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3. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A CISG

3.1. A Boa-fé no Direito Internacional

3.1.2. A Boa-fé na Common Law

Nesse tópico serão abordados aspectos referentes ao desenvolvimento da boa-fé em países de common law, dos quais vários são signatários da CISG147. Como veremos, a doutrina da boa-fé em países de tradição da common law não é tão extensa e abrangente como em países de tradição da civil law. Nada obstante, isso não significa que a doutrina da boa-fé não se faça presentes em países common law.

144 POWERS, Paul J.. Defining the Undefinable: Good Faith and the United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods 18. Journal of Law and Commerce (1999) p. 336.

145 idem.

146 ibidem, p. 337.

147 A despeito de a Inglaterra não ser signatária, países como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia são signatários.

É de se notar, inicialmente, que a maioria dos países de common law não possuem uma doutrina consolidada sobre a boa-fé148. Diferentemente da civil law, como visto acima, que tem maior influência do Direito Romano e do Direito Canônico, o que influencia a common law são as práticas comerciais, cuja consequência é de que: “if a choice has to be made between certainty and justice in the individual case, it is likely to be made in favour of certainty”149.

Nesse sentido, o Direito Norte-Americano, um dos únicos países de common law que possui uma doutrina consolidada sobre o tema, em seu Código Comercial Uniforme ("UCC")150, prevê no art. 1-203 que as partes têm o dever de agir com boa-fé durante a performance e execução de todo e qualquer contrato.

O sintagma boa-fé é definido como "honestidade de fato na conduta ou no negócio em questão"151. O art. 1-205 do UCC desenvolve ainda mais o princípio da boa-fé ao conceituar má-fé: "falha em agir ou executar, em boa-fé, um dever específico ou uma obrigação contratual, constitui uma violação do contrato ou torna ineficaz, sob circunstâncias específicas, o uso de um direito ou poder de reparação".

Segundo Farnsworth152, no Direito Norte-Americano, o dever de boa-

fé na execução contratual deve ser medido de acordo com parâmetros objetivos, que traduzem conceitos como decência, lealdade, razoabilidade que um indivíduo

148 SIM, Disa. The scope and application of Good faith in the Vienna Convention on contracts for the international sale of Goods. Sept. 2001. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/ biblio/sim1.html#*>. Acesso em: 7 jan. 2016.; EBKE, Werner F.; STEINHAUER, Bettina M. The doctrine of good faith in German Contract Law. In: BEATSON, Jack; FRIEDMANN, Daniel. Good faith and fault in contract law, 1995.

Nada obstante, Farnsworth pondera que a Austrália e o Canadá estão caminhando para o reconhecimento do princípio da boa-fé, tal como reconhecido por outros países, inclusive da Europa Continental. FARNSWORTH, Allan E. Duties of Good Faith and Fair Dealing Under the UNIDROIT Principles, Relevant International Conventions, and National Laws, 3 Tul. J. Int'l & Comp. L. (1995), p. 52-53.

149 BARRY, Nicholas. The United Kingdom and the Vienna Sales Convention: another case of splendid isolation? Rome: Centro di Studi e Richerche di Diritto Comparato e Straniero, 1993 Disponível em: <http://www.cnr.it/CRDCS/nicholas.htm.>. Acesso em: 5 jan. 2016. Em tradução livre: "se a escolha entre certeza e justiça deve ser feita em um caso concreto, é mais provável que seja feita em favor da certeza”. 150 Tradução livre de "Uniform Commercial Code".

151 Tradução livre de "honesty in fact in the conduct or transaction concerned".

152 FARNSWORTH, E. Allan. Good Faith Performance and Commercial Reasonableness Under the Uniform Commercial Code, 30 U. Chi. L. Rev. (1963), p. 671.

deve guardar para com a comunidade. O autor, inclusive, afirma que o conceito de boa-fé contido no UCC tem origens no Código Civil Alemão, o BGB153.

