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1 SOBRE TERESINA

1.1 TERESINA: CAPITAL PLANEJADA

1.1.1 A cidade em vias de modernização

33 Em “A questão nacional: a modernização”, Raymundo Faoro (1992, p. 7) discorre sobre o termo modernização, a partir de analogias entre países desenvolvidos e atrasados, como sendo tentativas de alcançar a modernidade. Para ele, na corrida pelo desenvolvimento, as nações atrasadas podem se espelhar nas desenvolvidas sem se absterem de suas realidades históricas e temporais. Deve-se evitar a chamada “queima de etapas”, buscando descobrir primeiramente a “pista da lei natural do seu desenvolvimento”.

A modernidade compromete, no seu processo, toda a sociedade, ampliando o raio de expansão de todas as classes, revitalizando e removendo seus papéis sociais, enquanto que a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo condutor, que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na modernização não se segue o trilho da “lei natural”, mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política de mudança (FAORO, 1992, p. 8).

Ao relacionar tais conceitos com o processo de desenvolvimento do Brasil, Faoro demonstra sucessivas tentativas de modernização desde o período colonial como episódios sem sucesso e que eram “sepultados” um após o outro. Analisando episódios, observa-se um país regido por uma conciliação política que regula a sociedade de forma a evitar mudanças sociais, priorizando os interesses de uma minoria elitizada e mantendo a sociedade civil dependente de poucos benefícios.

Na modernidade, a elite, o estamento, as classes [...] coordenam e organizam um movimento. Não o dirigem, conduzem ou promovem como na modernização. A modernização, que se chama ocidentalização, europeização, industrialização, revolução passiva, via prussiana, revolução do alto, revolução de dentro – ela é uma só, com um vulto histórico, com muitas máscaras, tantas quantas as das diferentes situações históricas. Talvez se possa dizer, ainda que a modernização, ao contrário da modernidade, cinde a ideologia da sociedade, inspirando-se mais na primeira do que na segunda. (FAORO, 1992, p. 9).

O Brasil inicia o século XX com um notório crescimento demográfico nas regiões centrais do país. O Estado passa então a tomar iniciativas, de forma reguladora, para melhorias do espaço urbano, tomando como base cidades europeias com relação ao sanitarismo e salubridade. Empresas estrangeiras também começaram a implantar serviços de melhorias urbanas, como serviços de eletricidade, companhias de gás, implantação do sistema ferroviário e transporte

34 urbano. Segawa (2010, p. 19) discorre que Recife, São Paulo, Manaus, Salvador e Rio de Janeiro (desde 1862) já tinham sistemas de drenagens, abastecimento de água e esgotos urbanos na entrada do século. De acordo com Reis Filho (2013, p. 44),

As transformações socioeconômicas e tecnológicas pelas quais passaria a sociedade brasileira durante a segunda metade do século XIX iriam provocar o desprestígio dos velhos hábitos de construir e habitar. A posição cambial favorável conseguida através das exportações crescentes de café possibilitaria a generalização do uso de equipamentos importados, que libertariam os construtores do primitivismo das técnicas tradicionais. A isto, acrescenta-se a modernização dos transportes, com o aparecimento das linhas férreas ligando o interior ao litoral e de linhas de navegação nos grandes rios interiores. Equipamentos pesados, como máquinas a vapor, serrarias etc., teriam então a possibilidade de serem empregados em vastas regiões, auxiliando-as a romper com a rotina dos tempos coloniais.

Zein (2010, p. 126) afirma que no período entre 1930 até o da construção de Brasília (1957-1960), as cidades brasileiras ainda conservavam suas tramas urbanas e métodos construtivos coloniais, mas desde o fim do século XIX já inseriam o concreto armado e o ferro, principalmente em obras de maior porte, como em equipamentos urbanos e edifícios públicos. Essa arquitetura produzida no Brasil destacava-se pela “criação de um repertório e de uma linguagem diferenciadora” por meio de recursos de projeto e técnicas construtivas de períodos anteriores, mas que buscavam maneiras de intensificar a “tipificação das soluções arquitetônicas modernas”.

Nesse contexto, Teresina adentra o século XX sem um nível satisfatório de desenvolvimento: suja, pouco habitada, de ruas estreitas e com a maioria da população vivendo em construções miseráveis. Em contraste, existiam os prédios públicos do centro cívico e algumas residências de famílias mais abastadas em linhas neoclássicas e ecléticas. Apesar da falta de sinais urbanos que a caracterizariam como uma cidade moderna, tinha uma elite política e intelectual defensora do progresso. “Datam desse período os primeiros símbolos de modernidade implantados em Teresina, tais como o fornecimento de água encanada (1906), telefone (1907), energia elétrica (1914), bonde com motor de explosão (1917)” (NASCIMENTO, 1999, p. 124).

35 Assim como o Brasil, Teresina também recebeu inúmeras tentativas modernizadoras em seu espaço urbano. Apoiadas pelo poder público ou por iniciativa da elite local, esses primeiros símbolos não alcançavam toda a população da cidade, não beneficiando as classes menos favorecidas, que ocupavam as margens do centro administrativo da cidade, acomodando-se em construções miseráveis e rudimentares.

