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região centro-sul

A noção de polarização e do foco no “urbano”: primeiros traços

Ao término do estudo Necessidades e Possibilidades do Estado de São Paulo, Lebret e Baltar partem para Recife para realizar o Estudo sobre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste, contratado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco

(CODEPE)373 e publicado em 1955. Lebret orientou as sugestões para o planejamento da “grande Recife” transformando aquele “polo de crescimento em polo de desenvolvimento”. 374

Neste estudo é proposta uma seleção de centros urbanos, entre aqueles que dispusessem de condições topográficas e água, para se transformarem em “capitais regionais” formando um “rosário de cidades” que se transformariam em polos regionais.375 A partir de 1955, e com mais

373 A CODEPE foi criada em 1952 como um órgão consultivo do governo do estado de Pernambuco e de assistência técnica que passa a captar verbas antes destinadas ao setor rural, e conduzi-las para o processo de industrialização. Fonte: CABRAL, Renata. Mario Russo: um arquiteto italiano racionalista em Recife. Recife:UFPE, 2006.

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ANDRADE Manuel Correia. Espaço, polarização e desenvolvimento. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1987. p.103.

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LEBRET, Louis-Joseph. Estudo sôbre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste. Recife: Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, 1955.

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intensidade após os anos 1960, é que os estudos de polarização vão ser traduzidos nos trabalhos regionais.

Pelletier376 aponta que no estudo Necessidades e Possibilidades do Estado de São Paulo, assim como no estudo do Paraná, a região já é definida como um espaço polarizado. Mas se no estudo do Paraná, a região é lida como “uma porção de território vivendo sob a dominação de uma grande cidade”, no estudo

Necessidades e Possibilidades do Estado de São Paulo verificamos que a cidade não é tratada como elemento definidor de uma região. Pelo contrário, no estudo de São Paulo consta que é “perfeitamente lógico que, no caso brasileiro, a unidade territorial ‘bacia fluvial’ tenha grande significado como unidade normal interestadual de valorização e desenvolvimento”.377

Embora se detecte em item específico o problema urbanístico da capital de São Paulo e dos núcleos urbanos pequenos e médios do interior do ponto de vista do espaço interconectado – item este que, pelas concepções mobilizadas de “crescimento ordenado” seguindo o critério de “unidades orgânicas”, supõe-se ter sido elaborado por Antonio Baltar – o desenvolvimento regional se daria através de uma reoganização da estrutura territorial agrária, de investimentos em infraestrutura rural e urbana e de uma política de elevação dos níveis de vida da população rural e urbana, o que se daria também através do controle do crescimento desordenado das cidades e a manutenção da população no campo. 378

É este o quadro conceitual que se apresenta na Carta de La Tourette, documento que foi resultado de uma semana de estudos realizada em setembro de 1952 em La Tourette, Rhône, França, pelo grupo francês de Economia e Humanismo. Esta Carta propõe o “equilíbrio entre as unidades territoriais” através de medidas 376 PELLETIER, 1996. 377 SAGMACS, 1954. p.21. 378 SAGMACS, 1954.

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de ordenação do território que coordenam o rural e o urbano, exigindo “um exame da dependência recíproca da agricultura e da indústria e uma distribuição judiciosa do emprego do habitat e do equipamento coletivo entre zonas rurais, urbanas e mistas, entre zonas agrícolas e industriais”. O documento não aponta uma posição rígida em relação à definição das unidades regionais dos “planos de ordenação”, defendendo sua “flexibilidade no espaço e no tempo”, e que poderiam ser “uma bacia hidrográfica ou um vasto território polarizado por produções dominantes que é preciso coordenar.” 379

É a partir de 1955 que os trabalhos desenvolvidos pela SAGMACS para a CIBPU passam a conter traços da noção de polarização e a conferir um interesse maior ao problema urbanístico. O ponto de partida é o estudo Necessidades e Possibilidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná para CIBPU, iniciado em 1955 e publicado em 1958.