Conforme Robert Summers, a definição de um conceito de boa-fé exige a adoção de um critério de exclusão. Quer se dizer que a boa-fé não deve ser definida pelo que ela é, mas pelo que não é. Para o autor, a boa-fé atua no sentido de excluir comportamentos tidos como má-fé. Esses comportamentos podem ser mais facilmente identificados e servem como diretrizes mais claras a serem seguidas pelo Judiciário154.

No Direito Inglês, por outro lado, o dever de boa-fé não é geralmente reconhecido pelos precedentes e pelas cortes. Nesse sentido, concede-se muito mais valor aos estritos termos contatuais, em detrimento ao comportamento das partes ao longo da execução contratual155.

É de se dizer: o Direito Inglês reconhece e dá vigência, de forma geral, aos deveres expressos de boa-fé, mas é relutante quando se trata de direito implícito de boa-fé156.

No entanto, o caso Yam Seng v ITC157, julgado em 1ª Instância em

2013, pode sinalizar para uma mudança nessa tendência.

O caso trata de um contrato de distribuição assinado em maio de 2009 entre Yam Seng PTE Ltd ("Yam Seng") and International Trade Corp Ltd ("ITC"). Em resumo, ITC concedeu para Yam Seng exclusividade, em territórios específicos, na venda de determinados fragrâncias da marca Manchester United.

153 FARNSWORTH, Allan E. Duties of Good Faith and Fair Dealing Under the UNIDROIT Principles, Relevant International Conventions, and National Laws, 3 Tul. J. Int'l & Comp. L. (1995), p. 51-52.

154 SUMMERS, Robert S. The General Duty of Good Faith -- its Recognition and Conceptualization, 67 Cornell L. Rev. 810, 818 (1982), Disponível em: <http://scholarship.law.cornell.edu/cgi/ viewcontent.cgi?article=2399&context=facpub. Acesso em: 24 jan. 2016.

155 FARNSWORTH, Allan E. Duties of Good Faith and Fair Dealing Under the UNIDROIT Principles, Relevant International Conventions, and National Laws, 3 Tul. J. Int'l & Comp. L. (1995), p. 54.

156 ZELLER, Bruno. Good Faith - The Scarlet Pimpernel of the CISG. 7 Int'l trade &Bus. L. Ann. 2 (2000). Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/zeller2.html>. Acesso em: 24 jan. 2016.

Em julho de 2010, a Yam Seng alegou que a ITC violou o contrato, o que autorizou a rescisão contratual. Yam Seng solicitou a ressarcimento dos danos à ITC, o que incluiu a prestação de informações falsas, a prática de preços inferiores aos acordados, licenciamento de produtos não autorizados. A brevidade do acordo, no entanto, implicou que estas alegações não puderam ser vinculadas a determinadas obrigações expressas no contrato. A Sam Yeng, assim, alegou que a ITC violou o dever implícito de boa-fé.

O juiz considerou que a ITC infringiu "o dever implícito de honestidade". Como resultado desta e de outras violações identificadas pelo juiz, Yam Seng ganhou o direito de rescindir o contrato de distribuição e direito à indenização pelos danos sofridos. O juiz também decidiu que a Yam Seng tinha direito a indenização pelas falsas declarações, uma vez que a ITC teria induzido a Yam Seng a assinar o acordo de distribuição, com base em representações e declarações falsas quanto aos direitos então pertencentes à ITC.

Como podemos extrair dessas breves considerações acerca do princípio da boa-fé em países de tradição common law, o instituto manifesta-se como regra de performance e execução contratual. Nada obstante, a despeito de suas diretrizes, conceitos e parâmetros serem mais restritos do que os dos países de civil law, pode-se afirmar que o instituto em ambos os sistemas jurídicos compartilha as mesmas fundações, que podem ser resumidas como execução justa, honesta e razoável das obrigações contratuais158.