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Seção 2: O novo papel da agricultura e o movimento para o campo:

2.1 Subsídios para mão de obra agrícola

A manutenção da produção cafeeira, em virtude da política de defesa do setor cafeeiro, e as transformações que foram ocorrendo de forma paulatina, mas constante, na agricultura, durante o período, fizeram com que as lideranças da agricultura paulista passassem a reclamar da escassez de braços para a lavoura, colocando em questão a manutenção da oferta de trabalhadores para o setor agrícola paulista. Essa situação agravava-se, ainda, em virtude do deslocamento de muitos pequenos proprietários e de trabalhadores agrícolas paulistas para a frente pioneira que se abria com a colonização do Norte do Paraná e para os centros urbanos, principalmente São Paulo, cujo desenvolvimento industrial atraía grandes contingentes de trabalhadores e, também, pela diminuição da imigração estrangeira e pelo aumento das restrições à entrada dos mesmos no país.

Isso levou à necessidade de atrair trabalhadores nacionais, oriundos de outros Estados, principalmente da região Nordeste e de Minas Gerais, para a substituição e o incremento da mão-de-obra agrícola. A medida para se alcançar esse objetivo foi a reintrodução de uma política de subsídios ao recrutamento de mão-de-obra. Em relação a isso, é interessante observar dois aspectos importantes: o primeiro é que a reintrodução dessa política, que antes se voltava a atrair imigrantes estrangeiros, passou, a partir desse momento, a se dirigir aos trabalhadores nacionais, e, o segundo, é que a mesma coincidiu com o início da recuperação econômica, puxada pelo expressivo crescimento da produção industrial para o mercado interno, ocorrido a partir de 1933, uma vez que a iniciativa de retomada dos subsídios à mão- de-obra se deu efetivamente em 1935.

Essa política obedeceu, segundo Odair da Cruz Paiva203, a dois momentos bastante precisos: um primeiro momento em que se configurou com a participação de empresas privadas que faziam a seleção e o encaminhamento de trabalhadores nacionais para São

Paulo. Tal prática se estendeu até 1939, quando foi substituída pela criação da Inspetoria dos Trabalhadores Migrantes (ITM). Esse segundo momento representou a efetiva estatização dos processos de atração migratória para o esforço de desenvolvimento centrado em São Paulo.

A reintrodução dos subsídios ao recrutamento de mão-de-obra representou um efetivo programa de fomento à atração de trabalhadores para São Paulo, a região mais dinâmica da economia brasileira no período. Por meio de contratos celebrados entre a Secretaria Estadual da Agricultura de São Paulo, empresas privadas comprometiam-se a trazer grandes quantidades de trabalhadores, principalmente dos estruturados em famílias, oriundos do Nordeste – principalmente Bahia – e Minas Gerais para trabalho na agricultura paulista. A cifra de trabalhadores projetada era de aproximadamente 50 mil por ano204.

Tal ação foi complementada pela utilização das dependências da Hospedaria dos Imigrantes para a acomodação dos trabalhadores que passaram a ser dirigidos a São Paulo. É importante lembrar que a Hospedaria apresentava características interessantes para a recepção e distribuição dos trabalhadores: situava-se na confluência de duas importantes ferrovias que ligavam São Paulo ao litoral (a São Paulo Railway) e ao Rio de Janeiro (a Central do Brasil); possuía, também, uma estação própria, que a ligava com as outras ferrovias que se dirigiam ao interior do Estado; encontrava-se a poucos metros de distância da Estação Roosevelt, que ficou conhecida posteriormente, pela grande quantidade de migrantes ali desembarcada, como Estação do Norte; possuía um setor de colocações que triava e encaminhava trabalhadores às fazendas que os solicitavam.

Essa iniciativa de reintroduzir os subsídios à atração de mão-de-obra , embora tenha sido desencadeada pelo Governo Paulista, em 1935, na Gestão de Armando de Salles Oliveira, encontrava-se em sintonia com aquilo que era preconizado em nível federal. Isso se explica pelo fato do Governador paulista, apesar de ter se lançado como candidato de oposição nas eleições ao Governo Central, previstas para 1938, haver sido Interventor em São Paulo, durante o governo provisório, mas, principalmente, pela concordância de objetivos existente entre a Secretaria Estadual e o Ministério da Agricultura. Essa concordância encontra-se referenciada em análises que foram feitas sobre Secretaria da Agricultura paulista, que observam a existência de um paulatino processo de “federalização” de suas ações e políticas:

“As transformações conformadas na Revolução de 30, alterando o equilíbrio das forças políticas nacionais, representaram a perda de poder relativo por parte do

complexo cafeeiro. Da mesma forma, iniciou-se um processo de centralização das decisões na esfera federal, com perda de autonomia pelo poder publico paulista. [...] o governo estadual, reduzido a instrumentos de ordem técnica, reestruturou-se para sustentar o avanço da diversificação” 205.

O distanciamento do governador paulista do Governo Federal pode, entretanto, explicar o caráter um pouco mais liberal dessa iniciativa, que estabelecia parcerias com empresas privadas, se comparadas com a ITM, que foi instituída em 1939. Essa sim, foi uma iniciativa que se notabilizou pela estatização dos assuntos relativos à atração de trabalhadores migrantes para o Estado de São Paulo. Neste outro momento, já sob o Estado Novo, a convergência entre as políticas estaduais e federais nos assuntos relativos à agricultura e às questões migratórias foi quase total.

É interessante observar, por outro lado, que duas das empresas contratadas pelo governo paulista para a introdução de trabalhadores migrantes em São Paulo, não se encontravam distantes de interesses ligados à indústria ou à produção de matérias-primas voltadas às indústrias, embora, num primeiro momento, o destino dos trabalhadores fosse o trabalho agrícola.

