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Neste subcapítulo serão discutidos os conceitos de cidade, urbano e de produção do espaço, enquanto forma de abordar a cidade no seio do capitalismo. Neste trabalho, elencamos como conceitos-chave para entender os movimentos sociais de luta pela moradia na cidade do Crato e o processo de produção do espaço a partir da atuação desses sujeitos que, de forma parcial ou indireta, questiona a lógica de uma cidade cujo padrão se baseia no processo de compra e venda da propriedade privada do solo urbano ou dos processos de mercantilização do espaço urbano enquanto lócus da expansão capitalista.

Parte-se da compreensão de Ana Fani A. Carlos (2011) que o espaço, numa perspectiva dialética, é entendido como condição, meio e produto do processo de produção e reprodução social. Como condição, o espaço é o movimento da produção espacial como momento necessário da reprodução do homem e do seu mundo, quer dizer, ―o ato de produzir é o ato de produzir o espaço – isto é, a produção do espaço faz parte da produção das condições materiais objetivas da produção da história humana‖. (idem, 2011, p. 17). Como meio, o espaço realiza-se enquanto circulação e mobilidade, o público e o privado, em outras palavras, é o resultado da articulação entre os momentos da produção-distribuição-circulação- troca-consumo. Já como produto, é o espaço da realização do lucro, o espaço, nesse momento, produz e se reproduz enquanto condição efetiva do movimento capitalista do valor de uso, mas também do valor de troca.

Assim, se a produção do espaço, do ponto de vista econômico, ocorre sob a racionalidade da busca do lucro e do crescimento, no plano político, sob a lógica do planejamento, o espaço se normatiza e se instrumentaliza. Já no plano social, o espaço denuncia a vida, e, desse modo, a sociedade em seus conflitos, pois o econômico e o político se confrontam com as necessidades da realização da vida humana, que se concretizam e se expressam na e através da vida cotidiana, isto é, no plano do lugar (CARLOS, 2011, p. 79).

O espaço é uma produção humana e se dá a partir do processo de produção social ao longo do tempo, produzindo a si mesmo e ao homem. Assim, não existe uma sociedade fora do espaço, pois toda ação humana é uma ação espacial. Essa abordagem, encarada pela professora Ana Fani A. Carlos (2011) remete entender que o espaço, sendo a produção humana ao longo do tempo histórico, no qual, possibilita deslocar sua compreensão para a ―produção do espaço‖, no sentido de que a sociedade, ao produzir constantemente um espaço, produz a si mesmo. ―Assim, estabelece-se a tese de que o espaço se define pelo movimento que o situa como condição, meio e produto da reprodução social ao longo do processo civilizatório‖ (2011, p. 23).

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A noção de produção do espaço, indica como campo dessa reflexão, marca a passagem da compreensão do espaço produto da ação humana para a compreensão do movimento triádico, que entende o espaço pelo movimento ininterrupto que o define enquanto condição, meio e produto da reprodução social. O sentido do espaço está, portanto, associado à ação humana, à produção, ligando-se à noção de atividade e de trabalho, o que o situa no âmbito do processo de produção, do modo como o trabalho se divide a partir da hierarquização do grupo, de sua orientação, das relações de propriedade que comandam a divisão de seus frutos, a técnica e o conhecimento. (idem, p. 24).

Concordamos com Lefebvre (2006) quando afirma que a produção do espaço não é somente a produção de objetos, mas é, na verdade, uma transformação humana da primeira natureza em segunda natureza, sendo, portanto, um movimento dialético de produção e reprodução da atividade humana.

O espaço é um produto social, é a produção humana a partir de suas práticas sociais fruto do trabalho que permite a produção do espaço social, quer dizer, o espaço enquanto produção humana se insere na ótica da produção da cidade, ou seja, a cidade é um conjunto de ação humana enquanto espacialidade do trabalho.

