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A centralização e o intervencionismo

O paulatino processo de centralização e de intervencionismo estatal que se tornou bastante visível no pós 1930 teve por base uma série de necessidades imediatas, tais como: a de responder rapidamente à crise econômica e diminuir a sua intensidade; a de acolher novos grupos sociais no aparelho de Estado; a de pacificar o país após um conflito armado de grandes proporções; a de responder a problemas de ordem política, como o Movimento paulista, e “natural”, como a seca nordestina, ambos de 1932; e, até mesmo, a de alcançar maior legitimidade política46. Entendemos, contudo, que o fator fundamental, quiçá o mais importante, tenha sido o objetivo de impulsionar um novo tipo de desenvolvimento no Brasil, calcado na industrialização e no mercado interno.

É verdade que várias interpretações acerca do período em questão ressaltam a inexistência de uma ação deliberada por parte do novo governo em fomentar a industrialização no país, afirmando que a participação da indústria e do mercado interno na recuperação econômica, ocorrida a partir de 1933, ocorreu de forma inconsciente, muito mais como subproduto da política de defesa do café, que era a verdadeira preocupação do início do governo. Isso é o que, por exemplo, encontramos na clássica análise de Celso Furtado que, embora reconhecendo a importância da política anticíclica para o “deslocamento do centro

dinâmico” da economia nacional, afirma:

“... a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza- se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,

inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha

sequer preconizado em qualquer dos países industrializados. [...] Explica-se, assim, que já em 1933 tenha recomeçado a crescer a renda nacional no Brasil [...]. O impulso de que necessitava a economia para crescer já havia sido recuperado. É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa

dos interesses cafeeiros..”47

Esta interpretação é corroborada, ainda, por outras que afirmam que o governo procurava praticar, de início, políticas econômicas ortodoxas, que só foram abandonadas devido às crises do ano de 1932 – movimento constitucionalista paulista e a grande seca nordestina; que o governo não representava interesses industrialistas, pelo contrário, estava voltado a atender os interesses dos setores exportadores e que mudanças nesses

46 Ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p.187 e NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 26 47 FURTADO, Celso. Op. cit., p. 205 e 206

encaminhamentos só podem ser observadas a partir de 1935, sob o efeito do aprofundamento das disputas entre os blocos imperialistas. Como podemos observar abaixo:

“A política econômica seguida [...]. Procurou sempre o equilíbrio orçamentário, reduzindo despesas; adotou a contração dos meios de pagamento como remédio à depressão, e conteve a desvalorização cambial [...]. Não fosse a ocorrência de eventos inesperados que fizeram aumentar grandemente a despesa do governo em 1932, talvez os efeitos da Grande Depressão tivessem sido mais profundos no Brasil.

A partir de 1933, a ênfase da política econômica voltou a ser colocada sobre o equilíbrio orçamentário e estabilidade monetária e cambial” 48.

“O Governo provisório, a exemplo de outros governos, procurou enfrentar a crise implementando uma política que visava ao equilíbrio na contas públicas, a estabilização do câmbio e a contenção da base monetária. Ou seja, de início, o governo Vargas procurou seguir as receitas da ortodoxia econômica 49.

Entretanto, em 1934 observam-se indícios de uma mudança na postura do governo Vargas no tratamento das contas externas. Nesse ano, foi celebrado um novo acordo acerca da dívida externa, o chamado “esquema Aranha”[...]. Apesar das mudanças representadas pelo esquema Aranha, as medidas referentes ao câmbio e á dívida externa sugerem que Vargas, nessa época, ainda não apostava na industrialização como uma possibilidade de desenvolvimento para o país. Parece que o governo acreditava que a superação da crise e o futuro do Brasil dependiam sobretudo da sorte das exportações de produtos primários” 50.

