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Seção 1: Novo modelo de desenvolvimento capitalista e a necessidade de um novo padrão

1.1 A importância do mercado interno

A divisão internacional do trabalho, que prendia o Brasil à condição de nação exportadora de produtos primários, iniciou-se com os processos europeus de expansão marítimo-comercial no século XV e de colonização da América no século XVI. Ganhou uma nova dimensão com a Revolução Industrial capitaneada pela Inglaterra, em finais do século XVIII, adquirindo suas principais feições com a consolidação do comércio mundial em meados do século XIX29.

Na configuração desse mercado mundial, as economias ricas puderam continuar crescendo e se desenvolvendo economicamente devido à constante conquista de novos mercados externos. Passaram a dominar a oferta de produtos industrializados às nações de economias primário-exportadoras, que deveriam permanecer como produtoras de matérias- primas ou gêneros alimentícios para a exportação, o que aprofundava o seu subdesenvolvimento.

Isso ocorreu de tal maneira que as nações centrais, principalmente a Inglaterra, passaram a difundir concepções econômicas que ressaltavam a importância e a excelência do livre comércio. Tais concepções objetivavam a manutenção de arranjos institucionais nas mais diferentes nações, que permitissem a manutenção do livre fluxo de mercadorias pelo globo terrestre e a manutenção da divisão internacional do trabalho.

29 Ver CASTRO, Antonio Barros de. 7 ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1968, vol. 1, introdução.

Esses esforços foram bem sucedidos. Em finais do século XIX e no início do século XX, o mercado mundial de produtos manufaturados era monopolizado por um pequeno número de países industrializados, liderados pela Inglaterra e secundados por outros países que conseguiram se engajar rapidamente nas transformações estruturais de suas economias, rumo à industrialização30.

Esse monopólio no comércio de mercadorias industrializadas por parte das nações lideres foi reforçado, ainda, pelo enorme crescimento do poderio econômico de suas empresas e pela grande intensidade de inovações tecnológicas induzidas pelas transformações econômicas no final do século XIX.

Isso implica afirmar que a única alternativa possível para que uma economia subdesenvolvida, como a brasileira, alcançasse o desenvolvimento econômico seria a de um processo de industrialização que tivesse por base o seu próprio mercado.

Por outro lado, muito já se conhece a respeito da insuficiência dos mercados externos para promover o desenvolvimento de economias primário-exportadoras. Essa insuficiência é, basicamente, explicada pela conjugação de alguns fatores. Primeiramente, devido à pequena diversificação econômica, a rigidez na oferta de mercadorias torna o comércio internacional desses países refém de uma pequena gama de produtos que necessitam de constantes aumentos de volume de vendas para compensar ou contrabalançar o montante despendido com importações de manufaturados. Além disso, o caráter reflexo de suas economias, que dependem do comportamento de mercados externos, sofrendo com suas oscilações, e sobre as quais a capacidade de interferência é reduzida, impede um controle totalmente nacional sobre a atividade econômica. Por último, a contínua deterioração dos termos de intercâmbio provoca a apropriação do excedente econômico pelas economias centrais e industrializadas.

A combinação desses elementos, o monopólio do mercado mundial de mercadorias industrializadas pelas economias centrais e a insuficiência do mercado externo para a produção primário-exportadora como fator indutor do desenvolvimento, indicam que o desenvolvimento econômico e a industrialização brasileira, para ocorrerem, deveriam ter por base o próprio mercado interno brasileiro, que, a partir do momento que nos ocupa, precisaria ser mais firmemente integrado e constante expandido.

30 Como exemplo podemos citar alguns países europeus - França, Alemanha e Itália -, os Estados Unidos e o Japão. É importante ressaltar que o desenvolvimento desses países não se baseou em um único modelo, pelo contrário, explicitou a existência de diferentes vias para a consolidação do capitalismo. Ver CASTRO, Antonio Barros de. Op. cit. introdução e MOORE Jr. Barrington. Origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1983, prefácio.

Foi isso que se sucedeu. A grande alteração da estrutura econômica brasileira foi o “deslocamento de seu centro dinâmico” para o mercado interno. Mercado esse que, devido a uma série de fatores internos e externos, tornou-se praticamente cativo de uma produção manufatureira de bens de consumo produzida nacionalmente e que se concentrava principalmente em São Paulo. Como já disse Wilson Cano:

“A crise de 1929 e sua recuperação provocariam o deslocamento do eixo dinâmico da acumulação, do setor agroexportador para o industrial. Desarticulado o comércio exterior, isto causaria forte reversão no abastecimento interno: as restrições às importações forçariam a periferia nacional a importar, agora, produtos manufaturados de São Paulo; este, por sua vez, deveria, crescentemente, importar mais matérias-primas e alimentos de outros estados. Passava-se, portanto, a integrar o mercado nacional sob o predomínio de São Paulo. À periferia, nada mais restava do que se ajustar a uma função complementar da economia de São Paulo, embora mantendo ainda sua antiga dependência do exterior, através de suas exportações tradicionais”31.

Assim, a redução do comércio exterior brasileiro, fruto do impacto da grande crise econômica iniciada em 1929, aliada à garantia da compra do café, permitiu que a produção industrial brasileira passasse a atender as necessidades internas.

O atendimento das necessidades internas de mercadorias industrializadas pôde se dar, primeiramente, pela capacidade ociosa das indústrias instaladas no país, principalmente daquelas que se originaram a partir acumulação de capital ocorrida no complexo exportador cafeeiro. Em seguida, pela possibilidade de importação de equipamentos industriais de segunda mão e por meio do comércio de compensação que se desenvolveu com a Alemanha. E posteriormente, ainda, pelo início da quebra das desvantagens relativas de se produzir internamente bens de capital anteriormente importados32.

É claro que esse processo de industrialização, iniciado no momento estudado, era ainda bastante incipiente: dependia, e muito, da manutenção da capacidade exportadora de bens primários para a aquisição de equipamentos industriais e possuía bases financeiras e tecnológicas bastante limitadas para encetar a industrialização mais completa do país. Por outro lado, nesse período iniciava-se no país um novo ciclo de crescimento sustentado internamente pela indústria.

Sem entrar nos pormenores da preponderância dos fatores internos e externos, devemos ressaltar a importância decisiva do Estado nos processos de desenvolvimento que tiveram início na década de 1930, no período do primeiro governo Vargas. O Estado

31 CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. São Paulo: Global / Campinas: Editora da Unicamp, 1985, p. 64.

brasileiro passou, a partir desse período, por uma decisiva reestruturação que se notabilizou pela sua maior capacidade de intervenção e de articulação de medidas econômicas. Essas novas características do Estado brasileiro, sem sombra de dúvidas, pavimentaram o percurso para o desenvolvimento econômico, via o estabelecimento de condições para a defesa, ampliação e integração do mercado interno. Como veremos mais adiante, tais intervenções também se relacionaram ao estabelecimento de políticas relativas aos deslocamentos populacionais, que naquele momento já adquiriam novas características, procurando dirigi-los e controlá-los para o alcance de objetivos prévia e claramente definidos.

Seção 2: OS DESLOCAMENTOS POPULACIONAIS COMO OBJETO DE