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2. A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE CONTRATOS DE

2.4. Artigo 7º(1): Interpretação da CISG

2.4.2. A CISG e o Direito Uniforme

Como visto, a CISG constitui uma norma de caráter internacional aplicável aos contratos de compra e venda de mercadorias internacionais. Sua origem internacional e o fato de o legislador internacional ter buscado encontrar termos autônomos originais sem utilizar um sistema legal preexistente específico ou terminologia jurídica torna um método autônomo de interpretação necessário67,

considerando que a CISG consiste de um sistema único, transnacional e coletivo de termos acordados entre delegados de seus estados signatários68.

No entanto, a busca pela criação de normas internacionais nesse ramo não é recente. Desde a Idade Média, verifica-se um empenho da comunidade internacional na elaboração de leis aplicáveis ao comércio internacional de maneira uniforme e globalizada.

application”. KOCH, Robert. “The Concept of Fundamental Breach of Contract Under the United Nations Convention on Contracts for the International Sales of Goods (CISG)”. Review of the Convention on Contracts for the International Sale of Goods (1988), Kluwer International (1999). P. 177-354. Disponível em:http://www.jus.uio.no/pace/en/html/concept_of_fundamental_breach_under_the_cisg_article_73_install ment_sales_excerpt.robert_koch/s1.html. Acesso em: 23 jan. 2016. Em tradução livre: “As regras tradicionais do civil law, como a interpretação literal, histórica, sistemática a teleológica (...) permitem a promoção do caráter internacional da CISG e seu dever de promover a uniformidade.”

67 DIEDRICH, Frank. “Maintaining Uniformity in International Uniform Law Via Autonomous Interpretation: Software Contracts and the CISG”. Pace International Law Review. V. 8. 1996. p. 303-338. 68 KAHN, Philippe. “La convention de Vienne du 11 avril 1980 sur les contrats de vente internationale de marchandises”. Revue Internationale de Droit Comparé. V. 33. 1981. p. 951-986.

A criação da lex mercatoria pelos tribunais de comércio medievais demonstra que a busca pela uniformização do direito vem se estendendo por muitos anos.

A lex mercatoria foi, certamente, um marco no direito internacional. Ao contrário do previsto pelas normas feudais e eclesiásticas vigentes à época, a lex mercatoria tem um caráter transnacional69, possuindo, por isso, características próprias que, até então, não eram comumente conhecidas.

A lex mercatoria tem como principal fundamento os costumes mercantis e traz procedimentos bastante informais, prezando pela liberdade contratual. Além disso, os casos julgados no âmbito da lex mercatoria durante a Idade Média eram julgados pelos próprios mercadores, os quais poderiam promover, inclusive, decisões por equidade (ex aequou et bono).

Atualmente, alude-se a uma nova lex mercatoria, sendo esta um “direito criado pelo empresariado, sem a intermediação do poder legislativo dos Estados e formado por regras destinadas a disciplinar de modo uniforme, além da unidade política dos Estados, as relações comerciais que se estabelecem dentro da unidade econômica dos mercados”70.

A aplicação de lex mecatoria, contudo, não se dá de modo igualitário em todos os países, em razão das diferentes culturas e tradições jurídicas vigentes. Por exemplo, as jurisdições que dão maior importância às leis escritas ou que têm um caráter nacionalista tendem a não aceitar normas não codificadas.

Diante disso e tendo em vista o crescimento cada vez mais rápido e intenso do comércio internacional, a necessidade de implementação de um instrumento internacional uniforme, que fosse eficiente e atendesse de forma balanceada as necessidades e diferenças de diversas tradições jurídicas.

69 Para alguns juristas, como Berthold Goldman e René David, a lex mercatoria constitui “um conjunto de normas de natureza paralegal” apud FRADERA, Vera Maria Jacob. O Caráter Internacional da CISG. In: A Convenção de Viena sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias: desafios e perspectivas. VENOSA, Sílvio de Salvo; GAGLIARDI, Rafael Villar; TERASHIMA, Eduardo Ono (Org.). São Paulo: Atlas, 2015. p. 209.