“Enfim, até meados dos anos 30, a política econômica do governo brasileiro, particularmente a política econômica externa, não expressava um projeto industrializante. Mudanças nesse sentido só seriam observadas, de forma mais nítida, a partir de 1935, quando por um lado, aprofundaram-se a disputas entre os blocos imperialistas e, por outro, as profundas transformações econômicas e sociais em curso na sociedade brasileira se fizeram mais visíveis. A partir desse momento, nota-se a necessidade de o Brasil desenvolver suas indústrias”51.

Nas afirmações acima, encontra-se expressa a visão de que o desenvolvimento industrial decorreu de situações objetivas, muitas vezes originárias de desequilíbrios ou de situações externas adversas, que não demonstram nenhuma intencionalidade do novo governo, instituído no pós 1930, em favorecer o deslanche industrial, pelo menos até 1937, quando a partir do golpe de Estado se instala o Estado Novo. Essa visão, entretanto, é criticada por outros analistas do período.

Para Francisco de Oliveira, o Estado brasileiro, a partir do momento que nos ocupa, foi “capturado” por uma burguesia industrial, “levando-o a implementar sistematicamente

48 SUZIGAN, Wilson; VILLELA, Annibal V. Política do governo e crescimento da economia brasileira

(1889-1945). Rio de Janeiro: IPEA, 1973, p. 47 e 51

49 CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. São Paulo: UNESP/FAPESP, 2000, p. 38

50 CORSI, Francisco Luiz . op. cit., p. 44 e 45 51 CORSI, Francisco Luiz . op. cit., p. 49

políticas econômicas cujos objetivos eram o reforço da acumulação industrial e cujos resultados, em grau surpreendente, corresponderam àqueles objetivos” 52.

Theotônio dos Santos compreende o desenvolvimento industrial do pós 1930 como resultado de ações levadas a cabo por uma liderança industrialista capaz de pressionar o Estado no sentido do alcance de seus interesses, ou seja, o da implementação de um capitalismo industrial no Brasil, ainda que dependente: “a realidade é que nesse período

tomaram-se todas as medidas que permitiram a uma burguesia dependente criar as bases de uma nova sociedade industrial” 53. Segundo o autor, posições opostas a esse ponto de vista se baseiam em dois grandes erros de interpretativos: o primeiro é o de não perceber que a liderança da burguesia industrial lutava contra o liberalismo que impedia o seu desenvolvimento; o segundo é o de não se atentar para o fato de que, embora a burguesia industrial não demonstrasse como um todo uma clara consciência de seus objetivos, Vargas, Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi conseguiram liderar a classe, criando um aparelho institucional capaz de dar-lhe representação, inclusive ao pequeno e médio industriais: “a elite

industrial brasileira soube mobilizar com grande sutileza a sua classe em defesa dos seus interesses e manipulou muito bem o Estado e as debilidades das outras classes, sobretudo depois de 1937” 54.

Uma crítica mais direta àquelas concepções anteriores pode ser observada em Pedro Cezar Dutra da Fonseca55. Esse autor defende a intencionalidade da política industrializante conduzida pelo Estado no pós 1930, a partir da análise das instituições criadas no período. Afirma que a não identificação dessa intencionalidade, pelas interpretações que vêm o desenvolvimento industrial como subproduto ou reflexo inconsciente e imediato da política de proteção ao setor cafeeiro e que enfatizam a prática de políticas econômicas ortodoxas pelo Governo Vargas56, deve-se ao fato de que essas teses enfocam a política instrumental do

52 OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste, planejamento e conflito de classes. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 83

53 SANTOS, Theotônio dos. Evolução Histórica do Brasil: da Colônia à crise da “Nova República”. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 50.

54 SANTOS, Theotônio dos. op. cit., 51.

55 FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. Sobre a intencionalidade da política industrializante do Brasil na

década de 1930. Revista de Economia Política, volume 23, no. 1 (89), janeiro-março de 2003. São Paulo: Editora 34, p. 133 a 148.

