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A cidade no ensino de Geografia: possibilidades e potencialidades

CAPÍTULO I – AS BASES TEÓRICO-METODDLÓGICAS DO ENSINO DE

1.3 A cidade no ensino de Geografia: possibilidades e potencialidades

Na atualidade (primeira metade do século XXI), a Geografia escolar tem buscado ultrapassar os estigmas tradicionalistas e tecnicistas relacionados ao seu ensino. Nesse percurso, novas abordagens metodológicas e relevantes debates teóricos foram inseridos à

ciência geográfica e, desta maneira, houve um significativo aumento no número de pesquisas e estudos que tratam sobre o ensino de Geografia (CAVALCANTI, 2016). Contudo, neste percurso de alterações teórico-metodológicas na ciência geográfica, a Geografia escolar ainda precisa superar as sombras do passado. Kaercher (2004) afirma que a renovação da Geografia escolar ainda é uma utopia a ser alcançada. Nesse entendimento, refletir sobre o ensino de Geografia se torna de fundamental importância, visto que a ciência geográfica tem sua relevância materializada no currículo da escolarização básica. De acordo com Straforini, “A defesa pela Geografia enquanto componente curricular obrigatório nas escolas não pode ignorar o protagonismo que as dinâmicas espaciais vêm assumindo no atual estágio de globalização, que se apresenta como técnico, científico e informacional.” (STRAFORINI, 2018, p. 178).

Dessa forma, a efetiva renovação da Geografia escolar se coloca com urgência, visto que os fundamentos do ensino de Geografia no Brasil se estruturaram a partir de bases tradicionalistas (PONTUSCHKA et al., 2009, p. 44) e, a partir de tais concepções, não se consegue entender e explicar a totalidade-mundo em suas relações de interdependências, nem a complexidade das relações de produção e consumo, tampouco se consegue compreender os processos de constituição das diferentes espacialidades. Desse modo, entende-se que o ensino de Geografia de perspectiva tradicional permanece ainda em grande medida arraigado em sala de aula, refletindo em práticas pedagógicas destoantes e desarticuladas do mundo vivido e percebido pelos estudantes (CAVALCANTI, 1998, p. 11).

Na perspectiva de superação de paradigmas tradicionais e encaminhando-se para a associação entre ensino de Geografia e cotidiano dos estudantes, Cavalcanti (1998, 2012a, 2012b), Callai (2008), Kaercher (1998), Castrogiovanni (2008), entre outros, têm apontado que a aproximação da Geografia escolar ao mundo vivido pelos estudantes é um caminho possível e necessário.

Castrogiovanni (2008) aponta que “existe pouca aproximação da escola com a vida, com o cotidiano dos alunos. A escola não se manifesta atraente frente ao mundo contemporâneo, pois não dá conta de explicar e textualizar as novas leituras de vida.” (CASTROGIOVANNI, 2008, p. 15). Nesse sentido, Cavalcanti (1998) enfatiza

[...] a necessidade de se considerarem o saber e a realidade do aluno como referência para o estudo do espaço geográfico. O ensino de Geografia, assim, não deve se pautar pela descrição e enumeração de dados, priorizando apenas aqueles visíveis e observáveis na sua aparência [...] Ao contrário, o ensino deve propiciar ao aluno a compreensão do espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições. (CAVALCANTI, 1998, p. 20)

Isto posto, Cavalcanti (2012b) aponta que o ensino de Geografia deve encaminhar-se para se aproximar do cotidiano dos estudantes, de forma a estabelecer conexões e relações escalares entre o local e o global como forma de construção de aprendizagens efetivamente significativas. Assim sendo a autora enfatiza que

[...] ao estudar os temas, deve-se ir do local ao global e deste ao local. Por um lado, caminha-se no sentido de dar significado aos conteúdos geográficos para o próprio aluno, fazendo ligação dos conhecimentos trabalhados em sala de aula com sua vida cotidiana e imediata; por outro lado, postula-se que, no lugar, que é manifestação do global, é possível encontrar elementos da realidade mais ampla. (CAVALCANTI, 2012b, p. 191)

Destarte, o lugar como referência de análise se apresenta como aproximação à realidade imediata e também se coloca como estratégia de superação a práticas pedagógicas desconexas do mundo vivido pelos estudantes. Dessa maneira, reconhece-se a importância do lugar para a compreensão do mundo. Callai (2008) afirma que