Como resultado de forças produtivas e de estruturas, de relações de propriedade entre outras. Ora, o espaço entra nas forças produtivas, na divisão do trabalho; ele tem relações com a propriedade, isso é claro. Com as trocas, com as instituições, a cultura, o saber. Ele é vendido, é comprado; ele tem valor de troca e valor de uso. (LEFEBVRE, 2006, p. 06).

A expressão ―produção do espaço‖ em um primeiro instante foi formulada pelo filósofo Henri Lefebvre. O espaço, para ele, consiste ―no lugar onde as relações capitalistas se reproduzem e se localizam com todas as suas manifestações de conflitos e contradições‖ (LEFEBVRE, 1974 apud GODOY, 2004, p. 31).

A produção do espaço para Godoy (2004, p. 14) consiste na ―realização prática de produção de objetos ―geograficizados‖ segundo uma dada lógica econômica, e destina-se a cumprir funções diferenciadas em sintonia com as necessidades de reprodução das relações sociais de produção e da divisão social do trabalho‖. Segundo esse autor (2004, p. 33):

A produção do espaço é a produção de objetos que articulam e organizam em suas funções específicas, intercâmbios sociais que envolvem o trabalho e a produção. O espaço seria, neste caso, a materialidade e a mediação entre os sistemas de produção, de controle e reprodução do trabalho em sua dimensão técnica e material.

Dessa forma, entende-se que a produção do espaço se dá a partir das relações sociais definidas pelo trabalho e pela divisão social deste, ao mesmo tempo em que materializa

objetos e ações específicas enfatizadas pelos processos econômicos, sociais, políticos e culturais.

Em primeiro lugar porque a ocupação do espaço se realizou sob a égide da propriedade privada do solo urbano, onde o espaço fragmentado é vendido em pedaços. Tomando-se intercambiável a partir de operações que se realizam no mercado. Tendencialmente produzido como mercadoria, o espaço entra no circuito da troca, generalizando-se em sua dimensão de mercadoria. Por outro lado, o espaço se reproduz como condição da produção, atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de modo de viabilizar a reprodução. (CARLOS, 2001, p. 22).

Nessa perspectiva, entende-se que a abordagem desses temas na Geografia tiveram várias perspectivas e formulações ao longo do tempo, desde a Geografia clássica, passando pela Geografia quantitativa, regional até à crítica, a cidade e o urbano foram pensados e analisados sobre diferentes prismas, como mencionamos acima quando abordamos o percurso da Geografia urbana.

Concordamos com Sandra Lencioni quando advoga na perspectiva de que o conceito não é algo imutável, mas que está passível a um movimento de transformação ao longo do tempo e do espaço.

O conceito se modifica, se altera e se renova. Para indicar que o conceito tem movimento e evolui, alguns autores usam mais o termo ‗noção‘ do que o próprio termo ‗conceito‘, a indicar sua fluidez. O conceito tem movimento e por isso, um conceito construído numa determinada época pode se alterar. Na medida em que o conceito é um reflexo do real e esse real está em permanente mudança, é lógico que ele também se modifique (LENCIONI, 2008, p.111).

As noções de cidade e urbano, na compreensão de Sandra Lencioni (2008), diferenciam-se ao mesmo tempo em que estão imbricados, pois, de acordo com a autora, os conceitos são produtos de outros conceitos, quer dizer, não existe um conceito que seja isolado do resto da realidade, sendo assim, uma expressão do real, uma significação.

Para Lencioni (2008), a cidade deve ser entendida como objeto, isto é, passível de uma definição. Já o urbano, é entendido como fenômeno. A busca conceitual que a autora faz da realidade da cidade e do urbano no Brasil ganha importância, pois evidencia o modo como reflete a cidade brasileira, marcada pelas contradições capitalistas e pela produção humana ao longo da história.