56 Em seu texto, o autor comenta as interpretações de Celso Furtado. Entretanto, suas observações podem também ser dirigidas a outros autores, uma vez que o mesmo critica a tentativa de se compreender a ação do Estado por meio, apenas, de políticas instrumentais (políticas cambiais, monetárias e fiscais), que são políticas próprias e inerentes a objetivos imediatos de estabilização econômica e, por isso, não são as mais apropriadas para se perceber intencionalidades que se realizam no longo prazo.

governo (políticas cambiais, monetárias e fiscais) e que tais políticas não são as mais apropriadas para se perceber intencionalidades:

“Entende-se que, se nem sempre estas políticas instrumentais são capazes de evidenciar intencionalidades, dificultando que de sua formulação ou execução se possam depreender claramente as intenções de seus formuladores, o mesmo não ocorre com instituições criadas, extintas ou alteradas. O exame destas pode mostrar-se valioso metodologicamente ao permitir, com maior facilidade e precisão, que sejam empiricamente reveladas intenções, planos e projetos, porquanto em geral resultam de atos deliberados, que precisam ser materialmente expressos não só “fisicamente” (caso de órgãos, institutos, ministérios, associações), como pela escrita (caso de leis, códigos e alguns símbolos) ou pela linguagem oral (caso de discursos e entrevistas, por exemplo)” 57.

Aplicando uma visão ampla e histórica ao conceito de instituição, associando o mesmo a “estruturas, organizações ou conjunto de leis, abarcando, portanto, por exemplo, a moeda,

o sistema jurídico, as corporações, o sistema financeiro e os organismos econômicos internacionais” 58, o autor conclui que uma observação detalhada sobre o conjunto de instituições criadas no primeiro governo Vargas, desde o seu início, não deixa dúvidas de que esse governo procurou intencionalmente criar as condições para o desenvolvimento de um capitalismo industrial no Brasil, que teria por sua base de realização o seu mercado interno. Embora ressaltando que se é verdade que esse projeto não nasceu pronto e acabado logo após a Revolução de 1930 foi se fortalecendo ao longo dessa década e, mais ainda, durante o Estado Novo.

Afirma que várias leis, órgãos, ministérios institutos que visavam ao longo prazo tinham por fim, direta ou indiretamente, o favorecimento consciente da industrialização no país:

“[...] a industrialização brasileira na década de 1930 não pode ser reduzida a mero subproduto da defesa dos interesses cafeeiros, ou da política de valorização do café. Ao centrar-se nas políticas econômicas instrumentais – monetária, cambial e fiscal – Furtado não explorou a ação estatal em um sentido mais amplo, englobando a criação e/ou alteração de leis, códigos, órgãos ministérios, regulamentação de relações de propriedade, enfim, toda uma rede que pressupõe regras, normas e comportamentos que passaram a caracterizar toda uma época, em fim, instituições, que revelam a consciência e a intencionalidade do governo de direcionar a economia para o mercado interno, sob a liderança do setor industria" 59.

Assim, embora existam correntes que compreenderam o período inicial do primeiro governo Vargas como um período no qual não havia um claro projeto e uma tendência industrializante, é possível, inversamente, notar a existência de uma outra tradição de pensamento, que observa nesse governo a preocupação em reorientar a economia e dar curso,

57 FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 134 58 FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 135 59 FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 147

via maior aparelhamento estatal, a um processo de construção de um padrão de acumulação urbano e industrial, sustentado em seu mercado interno.

O fato de algumas interpretações enfatizarem a prática de uma política econômica ortodoxa e a inexistência de objetivos industrializantes nos períodos iniciais do primeiro Governo Vargas relaciona-se, no nosso entendimento, fundamentalmente, a duas questões: as características do conflito armado que conduziu Vargas à Presidência da República e a subestimação do impacto das crises econômicas e políticas do período sobre as ações do governo em seus primeiros anos.