É o nível do local que traz em si o global, assim como o regional e o nacional [...] Estudá-lo é fundamental, pois ao mesmo tempo que o mundo é global, as coisas da vida, as relações sociais se concretizam nos lugares específicos. E como tal a compreensão da realidade do mundo atual se dá a partir dos novos significados que assume a dimensão do espaço local. (CALLAI, 2008, p. 86)

Desta maneira, o lugar se reverbera em importância para construção de aprendizagens significativas no ensino de Geografia. Contudo, deve-se atentar para que ao abordar o cotidiano dos estudantes não implique em reducionismos, de forma a perder a referência e a conexão escalar com outros lugares próximos e/ou distantes. Callai (2008) sustenta ainda que “no estudo do lugar, as outras dimensões são presença obrigatória para que não se incorra em análises simplistas, que não permitam as explicações adequadas.” (CALLAI, 2008, p. 97). No entanto, Cavalcanti (2012b) alerta que se deve evitar, ao apresentar temas do cotidiano dos estudantes, reducionismos e a demasiada simplificação. Segundo a autora,

Na intenção de motivar os alunos para as atividades de sala de aula, pela abordagem de temas de sua vida particular e da realidade imediata [...] em alguns casos se limita a um empirismo sensualista e perde a oportunidade de ajudar os alunos a formar, pelo pensamento teórico, conceitos amplos que os ajudem a ir além de seu mundo imediato. (CAVALCANTI, 2012b, p. 192)

que os estudantes estão inseridos, no entanto, não se pode perder de vista os aspectos globais, visto que o lugar não se explica por si só, este se apresenta interligado e interdependente a outros lugares. Nesta compreensão, o ensino de Geografia é fundamental para a construção do raciocínio espacial, pois pensar geograficamente permite ao aluno perceber a realidade na qual está inserido, compreendendo que seus locais de vivências e experiências fazem parte de uma dinâmica global, e que todo esse contexto é permeado por contradições, injustiças, desigualdades, sendo parte da complexa totalidade das relações globais. Cavalcanti (2017) considera que

[...] no entorno da maioria das pessoas, [há] uma realidade complexa em constante desenvolvimento que provoca/gera conflitos, injustiças, contradições sociais e espaciais bastante difíceis de analisar, de compreender, e que, no entanto elementos dessa realidade aparecem/evidenciam-se como conhecimentos, informações, dados, e são comunicados de tal forma que parecem isolados, fragmentados, naturalizados. (CAVALCANTI, 2017, p. 15).

A compreensão dessa realidade local não se dá de forma isolada dos acontecimentos, fenômenos e realidades próximas e/ou distantes. Há de se considerar a totalidade e a globalidade de aspectos que se apresentam a cada momento, por conseguinte, essa realidade-mundo, local e global, se reveste em complexidade e integralidade, visto que aspectos do global se manifestam nos mais diversos lugares e a estes se associam. Segundo Cavalcanti (2012b),

[...] o espaço vivenciado hoje é fluído formado com limites indefinidos e/ou dinâmicos, e ultrapassa o lugar de convívio imediato. É, também, um espaço extremamente segregado e segregador, onde cresce a cada dia o número de excluídos, de violentados, de desempregados, de sem-terra, de sem-teto. (CAVALCANTI, 2012b, p. 192)

Destarte, a importância do ensino da Geografia e a sua relação ao cotidiano dos estudantes se coloca como possibilidade para a compreensão do mundo. Nesse sentido, Callai (2010) assevera que a Geografia,

[...] enquanto matéria de ensino cria as condições para que o aluno se reconheça como sujeito que participa do espaço em que vive e estuda, e que pode compreender que os fenômenos que ali acontecem são resultado da vida e do trabalho dos homens em sua trajetória de construção da própria sociedade demarcada em seus espaços e tempos. (CALLAI, 2010, p. 17).

Assim sendo, o ensino de Geografia se apresenta como possibilidade, potencializada pela articulação entre o vivido e o percebido pelos estudantes nos mais

diversos lugares e espaços, e os saberes científicos sistematizados de forma a se compreender e relacionar aspectos diversos, sempre tomando como referência o cotidiano imediato dos estudantes em associação aos aspectos e caraterísticas globais. Nesse entendimento, Cavalcanti (1998) defende que

Um ponto de partida relevante para refletir sobre a construção de conhecimentos geográficos na escola, parece ser o papel e a importância da Geografia para a vida dos alunos. Há um certo consenso entre os estudiosos da prática de ensino de que esse papel é o de prover bases e meios de desenvolvimento e ampliação da capacidade dos alunos de apreensão da realidade do ponto de vista da espacialidade, ou seja, de compreensão do papel do espaço nas práticas sociais destes na configuração do espaço. (CAVALCANTI, 1998, p. 11).

