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2 OS FUNDAMENTOS PARA A BUSCA DE UMA DIMENSÃO AMBIENTAL DA

2.1 Definição histórica e atual de cidadania

2.1.1 A cidadania antiga

A origem da ideia de cidadania remonta à Antigüidade Clássica, tendo nascido, portanto, na polis grega e na civitas romana. Para a sociedade greco-romana, a religião era elemento de elevada importância na sociedade. Cada cidade tinha os seus deuses, e o culto a eles dedicado era considerado algo sagrado, que deveria ser resguardado contra estranhos. Nessa perspectiva, tomava-se como cidadão todo aquele que participava do culto da cidade, prestando honra aos seus deuses, sendo vedado aos estrangeiros tomar parte nas cerimônias religiosas. Oliveira e Guimarães83 afirmam que a proibição de compartilhamento da religião provocava uma nítida distinção entre o estrangeiro e o cidadão, asseverando, ainda, que “essa participação no culto comum trazia consigo a posse dos direitos. Se o cidadão podia participar do culto que antecedia a assembléia, podia votar nela”.

Percebe-se, então, que o reconhecimento do status de cidadão, além de determinar um vínculo com determinada sociedade política, trazia para o indivíduo uma conseqüência, que

82 CAVALCANTE, Tatiana Maria Náufel. Cidadania e Acesso à Justiça (artigo). Disponível em <http://www.jfpr.gov.br/arquivos/office/a48d9d36b2601c7c856951037a224311.pdf>. Acesso em 29 mar. 2010. 83 OLIVEIRA, Flávia de Paiva M de; GUIMARÃES, Flávio Romero. Op. cit., p. 82.

era a possibilidade de participar diretamente das decisões políticas. Bertaso84 afirma que “a noção de cidadania e de cidade, para os antigos, eram consubstanciadas num vínculo comunitário, e implicava envolvimento do cidadão na política”. As decisões comunitárias eram tomadas pelos cidadãos em praça pública, a Ágora.

A cidadania, entretanto, era condição disponível para poucos. Não só os estrangeiros, que não compartilhavam o culto comum da cidade, mas também mulheres e escravos, por exemplo, estavam fora do rol de indivíduos dotados de cidadania, e não podiam interferir na tomada coletiva de decisões nos assuntos públicos. Apenas um privilegiado grupo de pessoas ostentava a condição de cidadão, conforme expõe Munanga85:

Na Grécia Antiga, o título de cidadão estava intimamente relacionado com a classe patrícia.Efetivamente, a cidadania servia para diferenciar os indivíduos que podiam gerir os negócios do Estado dos plebeus, isto é, daqueles que não tinham outra escolha senão seguir os ditames do Estado e obviamente para diferenciar os cidadãos dos escravizados que não possuíam direitos civis.

No mesmo caminho, Glotz86 afirma que “a cidadania dos antigos emergiu nas relações de domínio e de poder do mundo especial formado por aqueles tidos como superiores (fechados em suas virtudes), separado deles as mulheres, os metecos, os bárbaros e a plebe”. Percebe-se que, apesar de se propagar a ideia de democracia e cidadania como o governo de todos, somente uma diminuta parcela da população era incluída na expressão “todos”.

Percebe-se ainda, observando a cidadania dos antigos, que a participação na decisão dos destinos da coletividade não implicava em liberdade. Os cidadãos eram livres apenas numa perspectiva que considerava os homens uns perante os outros. Assim, em contraposição à total ausência de liberdade e direitos dos escravos, por exemplo, os homens eram livres. Porém, não havia liberdade perante o Estado. A respeito, Oliveira e Guimarães87 asseveram o seguinte:

84 BERTASO, João Martins. Cidadania e direitos Humanos: um trânsito para a solidariedade. 2004. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. p. 25.

85 MUNANGA, Kabengele. Diversidade, Etnicidade, Identidade e Cidadania. (Palestra proferida no 1º Seminário

de Formação Teórico Metodológica – SP). Disponível em

<http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/05diversidade.pdf>. Acesso em 01 de abr. 2010. 86 GLOTZ, apud BERTASO, João Martins. Op. cit. p. 25.

Ser cidadão, na sociedade antiga, não significava ter liberdade absoluta, já que a cidadania conferia ao ser humano a condição de pessoa, portanto, livre com relação aos demais homens. Tal liberdade, porém, não se estendia à relação do homem com o Estado. Era negada ao cidadão da Antigüidade a liberdade da vida privada, a liberdade de educação e, até mesmo, a liberdade religiosa. [...] O cidadão pertencia, pois, à cidade, que era um verdadeiro Estado independente, sem reservas, sendo, na verdade, um escravo do Estado, visto que lhe era outorgado o direito de votar e de nomear magistrados, o direito de ser arconte, mas lhe era negado um direito elementar, qual seja, a liberdade.

A cidadania na sociedade antiga, portanto, nada tinha a ver com o resguardo de uma esfera mínima de liberdade do indivíduo nem com um envolvimento político maciço, ou seja, de todos os habitantes da cidade-Estado. Dallari88 resume esse período político da seguinte forma:

No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita. Assim, pois, mesmo quando o governo era tido como democrático, isto significava que uma faixa restrita da população – os cidadãos – é que participava das decisões políticas, o que também influiu para a manutenção das características de cidade-Estado, pois a ampliação excessiva tornaria inviável a manutenção do controle por um pequeno número.

Após o declínio da sociedade greco-romana clássica, iniciou-se o período denominado Idade Média. Durante essa época, em razão da estrutura fortemente oligárquica e feudal, a noção de cidadania caiu em total esquecimento, só vindo a ser resgatada com o advento das reivindicações da classe burguesa, que culminaram na Revolução Francesa de 1789.