Se é verdade, como foi dito anteriormente, que a Revolução de 1930, não representou um movimento classista de tomada do poder por parte da Burguesia Industrial, isso não quer dizer que a mesma se alijou do processo após a definição do resultado do conflito armado. A inexistência de uma clara hegemonia política entre as classes e frações de classes gerou uma situação na qual o Estado passou a ser um palco de disputas entre diferentes grupos, que expressavam diferentes modelos de desenvolvimento para o país60.

Assim, o fato da burguesia industrial não ter se comportado como um agente destacado na luta pela tomada do poder não impediu que esta fosse se infiltrando no aparelho de Estado, chegando a ocupar cargos chaves na composição do novo governo. É indubitável que, no contraditório e complexo processo que se seguiu à instauração do novo governo, os grupos ligados à indústria e à produção para o mercado interno se organizaram61, alcançaram algumas vitórias e conseguiram fazer valer seus interesses.

Por isso, a tendência industrializante, que o Estado passou a encampar não quer dizer que o mesmo assumiu características clarividentes e todo-poderosas. As disputas e os conflitos de interesses que se estabeleceram no seu interior impuseram a necessidade de que as medidas a serem tomadas fossem constantemente negociadas e regulamentadas. Disso decorreu, a necessidade, também, de seu maior aparelhamento mediante a criação de instâncias burocráticas voltadas a administrar interesses conflitantes.

60 Ver DRAIBE, Sônia Mirian. Rumos e metamorfoses: as alternativas de industrialização no Brasil, 1930-

1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 50.

61 Como exemplo disso podemos indicar a organização do empresariado industrial em uma série de associações e a participação de lideranças industriais em diferentes instancias de poder e governamentais. Stanley Stein observa que, já em 1.931, os industriais Jorge Street e Manuel Guilherme da Silveira ocuparam importantes cargos no governo: no Banco do Brasil e na Divisão de Indústria do Ministério do Trabalho, respectivamente. Ver STEIN, Stanley. Origens e evolução das indústrias têxteis no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 140.

Tal situação torna-se ainda mais evidente se contextualizarmos as disputas que ocorriam: estas se davam num momento de grave crise econômica, cuja magnitude obrigou ao governo a definir instrumentos e encaminhamentos destinados a domesticá-la e a impedir o seu aprofundamento. Nesse sentido, é compreensível que, primeiramente, se pensasse e se implementassem medidas de estabilização de curto prazo. Isso, associado à tensão política existente, dificultava que as ações tomadas tivessem um encaminhamento linear, caracterizando-se, muitas vezes, por uma série de “idas e vindas” e obrigando Vargas a ter um comportamento extremamente conciliatório. É normal, portanto, que uma grande quantidade de medidas, algumas até mesmo inócuas e desconexas, tenham sido apresentadas, enquanto outras foram postergadas, à espera de uma maior definição das classes e alianças de classes que se estabeleceriam no controle do Estado e na definição dos rumos impressos à economia62.

Em relação ao próprio Vargas, se é verdade que o seu comportamento era o de não se antecipar aos conflitos, aguardar os resultados e somente tomar um encaminhamento quando o rumo já tivesse se definido, não é menos verdade que é possível afirmar que o mesmo também era adepto de um projeto industrializante para o país calcado em seu mercado interno e conduzido por um Estado interventor. Devemos lembrar que, apesar de ser originário de uma família de estancieiros sulistas, sua carreira intelectual e política esteve ligada ao Positivismo gaúcho. Na teoria positivista encontramos uma forte identificação entre modernização, diversificação econômica e industrialização e, ainda, uma ênfase no Estado como agente harmonizador da sociedade e condutor do progresso, sempre identificado com a industrialização. Por outro lado, o Rio Grande do Sul era um estado tradicionalmente voltado para a produção destinada ao mercado interno, não é por acaso que os sulistas, da geração de Vargas, advogavam constantemente a revogação dos obstáculos que impediam a unificação do mercado nacional.