No entendimento de que o ensino de Geografia contribui para desenvolver nos estudantes a autonomia do pensamento e da ação, e reconhecendo que a construção de conhecimentos encaminha-se a partir da apreensão dos fenômenos e espacialidades das e nas coisas e de aspectos e características diversas vivenciadas, individual e/ou coletivamente, o ensino de Geografia se reveste em relevância dadas as possibilidades de compreensão do mundo, desde o lugar de vivência cotidiana dos estudantes. Cavalcanti (2012b) reforça essa ideia ao afirmar que

Em suas atividades diárias, alunos e professores constroem geografia, pois, ao circularem, brincarem, trabalharem pela cidade e pelos bairros, eles constroem lugares, produzem espaço, delimitam seus territórios. Assim, vão formando espacialidades cotidianas em seu mundo vivido e contribuindo para a produção de espaços geográficos mais amplos. Ao construírem geografia, constroem também conhecimentos sobre o que produzem, conhecimentos que são geográficos. Então, ao lidar com coisas, fatos e processos na prática social cotidiana, os indivíduos vão construindo e reconstruindo geografias (no sentido de espacialidades) e ao mesmo tempo, conhecimento sobre elas. (CAVALCANTI, 2012b, p. 57)

Na compreensão de que os aspectos teóricos mediam a relação do indivíduo com o mundo real em sua complexidade, Cavalcanti afirma que “a formação de conceitos é uma habilidade fundamental para a vida cotidiana. Os instrumentos conceituais são importantes, porque ajudam as pessoas a categorizar o real, a classifica-los, a fazer generalizações.” (CAVALCANTI, 2012b, p. 61). Assim sendo, ao se propor uma aproximação entre o ensino de Geografia e o cotidiano dos estudantes deve-se compreender que a educação geográfica se dá a partir da formação de conceitos e que este processo é resultado da leitura de uma realidade e um contexto específico. Nesse entendimento, o ensino de Geografia que busque a construção de conceitos a partir do cotidiano imediato dos estudantes deve se preocupar em apresentar a cidade estabelecendo relações e conexões entre as práticas espaciais dos

estudantes no ambiente urbano em associação aos conceitos científicos sistematizados. Dessa forma, entende-se que esse processo se concretiza a partir do confronto e/ou encontro entre aspectos do cotidiano e aspectos científicos. Nesse mesmo entendimento, Portela (2017) propõe que

[...] o ensino de Geografia pode apropriar-se dos saberes dos alunos para estimular o conhecimento do lugar, da cidade, do Brasil e do mundo, o que é essencial para que o aluno seja um cidadão proativo [...] Assim sendo, ser cidadão significa ter o entendimento crítico e analítico da cidade a ponto de possibilitar a participação ativa e ser capaz de transformar para efetivar o direito de usufruir da cidade. (PORTELA, 2017, p. 28)

Cavalcanti (2012a) reforça esse entendimento ao defender que a cidade não pode ser analisada somente a partir de suas estruturas físicas, mas também a partir do modo de vida que se desenvolve cotidianamente no espaço urbano. Segundo a autora,

A cidade, como conteúdo escolar, não é concebida apenas como forma física, mas como materialização de modos de vida, como espaço simbólico; seu estudo implica desenvolver no aluno a compreensão do modo de vida da sociedade global contemporânea e de seu cotidiano em particular, além de contribuir para o desenvolvimento de habilidades necessárias para os deslocamentos do aluno, seja nos espaços mais imediatos de seu cotidiano, seja em espaços mais complexos, que podem envolver uma rede de cidades. (CAVALCANTI, 2012a, p. 10)

Destarte, um leque de temas e possibilidades se apresenta, a partir do ensino de cidade. Contudo, neste percurso, há de se delimitar a abordagem de análise. Villaça (2001) diferencia, em termos gerais, a perspectiva regional da abordagem intraurbana. Segundo o autor,

A estrutura do espaço regional é dominada pelo deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral – eventualmente até da mercadoria força de trabalho. O espaço intra-urbano, ao contrário, é estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamentos do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho – como no deslocamento casa/trabalho -, seja enquanto consumidor – reprodução da força de trabalho, deslocamento casa- compras, casa-lazer, escola etc. (VILLAÇA, 2001, p. 20)