A cidade, ao longo da história, foi definida pela incorporação de uma cidade política, ou seja, uma cidade que continha uma sede política-administrativa, ofuscando, assim, o caráter Estatal de entendimento de uma cidade. Outra abordagem que definiu a cidade foi o

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tamanho populacional, sendo, assim, incorporado na análise de alguns autores discussões como o ―Brasil é menos urbano que se calcula‖ 16.

Assim, concordamos com a professora Arlete Moyses Rodrigues (2007) quando pensa a cidade a partir de uma definição e o urbano como conceito.

Cidade é uma definição. É a projeção da sociedade urbana num dado lugar, política e territorialmente demarcado, marcado e estabelecido. As cidades contêm delimitação espacial. Lugar de concentração da população urbana, produção, circulação e consumo de bens e serviços. A cidade é o centro da decisão política do urbano (RODRIGUES, 2007, p. 245).

A cidade, entendida como um local onde as contradições e as complexidades são efetivadas pela materialização dos processos de produção, é um ―palco privilegiado das lutas de classe, pois o motor do processo é determinado pelo conflito decorrente das contradições inerentes às diferentes necessidades e pontos de vista de uma sociedade de classes.‖ (CARLOS, 2007, p. 23). ―A cidade é um modo de viver, pensar, mas também sentir. O modo de vida urbano produz ideias, comportamentos, valores, conhecimentos, formas de lazer, e também uma cultura‖ (CARLOS, 2007, p. 26). Dessa forma, a cidade é entendida como um local de moradia, de cidadania, de qualidade de vida e onde as relações sociais se materializam.

A cidade, não importando sua dimensão ou característica, é um produto social que se insere no âmbito da ―relação do homem com o meio‖ – referente mais clássico da geografia. Isso não significa dizer, todavia, que estabelecida essa relação tenhamos cidades. Não importando as variações entre cidades, quer espaciais ou temporais há uma ideia comum a todas elas, que é a de aglomeração. Não é à toa, então, que a ideia de aglomeração se faz presente na definição da palavra cidade (LENCIONI, 2008, p. 115).

O urbano, entretanto, é entendido também como um modo de vida, modo esse que extrapola os limites territoriais da cidade (Lefebvre, 2008). Segundo o filósofo Frances Henri Lefebvre (2008, p. 59), há um papel da cidade como interlocutor da vida urbana:

A cidade e o urbano não podem ser compreendidos sem as instituições oriundas das relações de classe e de propriedade. Ela mesma, a cidade, obra e ato perpétuos, dá lugar a instituições especificas: municipais. As instituições mais gerais, as que dependem do Estado, da realidade e da ideologia dominante, têm sua sede na cidade política, militar, religiosa. Elas ai coexistem com as instituições propriamente urbanas, administrativas, culturais. Motivo de certas continuidades notáveis através das mudanças da sociedade.

De acordo com o pensamento de Arlete Moyses Rodrigues, entende-se o urbano:

[...] Urbano é um conceito, pois qualifica um modo de vida que atinge a maioria da sociedade. As atividades urbanas extrapolam limites de cidades como no agronegócio, nas atividades turísticas, nas áreas inundadas para produção de energia hidroelétrica, e muitas outras atividades (RODRIGUES, 2007, p. 245).

Assim, partindo do conceito de urbano, ―a cidade é também um campo privilegiado de lutas de classe e movimentos sociais de toda à espécie, que questionam a normatização da cidade e da vida urbana.‖ (CARLOS, 2007, p.26), que podem ser vistos também como instrumentos de combate à ótica capitalista em que a cidade se materializa. A cidade e o urbano são assim, processos indissociáveis de um mesmo fenômeno, quer dizer, são um conjunto de instrumentos sociais, econômicos, políticos e culturais que normatizam a vida da sociedade urbana, que tem como parâmetro ou processo de surgimento a industrialização e a urbanização, não como causa e efeito, mas como processos amplos e contínuos de uma mesma forma de produção espacial. (LEFEBVRE, 2008).