Uma dessas companhias a CAIC – Companhia Agrícola de Imigração e Colonização – era ligada à Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que tinha entre seus principais acionistas pessoas, como os representantes da família Prado, que estiveram bastante vinculadas a diferentes formas de diversificação do capital cafeeiro e no início da década de 1930 desenvolvia uma ação privada de colonização, por meio de retalhamentos de Fazendas de café atingidas pela crise, na Região de Ribeirão Preto. Essa prática colonizadora resultou na criação de 304 pequenas e médias propriedades, cuja média era de 68,34 alqueires. Essa mesma companhia desenvolveu uma outra ação colonizadora, baseada em médias propriedades, na Alta Paulista e no Extremo Norte do Estado 206. Nessas propriedades, a produção principal vinculou-se ao algodão e à cana.

A outra companhia, a Cia Itaquerê, foi criada, em 1924, por Nhonhô Magalhães, considerado como um dos precursores da agroindústria paulista e que esteve na origem na formação de um setor industrial voltado a produzir máquinas de beneficiamento de algodão e implementos agrícolas em Matão, região de Araraquara.

205 GONÇALVES, José Sidnei. A Agricultura paulista: a ação estatal na construção da modernidade. IN: São

Paulo em perspectiva: o agrário paulista. Revista da Fundação SEADE, vol. 7, no. 3, julho/setembro de 1993, p. 102.

A criação da ITM, em 1939, aprofunda a estatização das ações relativas à introdução de trabalhadores migrantes em São Paulo. As empresas privadas foram substituídas por funcionários públicos e pela criação de dois postos avançados para o encaminhamento de trabalhadores, estabelecidos nas cidades mineiras de Pirapora e Montes Claros.

A criação da ITM, na interventoria de Adhemar de Barros, insere-se num período em que já havia uma forte influência das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura sobre a Secretaria da Agricultura de São Paulo207 e, também expressa uma afinidade de interesses entre as esferas de governo estadual e federal. Tal afirmação encontra-se desenvolvida por Odair da Cruz Paiva ao observar que a interventoria de Adhemar de Barros em São Paulo, praticamente coincidiu com a gestão de Fernando Costa no Ministério da Agricultura208 e que o segundo, ao substituir Adhemar de Barros na interventoria paulista, deu continuidade da iniciativa adotada pela ITM.

A existência de dois postos avançados, em território mineiro, também denota a influência das medidas de centralização política efetuadas pelo Estado Novo na formação de um mercado de trabalho nacional. A ITM, órgão paulista, pôde, a partir desse momento, ultrapassar a divisa estadual e exercer a sua ação de recrutamento de trabalhadores, a serem encaminhados a São Paulo, em um outro Estado da Federação. Tal fato só pode ser entendido no contexto da supressão da autonomia dos Estados e da extrema concentração de poderes no nível federal, levadas a cabo após novembro de 1937.

Esses postos avançados possuíam, ainda, localização estratégica para alcançar trabalhadores oriundos do Nordeste. Pirapora era um importante porto fluvial do São Francisco, para onde se dirigiam trabalhadores de regiões nordestinas acessíveis pelo mesmo rio, principalmente via Juazeiro e Petrolina209. Montes Claros, situada ao Norte de Minas, tinha fácil ligação rodoviária com o interior baiano e, assim como Pirapora, pela central do Brasil, com o Rio de Janeiro e, na seqüência com São Paulo.

207 Para tal ver: GONÇALVES, José Sidnei. op. cit. e DULLEY, Richard Domingues. Políticas Estaduais para

a agricultura: São Paulo, 1930-1980. São Paulo: IEA, 1995 (Coleção Estudos Agrícolas, 3)

208 O primeiro foi interventor em São Paulo entre abril de 1938 e junho de 1941, enquanto o segundo esteve à frente do Ministério da Agricultura entre novembro de 1937 e junho de 1941, quando substituiu Adhemar de Barros na interventoria paulista

209 Não é por acaso, portanto, que o rio São Francisco é sempre lembrado como o rio da integração nacional. Nesse caso, comportou-se como o rio da Integração do mercado nacional de trabalho. Em artigo para o Boletim do SIC, Honório de Silos ao procura explicar os fatores de transferência de trabalhadores baianos para São Paulo relaciona tal processo ao Rio São Francisco: “A Bahia tem apenas 8,37 (hab/km2) e, no entanto, é o Estado que sofre o maior desfalque. Culpa, talvez, do São Francisco que leva a Pirapora os que sonham viver melhor e se aventuram a São Paulo”. Ver SILOS, Honório de. Sampauleiros. Boletim do SIC, no. 3, março de 1941, p. 181.

Grupo de trabalhadores nordestinos em frente do posto imigratório de Montes Claros.

Extraído de CARVALHO, Péricles Melo. A concretização da “Marcha para o

Oeste”. In: Cultura Política. Rio de Janeiro: DIP, Ano I, no. 8, outubro de 1941.

Sem dúvida, portanto, a criação da ITM vinculou-se ao processo de maior intervenção e controle por parte do Estado Novo sobre os movimentos migratórios e denota, também, a preocupação em dirigí-los a regiões claramente definidas.

Assim, a política de reintrodução dos subsídios à mão-de-obra, a partir de 1935, e principalmente em 1939, com a criação da ITM , expressa a intencionalidade de se construir uma modalidade de deslocamentos populacionais consoante com o novo modelo de desenvolvimento, cujo núcleo da acumulação deslocava-se para a indústria e para os centros urbanos, principalmente São Paulo.