Assim, pode-se afirmar que na abordagem regional não se considera o espaço vivido a partir das relações cotidianas como produto social, apenas se destacam as ações relacionadas à produção de espaços por agentes hegemônicos, representadas pelo ato de produzir (mercadorias) e suas implicações e também ações ligadas a deslocamentos e associadas ao consumo de forma mais global. Em vista disto, há de se tecer algumas considerações sobre a cidade. De forma geral, a cidade e o espaço urbano, a depender do grau

de desenvolvimento de uma sociedade, apresentam algumas características que os diferem do espaço rural. No entanto, não se deve analisar a cidade apenas em oposição ao campo, visto que o espaço rural e urbano se interligam e se conectam de forma cada vez mais intensa, seja pelo conjunto de tecnologias que apresentam em ambos espaços, seja pela dependência no que se refere à produção de alimentos e de tecnologias. Desse modo, Carlos (2011) afirma que

[...] a cidade é meio de consumo coletivo (bens e serviços) para a reprodução da vida dos homens. É o lócus da habitação e tudo o que o habitar implica na sociedade atual: escolas, assistência médica, transporte, água, esgoto, telefone, atividades culturais, lazer, ócio, compras etc. (CARLOS, 2011, p. 46)

Nesse entendimento, Carlos (2011, p. 70) considera ainda que “a cidade tem sido analisada como concentração de população, instrumento de produção, atividades de serviço, infraestrutura, reserva de mão de obra, trabalhadores e, sobretudo, mercadorias”. Nessa perspectiva, a cidade pode ser entendida como aglomeração de pessoas para o trabalho; contudo, deve dispor de serviços públicos diversos como saúde, educação, cultura, lazer, dentre outros, considerados essenciais à população. Para Santos (2007),

[...] a cidade é impalpável. Ela, porém, impõe-se como um amontoado de signos aparentemente desencontrados, agindo, no entanto, em concerto, para limitar mais do que para facilitar a minha ação, tornando-me impotente diante da multiplicidade das coisas que me cercam e de que posso dispor. (SANTOS, 2007, p. 26)

Nessa perspectiva, entende-se que os processos que se concretizam no espaço urbano tornam perceptível a força das relações globais de produção e consumo e, através das manifestações tecnológicas e do frenético e avassalador poder da informação, tem-se contribuído para gerar compreensões apenas parcializadas da globalização, o que leva à falsa sensação de pertencimento a um mundo dito globalizado. Imersa neste contexto, a cidade constitui-se como espaço de compreensão da realidade-mundo. De acordo com Carlos (2007b),

[...] a globalização materializa-se concretamente no lugar, aqui se lê/percebe/entende o mundo moderno em suas múltiplas dimensões, numa perspectiva mais ampla, o que significa dizer que no lugar se vive, se realiza o cotidiano e é aí que ganha expressão o mundial. O mundial que existe no local, redefine seu conteúdo, sem todavia anularem-se as particularidades. (CARLOS, 2007b, p. 14)

Ao considerar essa assertiva há de se destacar que o atual cenário de globalização das relações econômicas promove a acentuação da exclusão, das desigualdades sociais,

culturais, a falta de acesso a serviços básicos essenciais à população – problemas estes que são agravados pela intensificação e precarização da vida urbana. Nesse contexto, em que problemas sociais permeiam o espaço urbano, Santos (2001) afirma que

[...] a cidade ganha uma nova dimensão e um novo papel, mediante uma vida de relações também renovada, cuja densidade inclui as tarefas ligadas à produção globalizada. Por isso, a cidade se torna o lugar onde melhor se esclarecem as relações das pessoas, das empresas, das atividades e dos “fragmentos” do território com o país e com o “mundo”. (SANTOS, 2001, p 46).

Partindo dessa proposição, a cidade se descortina como uma parcela do espaço na qual a cotidianidade da vida urbana acontece em todas as suas dimensões, ainda que de forma precária ou precarizada, seja no contexto da produção e/ou consumo, ou mesmo por meio do uso dos espaços urbanos coletivos, através de simples ações de produção de espaços banais e transitórios que caracterizam a vida cotidiana na cidade.