Enquanto o estudo de São Paulo380 privilegiou a análise dos níveis de vida das populações rurais em detrimento do problema urbanístico e compatibilizava o problema agrário o problema industrial, nos estudos para os três estados do sul a questão urbanística e de industrialização ganham força. Na organização do estudo dos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, a participação da pesquisa rural é reduzida e a pesquisa urbana é ampliada chegando à proposta de uma classificação dos centros urbanos em função das tipologias, a análise aprofundada da problemática da expansão das cidades em geral e a um estudo específico da capital de Porto Alegre-RS como um pólo regional. 381 O problema urbanístico é tratado aqui como um questão regional, colocando como um dos principais pontos a serem tratados naquela região a

379Charte de l’Amenagement, 1953, p.5-6. 380

SAGMACS, 1954. 381

SAGMACS. Problemas de desenvolvimento. Necessidades e Possibilidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. São Paulo: CIBPU, 1958, 2v. p. 375.

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“organização de pequenas unidades territoriais, municípios e grupos de municípios, em dependência um bem equipado centro urbano” e a “organização dos espaços médios e grandes”.382

Em relação à industrialização, o estudo Necessidades e Possibilidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná se referencia no documento da ONU intitulado Métodos e problemas da industrialização dos países subdesenvolvidos, de 1955, que coloca a “industrialização rápida” como ponto

principal para a superação da condição de “subdesenvolvimento”. A concepção de desenvolvimento da ONU, segundo o estudo, refere-se a superação de uma fase dedicada ao setor primário – agricultura e extração – para o secundário – industria de transformação.383

Ainda percebe-se entre o estudo de São Paulo e os do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná um deslocamento de análises baseadas na observação e na microanálise dos fatos, de Le Play, para análises mais conjunturais.

Vale ressaltar que, nesses estudos da SAGMACS para a CIBPU a referência aos trabalhos da ONU é uma constante e um eixo balizador, quase que constituindo um termo de referência. O estudo para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná apresenta o item As posições atuais da ONU, onde a industrialização é a condição para “atingir o nível de país desenvolvido” apresentando como objetivo último a elevação do “nível de vida médio” da população, partindo de análises estatísticas gerais ao contrário do estudo anterior em que elas eram realizada a partir dos indivíduos e grupos homogêneos.

O crescimento da concepção de polos em detrimento da concepção de bacias hidrográficas no planejamento regional da CIBPU acompanha o processo de urbanização e de industrialização dos anos 1950 e a ampliação da influência das

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SAGMACS, 1958. 383

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teses da CEPAL na politica regional, especialmente a partir de 1959, com a criação da SUDENE.

Fundamentalmente a questão que se colocava era que o crescimento econômico e o desenvolvimento não poderiam se dar de forma homogênea no território, mas através de determinados pontos ou nós que poderiam exercer influência sobre a região. Assim, as cidades se constroem como acessos preferenciais ao movimento de modernização e como possibilidade de ascensão social.384

Dessa forma, reduzindo-se os investimentos na área rural, que se torna muito onerosa pela sua extensão e concentrando-se os investimentos de infraestrutura na área urbana, aumentaria o cadastro de reserva do setor industrial, e ainda com o esvaziamento da área rural poderia se manter a estrutura agrária de grandes propriedades, sem tocar em uma reforma agrária. Corroborando o afirmado por Pelletier, os trabalhos de Lebret e da SAGMACS realizados entre os anos de 1952 e 1954, período em que se insere o estudo Problemas de desenvolvimento. Necessidades e Possibilidades do Estado de São Paulo têm a originalidade de defender a reforma agrária num momento em que a CEPAL não enfrenta e não aborda esse problema. Para os economistas da CEPAL, a industrialização é fator de desenvolvimento regional e de resolução das “disparidades regionais”, colocando a cidade como lugar privilegiado.