Tal avaliação da posição de Vargas é corroborada pelo depoimento de sua sobrinha, a socióloga Celina Vargas, a seguir transcrito, citando o caderno de anotações introdutório do Diário de Vargas:

“Getúlio tinha um projeto nacional. Um projeto nítido, claro, que foi colocado no programa da Aliança Liberal, em textos manuscritos deles e que até hoje não foram divulgados. Estavam num caderno introdutório do diário que nos convencionamos não divulgar para não tirar a unidade do diário. Nesses textos, ele coloca muito

62 Ver CAMARGO, Aspásia A. A questão agrária: crise de poder e reformas de base (1930-1964), In FAUSTO, Bóris (org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1981, t. III, vol. 3, p. 128.

claramente a sua importância, num programa de governo que deveria fortalecer o mercado interno do país. Getúlio era gaúcho, Getúlio via o país do pampa, vamos dizer assim, de trás para frente. Dos rios para o mar, e não do mar para o interior. É uma visão completamente diferente do Brasil. Acho que foi com essa visão e com conjunto de pessoas que vieram com ele – Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e João Neves da Fontoura que eram homens altamente preparados intelectualmente e tinham um modelo de país que foi institucionalizado nesses 15 anos. Então, havia a necessidade de fortalecer o mercado interno, a necessidade de capitalizar o Estado, para que você pudesse intervir na economia – foi o período do capitalismo de Estado, como diz o professor Hélio Jaguaribe. Quando foi possível tomar medidas de sustentação, de passagem de uma economia agrícola para uma economia industrial [...] “63.

Se, em relação aos períodos iniciais do primeiro governo Vargas, existem divergências acerca do caráter industrializante da ação dos novos dirigentes do Estado brasileiro e do seu compromisso com a construção de uma nova ordem capitalista no Brasil, sustentada pelo seu mercado interno, em relação ao período do Estado Novo estas divergências praticamente se dissipam. É praticamente consenso que, a partir desse momento, a direção imposta aos assuntos econômicos se encaminhava no rumo da industrialização, a partir da ampliação da centralização política e da capacidade de intervenção do Estado, sob forte nacionalismo.

É interessante observar que, apesar das polêmicas existentes sobre a intencionalidade da política industrializante no período anterior, muitos analistas enxergam o regime instituído pelo golpe de novembro de 1937, como o aprofundamento da Revolução de 193064. Segundo vários analistas, foi nesse período, sob um regime ditatorial, que o Estado consolidou a sua capacidade de intervenção nos assuntos políticos, administrativos, econômicos, sociais, jurídicos e internacionais a partir da instituição de várias órgãos e instrumentos legais65, exacerbou a centralização estatal, sendo “considerado como implementador e construtor de

uma política econômica nacionalista industrializante” 66.

Dessa maneira, é possível afirmar, com convicção, que o processo de centralização e intervencionismo estatal, que se inicia em 1930 e se aprofunda em 1937, esteve profundamente relacionado com os objetivos de construção de um novo modelo de capitalismo no Brasil, de características industriais, baseado na constante ampliação e integração de seu mercado interno. Assim, criou-se nesse período a visão de que ao Estado cabia o papel de regulamentador da vida nacional. É lícito, pois, imaginarmos que os deslocamentos populacionais passassem a ser, também, objeto de políticas que procurassem

63 Entrevista de Celina Vargas in: DINES, Alberto; FERNANDES Jr., Florestan; SALOMÃO, Nelma (orgs.).

Histórias do poder: 100 anos de política no Brasil. Volume 3: visões do executivo. São Paulo: Editora 34, 2000, p.36

64 NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 46 65 SOLA, Lourdes. op. cit., p. 266.

controlá-los e encaminhá-los no sentido de se adequarem às novas perspectivas de desenvolvimento.

O Estado, neste sentido, envolveu-se, também, na organização de novas políticas relativas aos deslocamentos populacionais, via criação de novos instrumentos legais, instituições e programas numa perspectiva racionalizadora e planificada, e como procuraremos demonstrar, mais adiante, voltada a integrar e ampliar o mercado interno e a construir um mercado de trabalho verdadeiramente nacional.