Nesse entendimento, o direito à cidade, aos lugares da cidade, pode efetivar-se a partir da compreensão da cidade como espaço de manifestação do cotidiano urbano, como apropriação dos espaços para desenvolver atividades diversificadas que se traduzam em participação, e na tomada de decisões que não se resumam exclusivamente em produzir, consumir ou simplesmente morar. Destarte, o direito à cidade, segundo Lefebvre (2001),

[...] trata-se da necessidade de uma atividade criadora, de obra (e não apenas de produtos e de bens materiais consumíveis), necessidades de informação, de simbolismo, de imaginário, de atividades lúdicas. Através dessas necessidades específicas vive e sobrevive um desejo fundamental, do qual o jogo, a sexualidade, os atos corporais tais como o esporte, a atividade criadora, a arte e o conhecimento são manifestações particulares e momentos, que superam mais ou menos a divisão parcelar dos trabalhos. Enfim, a necessidade da cidade e da vida urbana só se exprime livremente nas perspectivas que tentam aqui se isolar e abrir os horizontes. (LEFEBVRE, 2001, p. 105).

Carlos (2011, p. 46) afirma que “a produção espacial realiza-se no cotidiano das pessoas como forma de ocupação e/ou utilização de determinado lugar num momento específico.” Carlos (2007a) defende ainda que a cidade pode ser um espaço de tomada de consciência do modo de vida urbano e de todos os problemas que lhe são intrínsecos, resultando em espaços carregados de sentidos e significados que podem contribuir à

[...] compreensão da cidade através da análise da vida cotidiana como prática sócio- espacial; isto é, a cidade como o espaço onde se desenrola e ganha sentido a vida cotidiana. Assim, o espaço surge enquanto nível determinante que esclarece o vivido, na medida em que a sociedade o produz, e nesta condição apropria-se dele e domina-o. Na apropriação se colocam as possibilidades da invenção que faz parte da

vida e que institui o uso que explora o possível ligando a produção da cidade a uma prática criadora. (CARLOS, 2007a, p. 12).

O espaço urbano é, desse modo, um espaço de materialização das contradições históricas, sociais, culturais e econômicas que refletem em um modo de vida específico, o modo de vida urbano. Este, por sua vez, se traduz em oportunidade quanto à sua produção, reprodução e/ou transformação, ou pode simplesmente refletir uma completa alienação, limitando mais que garantindo o direito à cidade.

Nesta compreensão, ao se estudar a cidade no ensino de Geografia, uma multiplicidade de temáticas se apresentam em estrita relação com os mais diversos espaços. Dessa forma, o ensino de cidade possibilita articular ao cotidiano de jovens escolares várias temáticas, como, por exemplo, questões relacionadas aos problemas ambientais, sociais, culturais, políticos e econômicos que emergem no cenário urbano e produzem disputas/conflitos, resultando em espaços precarizados e/ou segregados e limitando cada vez mais o modo de se vivenciar a cidade.

Nesse entendimento, cumpre ressaltar que o processo de escolarização se desenvolve em grande medida no espaço urbano e, como tal, o estudo da cidade se coloca como aproximação entre o ensino de Geografia e o cotidiano dos estudantes. Nessa perspectiva, há de se sublinhar a relação entre o ensino de Geografia, cidade e cidadania. Nesse entendimento, Cavalcanti (2012b) aponta que

O ensino de Geografia contribui para a formação da cidadania através da prática de construção e reconstrução de conhecimentos, habilidades, valores que ampliam a capacidade de crianças e jovens compreenderem o mundo em que vivem e atuam, numa escola organizada como um espaço aberto e vivo de culturas. O exercício da cidadania na sociedade atual, por sua vez, requer uma concepção, uma experiência, uma prática - comportamentos, hábitos, ações concretas de cidade. (CAVALCANTI, 1999a, p. 41)

Para a compreensão do espaço urbano, há que se considerar que, na atualidade (nesta primeira metade do século XXI), as cidades são locais complexos que abrigam uma diversidade de grupos e, por conseguinte, múltiplos aspectos se apresentam à análise, aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais emergem no contexto urbano e precisam ser desvelados. Nessa perspectiva, deve-se considerar que tais aspectos se traduzem em multiplicidades de relações e manifestações gerando disputas e conflitos e produzindo constantes oposições em diversos contextos: local/global, homogêneo/heterogêneo, inclusão/exclusão (CAVALCANTI, 2012a). É neste cenário que os mais diversos espaços da cidade são produzidos e, por conseguinte, se colocam à compreensão, no sentido de apreensão

das distintas realidades manifestas cotidianamente em espaços cada vez mais conectados, fluídos e também segregados.

O ensino de Geografia se coloca como possibilidade de articulação entre o cotidiano imediato dos estudantes na cidade e o processo de formação de conceitos sobre a cidade e o urbano, essenciais para compreender as relações que se estabelecem entre o seu