-mor Gil Martins, o Dr. Diogo Martins e o Corregedor da corte João Mendes; do lado borgonhês, Pierre de Vaudrey e Ector Sacquespee, e ainda dois mercadores genoveses, Carlo Morisi e António Moraboto.

No documento De infanta de Portugal a duquesa de Borgonha (páginas 126-128)