Com relação à arquitetura no início desse século, Silva Filho (2007, p. 19) afirma que houve uma implantação do ecletismo, linguagem arquitetônica já disseminada no Brasil desde o século anterior. Até o segundo quartel do século XX, o núcleo central de Teresina se apresentava consolidado e com o ecletismo estabelecido, principalmente nas residências de famílias mais nobres e em prédios institucionais e públicos.

A partir da década de 1930, com a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas, o Estado passa a exercer um papel primordial na produção de cidades, atuando como organismo regulamentador não apenas da materialidade, mas também da população que nela reside. Em cidades centrais8 como Rio de Janeiro e São Paulo, as obras arquitetônicas patrocinadas pelo Estado começam a se apropriar de princípios preconizados modernistas, inseridas em um meio cultural efervescente como mais uma manifestação de uma modernidade ainda incipiente. Além da limpeza ornamental, os novos projetos arquitetônicos tornavam-se interessantes pelos aspectos econômicos construtivos, sendo classificados como arquitetura “modernista-classicizante”, art déco, “protomoderna” ou “protorracionalista” (DIEGOLLI, 1996, p. 152).

Em Teresina, o interventor Landri Sales nomeia como diretor de obras da Prefeitura Municipal o engenheiro Luís Pires Chaves, que questionou o Plano Saraiva e atentava para a falta de um Plano Regulador da Cidade. Nascimento (1999, p. 137) cita algumas propostas de intervenções urbanas com caráter modernizador para a capital, como o alargamento e arborização das avenidas, a projeção de grandes linhas de tráfego que interligavam os pontos de entrada e saída ao centro da cidade e a formação de um sistema circulatório, tomando como base o símbolo da modernidade do período: o automóvel. Além disso, cria o Código de

8 O termo central aqui utilizado refere-se ao conceito de Marina Waisman sobre a questão centro- periferia retratada.

36 Posturas de 1939, que iria reger as obras de expansão do município a partir de então.

A partir da década de 1930, o art déco é adotado na cidade, preferencialmente em elegantes edifícios comerciais, prédios, monumentos públicos e cinemas, como foi o caso do Cine Rex, que data do ano de 1939 (Figura 1.5). Promovendo uma ruptura com a arquitetura dos períodos anteriores, tais edifícios representavam o tipo de cidade que seus administradores desejavam construir, espelhando-se em outras cidades mais desenvolvidas do país. Novas tecnologias eram incorporadas às construções, como o uso do concreto armado substituindo estruturas de madeira e carnaúba, com uma geometria ordenadora e fachadas mais limpas, e garantiam um ar de modernidade para uma sociedade que se afastava cada vez mais do colonial (SILVA, 2007, p. 20). Segundo Nascimento (2010, p. 8),

Figura 1.5: Praça Pedro II em Teresina, Piauí: ao fundo, o Cine Rex em art déco. Fonte: Site Teresina Meu Amor (2012).

Alguns edifícios foram construídos para atingir a demanda de infraestrutura de Teresina, como exemplos o edifício dos Correios e Telégrafos e a sede do Liceu Piauiense, que detinham ares de moderno com traços arquitetônicos mais retilíneos e fachadas simplificadas, apresentando uma concepção arquitetônica suntuosa. O processo de modernização da rede hospitalar em outros estados reflete no Piauí pela busca de construção de um grande hospital em Teresina pelo governador Leônidas de Castro Melo, a partir de 1937.

37 Sendo assim, em 1941, o Hospital Getúlio Vargas é inaugurado na antiga Avenida Getúlio Vargas, atual Frei Serafim (Figura 1.6).

Figura 1.6: Fachada do Hospital Getúlio Vargas voltada para a Avenida Frei Serafim. Fonte: Arquivo pessoal da autora (2010).

Em meados dos anos 1950, o Estado, dentro de uma política desenvolvimentista do país, tinha objetivos de acelerar e estruturar o processo de industrialização do Brasil. O ambiente de efervescência cultural que Brasília9 trouxe ao país fez eclodir uma série de arquiteturas com boa qualidade projetual, sobretudo construtiva, em diversas regiões do Brasil. Aliado ao regime de expansão econômica, industrial e urbana, o Estado projeta e constrói muitas obras das mais diversas tipologias.

No Piauí, essas manifestações não ocorrem com a mesma intensidade, por conta de sua economia pouco expressiva no cenário nacional, mas ainda assim, a partir de 1950, surgia uma “Nova Ordem Piauiense”, como explica Façanha (1988, p. 18), criada a partir do processo de desenvolvimento capitalista brasileiro. Algumas medidas são tomadas, como: a melhoria no setor de comunicação; a criação da Barragem de Boa Esperança em Guadalupe, para suprir a demanda de energia elétrica; o desenvolvimento dos setores administrativos, financeiro e creditício; o aumento do comércio varejista; e a criação de políticas agrícolas, a fim de diminuir

9 Construída entre 1957 e 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, Brasília representa o primeiro espaço ideal para a implantação da arquitetura moderna.