Outro aspecto a ser considerado é em relação à politica federal, que passa de uma concepção de desenvolvimento integrado de Vale, no período Vargas (1951- 1954) para o desenvolvimento pensado na relação rodovia-industrilização-

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GORELIK, Adrián A produção da “cidade latino-americana. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n.1. São Paulo: USP, 2005. pp.111-133

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urbanização. No final dos anos 1950, se acentuou a influência da CEPAL sobre a política federal.385

A concepção de desenvolvimento da CEPAL difere fundamentalmente da concepção de Lebret. As orientações metodológicas da CEPAL – que teve como principais expoentes os economistas Raul Prebisch, do Chile, e Celso Furtado, do Brasil – se relacionam com as orientações de Perroux.386 Argumenta-se que a noção de polos de crescimento de Perroux, mobilizada no contexto dos países subdesenvolvidos pela CEPAL, adquirem o status de polos de desenvolvimento.

A aproximação entre Furtado e Perroux se iniciou nos anos 1940, quando Furtado ingressa no curso de doutorado em economia da Universidade de Paris- Sorbonne, concluído em 1948.387 Mesmo com divergências conceituais, Furtado parte das formulações de Perroux para elaborar sua concepção de região econômica a partir das “proporções e relações que caracterizam um conjunto econômico localizado no tempo e no espaço”, mas, por outro lado, critica os modelos teóricos “ahistóricos”, “estáticos” e “abstratos”. Sem pretender mergulhar na análise das concepções do campo econômico, o que vale a pena ressaltar é que as orientações metodológicas da CEPAL em sua criação se relacionam a esse campo específico.

A concepção estruturalista da CEPAL ganha força no final dos anos 1950. Em 1959, Celso Furtado foi responsável pela elaboração do Plano de Desenvolvimento do Nordeste, que deu lugar à criação da SUDENE, órgão que

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A CEPAL é criada no Brasil em 1953 sob a direação de Celso Furtado. Entre 1953 e 1955, Furtado havia coordenado, por meio da CEPAL, um importante estudo em conjunto com o BNDE, cujos resultados seriam aproveitados no Plano de Metas.

386

COLISTETE, Renato Perim. O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos e influências no Brasil. Estudos Avançados 15(41), 2001.

387

CAHIERS DU BRESIL CONTEMPORAIN. Le développement, qu’est-ce? L’apport de Celso Furtado. Paris: MSH/EHESS/IHEAL, n° 33/34, 1998. 225 p.

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dirigiu por cinco anos (1959-64) sendo, no governo João Goulart, o primeiro titular do Ministério do Planejamento (1962-63).

No entanto, a transição do subdesenvolvimento para o desenvolvimento, para Furtado388, “é dificilmente concebível no quadro da dependência”. Romper com essa problemática era, para Furtado, a tarefa mais importante para os países subdesenvolvidos.

A aplicação no caso do Nordeste gerou um resultado bastante distinto daquele “que está implícito na concepção original de François Perroux” (Furtado, 1982: 139). Seguindo a linha de raciocínio elaborada por Perroux, Furtado considera que um polo de crescimento deveria configurar-se como um núcleo indutor do crescimento, capaz de formar uma espessa e diversificada malha de atividades econômicas locais mas, no caso do Brasil, Furtado considera que os polos já nascem vinculados ao Centro-Sul, tanto pelos insumos que absorvem como pela demanda que pretendem satisfazer.389

Se a partir de 1955 temos os primeiros sinais da concepção de polos de desenvolvimento na CIBPU, é nos anos 1960 que essa concepção se consolida. A emergência da concepção de polos de desenvolvimento na CIBPU pode ser entendida a partir da emergência da “cidade latino-americana”390

abordada por Gorelik. O autor vê os anos 1950 como um dos momentos mais importantes do pensamento social latino-americano em que o acelerado crescimento populacional e a rápida expansão dos centros urbanos latino-americanos se

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FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo, Paz e Terra, 1974. p 87.

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FURTADO, Celso 1982. A Nova Dependência. 3ª Ed. São Paulo: Paz e Terra. 390 Para Gorelik (2005), ideia de “cidade latino-americana” se coloca como categoria de pensamento se coloca na medida que permite entender os aspectos de um período como um “ciclo” da imaginação social latino-americana, no interior do qual talvez tenha sido formulada “a ideia de América Latina como projeto”.