70 GALGANO, Francesco; MARRELA, Fabrizzio. Interpretación del contrato y lex mercatória. Revista de Derecho Comparado, n. 3, fev. 2001, p. 20.

Em face dessa necessidade, instituições internacionais, como a UNICTRAL, promoveram a criação de normas codificadas e de aplicação uniforme.

Dentro desse contexto, o advento da CISG, cujo principal objetivo é promover a uniformização da legislação aplicável ao comércio internacional de mercadorias, traz uma maior segurança jurídica, mais eficiência e certeza a tais relações jurídicas.

Deve-se ressaltar, todavia, que a mera concepção de uma convenção internacional não implica, automaticamente, a criação ou a implementação do direito uniforme71, uma vez que é muito comum e, em algumas ocasiões, inevitável que os intérpretes e aplicadores do direito utilizem-se de conceitos nacionais para definir uma norma de caráter internacional72.

Ao contrário do que ocorre com algumas outras codificações internacionais nesse mesmo ramo, como os Princípios UNIDROIT e o Principles of European Contract Law (PECL), a CISG traz normas que devem ser aplicadas

71 MCMAHON, Anthony J. Differentiating between Internal and External Gaps in the U.N. Convention on Contracts for the International Sale of Goods: A Proposed Method for Determining "Governed by" in the Context of Article 7(2). In: Columbia Journal of Transnational Law, vol. 44. P. 999. Disponível em < http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/mcmahon1.html>., acesso em 23 jan.2016.

John Felemegas assevera que: “The adoption of the CISG is only the preliminary step towards the ultimate goal of unification of the law governing the international sale of goods. The area where the battle for international unification will be fought and won, or lost, is the interpretation of the CISG's provisions. Only if the CISG is interpreted in a consistent manner in all legal systems that have adopted it, will the effort put into its drafting be worth anything.”. FELEMEGAS, John. The United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods: Article 7 and Uniform Interpretation. Review of the Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG). Kluwer Law International, 2000-2001. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/felemegas.html>, acesso em: 23 jan. 2016. Em tradução livre: “A adoção da CISG é somente o primeiro passo para a promoção do direito uniforme no comércio internacional de mercadorias. O principal desafio para a uniformização do direito é a interpretação das disposições da CISG. Somente se a CISG for interpretada de modo consistente em todos os diferentes sistemas legais que a adotaram, o esforço para a sua elaboração terá valido a pena.”

72 Nesse sentido, sustenta Roderick Munday: “Even when outward uniformity is achieved [...], uniform application of the agreed rules is by no means guaranteed, as in practice different countries almost inevitably come to put different interpretations upon the same enacted words”. Munday, R.J.C. “Comment: The Uniform Interpretation of International Conventions”. International and Comparative Law Quarterly, n. 27, 1978, p. 450. Em tradução livre: “Até mesmo quando a uniformidade é superficialmente atingida (...), a aplicação uniforme das normas não está garantida, uma vez que, na prática, é quase inevitável que ocorra uma interpretação diferente em relação aos mesmos termos em cada país.”

uniformemente. Como já frisado, as normas da CISG devem ser interpretadas de modo autônomo, sem influência dos conceitos do direito nacional.

Vale notar que a principal diferença entre a CISG e as codificações mencionadas é, justamente, o fato de que estas últimas são compostas por princípios a serem aplicados de forma flexível (e, portanto, possivelmente conforme os conceitos do direito nacional), enquanto a CISG é formada por normas que visam a construir um padrão (standards) internacional autônomo e uniforme73.

Feitas essas breves anotações acerca do Direito Uniforme e do contexto no qual se insere a CISG, passaremos a analisar especificamente as premissas de sua interpretação vis-à-vis com a necessidade de promoção da uniformidade prevista no art. 7º(1).