38 as diferenças socioeconômicas do estado. Para Brito, Dias e Nascimento (2005, p. 2),

No final da mesma década, foram criadas algumas empresas de economia mista, entre as quais merecem destaque: Frigoríficos do Piauí S.A. (Fripisa), Centrais Elétricas do Piauí S.A. (Cepisa), Agroindústria do Piauí S.A. (Agripisa), Telefones do Piauí (Telepisa), Águas e Esgotos do Piauí S.A. (Agespisa). É desta mesma época a transformação do Banco Agrícola do Piauí em Banco do Estado do Piauí S.A. (BEP). Outra ação do sentido colocar o Piauí no caminho do desenvolvimento, na visão dos atores sociais que atuavam na seca política, foi a criação da Federação das Indústrias do Estado do Piauí (Fiepi), em 1954. Em meados da década seguinte, foi instituída a Associação Industrial do Piauí (AIP); em 1965, é instalada uma de empresa chamada de Fomento Industrial do Piauí (Fominpi) que, algum tempo depois, passaria a se chamar Companhia de Desenvolvimento Industrial do Piauí (Codipi). Como se pode constatar, trabalha-se na implantação de ferramentas que pudessem ajudar na construção de um novo Piauí, que pudessem modificar a infraestrutura básica do estado, na área da energia elétrica, de abastecimento de água, dos transportes, da alimentação e do embelezamento da cidade.

Quanto à expansão urbana de Teresina, até a década de 1950 a cidade apresentou crescimento nos sentidos norte e sul, encontrando-se confinada entre os rios Parnaíba e Poti. Todavia, com a construção do primeiro vão da ponte de cimento sobre o Rio Poti, a cidade é ligada ao norte do estado pela BR-34310, e inicia-se então o processo de expansão urbana, rumo ao leste da cidade (BRITO; DIAS; NASCIMENTO, 2005). Atualmente essa região é a mais nobre da cidade e apresentou forte ocupação residencial desde o início.

Nos primórdios dos anos 1960, a cidade tem seu campo de pouso estruturado para receber aviões grandes, o que liga a cidade ao resto do país e ao mundo de maneira mais rápida (NASCIMENTO, 2010, p. 7). A criação e implantação da UFPI na direção noroeste da cidade e a promulgação do Plano Diretor da Prefeitura Municipal fazem parte da presença do estado como um indutor da dinâmica urbana e atraem ainda mais imigrantes à capital. É nesse período que o aparecimento de edifícios modernos é notado na paisagem urbana da cidade, sendo o primeiro deles a Casa Zenon Rocha, edificada na área central de Teresina, seguida do Edifício do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), na Avenida Frei Serafim (Figura 1.7).

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Figura 1.7: Mapa representativo da expansão urbana de Teresina entre 1800 e 1980. Fonte: Resende (2013, p. 96).

Mas é na década de 1970 que a cidade tem um grande impulso transformador ligado diretamente ao modelo econômico gerido pelos governos militares. Iniciada a política de modernização seguindo o crescimento do país por meio do processo de industrialização, foram feitas diversas intervenções urbanas tanto no sentido de dotar a cidade de sistemas de abastecimento de água e luz regulares como melhorias no sistema viário para a desobstrução do crescente tráfego de veículos. Além disso, mudanças no modo de vida da população demandam novas exigências de conforto e inovações de consumo; assim ocorre uma expansão de rodovias do estado, com a construção da Transpiauí, que interligava o estado à capital federal Brasília, pelo sul, e atraía ainda mais imigrantes à capital do estado (FAÇANHA, 1999, p. 34).

Além disso, o estado procurou criar símbolos modernizadores da presença do poder público na capital, realizando reformas nos logradouros públicos e a construção de edifícios de grande porte, utilizando-se da arquitetura moderna e de novas tecnologias para mostrar a seus habitantes a sensação de mudança de

40 configuração da cidade, em consonância com os novos tempos (MONTE; NASCIMENTO, 2009, p. 2).

Um dos governos do Piauí que mais utilizou a arquitetura como símbolo de sua gestão foi o do engenheiro Alberto Tavares Silva, entre 1971 e 1975. Conhecido como “albertista”, foi marcado pela melhoria urbana como asfaltamento e embelezamentos das principais vias da cidade, avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim. Além disso, construiu obras públicas monumentais que marcaram a paisagem urbana da cidade até os dias atuais. Dentre elas, o Estádio Albertão, de 1973 (Figura 1.8), o Tribunal de Justiça do Piauí, de 1972, o Edifício Cepisa, de 1973, o Hospital de Doenças Infecto-Contagiosas (HDIC), a UFPI e o Hotel Piauí. O discurso do governo “albertista” relacionava o progresso às edificações modernas e monumentais na cidade de Teresina, como símbolos que marcam a paisagem urbana da capital piauiense até os dias atuais (Figura 1.9).

Figura 1.8: Imagem da maquete física do Estádio Albertão, publicada no jornal O Dia de 1972. Arquiteto Raul Cirne.

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Figura 1.9: Vista aérea do estádio e do entorno em 2004. Fonte: Feitosa e Macedo (2009, p. 10).

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