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A viagem de Lebret à Bacia Paraná-Uruguai: o primeiro “contato global”

É preciso alimentar-se com a paisagem natural e humana, é necessário impregnar-se profundamente

Louis-Joseph Lebret354

Em 19 de maio de 1952 Lebret chega ao Brasil, onde permanece por quatro meses, para a realização da primeira etapa da pesquisa para a CIBPU, desenvolvida no período de 1 de junho a 31 de setembro do mesmo ano. Neste período realiza a viagem de estudos à bacia do Paraná-Uruguai, primeira fase da pesquisa, que envolvia o estudo do território do estado de São Paulo, analisado em si mesmo e em função de sua situação no território global da Bacia.

Para a elaboração do trabalho, Lebret via a necessidade da realização de um “primeiro contato global” do conjunto a ser analisado. O objetivo desta viagem era que, através do método da observação direta, se realizasse um contato geral para se ter uma “primeira intuição sintética do conjunto a ser analisado”.355 As viagens tinham como finalidade última “descobrir as exigências do Bem Comum” que compreendia tanto “fatores materiais” quanto “fatores imateriais”, representados no relatório por: a) o equipamento material: estradas, portos, comunicações, edifícios públicos, equipamento para a vida social; b) elementos intelectuais: nível de cultura, grau geral de competência dos responsáveis; c) elementos morais: honestidade, lealdade, confiança etc.; elementos espirituais de cultura artística, fé religiosa etc.356 Assim, Lebret incorporava nos fatores “imateriais” os “elementos morais”, difíceis de serem medidos por indicadores, mas possíveis de serem compreendidos através do contato com as instituições

354 SAGMACS, 1954.p.105 355 SAGMACS, 1954. 356 SAGMACS, 1954, p.109.

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religiosas e entidades comunitárias. Para Lebret, a análise regional deveria se basear nas diferenças entre as regiões do ponto de vista histórico e geográfico, natural e cultural por meio de um intenso levantamento.

Este “primeiro contato global” para o estudo da região da bacia Paraná-Uruguai foi realizado durante uma viagem feita por Louis-Joseph Lebret, diretor geral de

Economie et Humanisme, acompanhado por Benevenuto de Santa Cruz, co- diretor de Economia e Humanismo no Brasil e assessor do governador Lucas Garcez no Governo do Estado de São Paulo, na ocasião do início dos trabalhos para o estado de São Paulo contratados pela CIBPU.357

Para esse primeiro contato global da região da bacia foi utilizada a seguinte metodologia: observação direta, entrevista, análise documental e reunião com especialistas. Lebret defendia que para o início do levantamento se devia “ter uma visão em um só olhar” e que para isso era “necessário subir às torres, aos montes vizinhos ou fazer o reconhecimento do conjunto em avião” e que o reconhecimento de avião era particularmente interessante na medida em que se podia ter “em um simples olhar a estrutura essencial da agricultura e da indústria, da cidade e do campo e a sua interpenetração”.358

O método explicitado por Lebret em relação ao “primeiro contato global” remete a Patrick Geddes que, através de sua Outlook Tower, defendia que

(...) para um levantamento mais geral (...) são preferíveis os começos mais simples (...) a perspectiva clara, a visão mais panorâmica de uma determinada região geográfica, como por exemplo a que temos sob os olhos num passeio de feriado na montanha (...)359 357 SAGMACS, 1954. 358 SAGMACS, 1954. p. 105. 359

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Além da visão do conjunto a uma distância que permitia observá-lo como um todo único, Lebret apontava a necessidade de “percorrer os quarteirões mais ricos e os mais pobres, visitar fábricas, fazendas e sítios e tomar algumas refeições nos diversos meios”, integrando-se ao lugar e percebendo sua dinâmica cotidiana. Para Lebret, a paisagem humana se revelava

(...) quando se observam os lavradores nos campos, com seu sistema de trabalho, seu vestuário, suas casas, ou quando se presta atenção às pessoas que passam na rua, ou quando se contemplam as saídas das fábricas ou das lojas, quando a gente se mistura ao povo nos ofícios religiosos, nas manifestações populares, nas feiras, nos mercados, e nos espetáculos populares.360

Aqui aparece também a concepção da sociologia francesa de Le Play, incorporada pelo planejamento regional por P. Geddes, que compreendia a sociedade e a região a partir da relação lugar-trabalho-povo pela aproximação em relação à escala de análise. Para Geddes, “o caçador e o pastor, o camponês pobre e o rico, esses os tipos ocupacionais que nos são mais familiares, e que se apresentam em sequência à medida que baixamos de altitude e descemos no curso da história social”.361

A compreensão da região pelo levantamento em diferentes escalas aparece em Geddes em sua seção de vale, ou seja, cortes transversais do “declive que desce das montanhas até o mar e que encontramos no mundo inteiro [o qual] podemos prontamente adaptar a qualquer escala e a quaisquer proporções (...)”362

360

SAGMACS, 1954. p.105. 361

GEDDES, 1925 apud HALL, 1995, p.165. 362

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A viagem de estudos foi realizada em oito etapas envolvendo a compreensão das atividades rurais e urbanas e as principais experiências já implantadas. O percurso, realizado de avião e automóvel, está demonstrado na Figura 35. A viagem inicia-se pelo Vale do Paraíba com a visita à Usina de Volta Redonda.363 O segundo e o terceiro trecho focou o interior paulista incluindo a visita à Usina Hidrelétrica de Salto Grande. O quarto trecho cobriu os estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O quinto e o sexto trecho retornam ao interior paulista focando a região de Campinas e Piracicaba. O sétimo trecho se ateve às cidades de Poços de Caldas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro com visita à Siderúrgica de Sabará, finalizando o oitavo trecho com a visita ao litoral norte paulista.364

Durante as viagens foram realizadas também visita às fazendas – entre elas a Fazenda Holandeza em Holambra-SP, a criação de zebu em Uberaba-MG, o sistema de frigoríficos em Barretos-SP –, explorações agrícolas dos vários tipos – entre elas jazidas de bauxita na região de Campinas e Piracicaba no estado de São Paulo, e as colonizações alemã de Joinville a Blumenau e as italianas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.365 Foram realizadas além das atividades de observação direta, entrevistas, reunião com especialistas e análise de material cartográfico e documental.

Lebret aproveitava estas viagens para participar de eventos nas cidades e ampliar sua rede de relações da divulgação do movimento Economia e Humanismo. Em sua visita ao Rio Grande do Sul, em agosto de 1952, Lebret ministra aulas sobre o Movimento de Economia e Humanismo na Semana da Pontifícia

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Vale lembrar que o Vale do Paraíba constava como uma das regiões de interesse para o planejamento de Vargas, segundo sua mensagem ao Congresso no início das atividades legislativas de 1952. Vargas, Getúlio. Mensagem ao Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1952.

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SAGMACS, 1954. 365

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Universidade Católica que tinha por objetivo promover os cursos da universidade e conseguir auxílios para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa.366

Figura 35 - Viagens de estudos realizadas por L. J. Lebret e Benevenuto de Santa Cruz. Fonte: SAGMACS (1954)

A CIBPU como “caso concreto” e a formulação da Contribuição à