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A CODIFICAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE RECURSOS HÍDRICOS COMPARTILHADOS

3 SOBERANIA SOBRE RECURSOS NATURAIS

3.2 A CODIFICAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE RECURSOS HÍDRICOS COMPARTILHADOS

A codificação do direito internacional relativa à proteção e à administração dos recursos hídricos, tanto de superfície como de águas subterrâneas, vem sendo elaborada por três organismos internacionais:

International Law Association – Associação de Direito Internacional (ILA), International Law Institute- Instituto de Direito Internacional

(ILI), e International Law Comission – Comissão de Direito Interancional (ILC-CDI) das Nações Unidas179. Ainda, no âmbito da ONU, as resoluções emanadas da Assembleia Geral também trazem uma grande contribuição para a codificação dos recursos hídricos.180

Ressalta-se que os documentos elaborados pelo ILI e pela ILA fazem parte do direito ambiental internacional costumeiro181, ou seja, contribuem para o avanço da codificação internacional. Essas

179

SANDS, Philippe et al. Principles of international environmental law, p. 303.

180

A evolução da codificação em matéria de recursos hídricos será abordada de forma cronológica, porém dentro de cada organização internacional. Após, apresenta-se a figura 1, com a evolução geral da codificação.

181

Alguns doutrinadores consideram essas normas soft law. ―Na soft law, trata- se de normas com vistas a comportamentos futuros dos Estados que não chegam a ter o status de normas jurídicas, mas que representariam uma obrigação moral aos Estados (obrigações imperfeitas, mas, de qualquer forma, com alguma normatividade) e têm uma dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law. Podem assumir diversas formas ou denominações, como: non binding ‟ códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípios, ata final, e até mesmo denominações tradicionalmente reservadas a norma da hard law como acordos e protocolos.‖ SOAR S uido F. S. A proteção internacional do meio ambiente, p. 92.

instituições têm caráter diverso das organizações intergovernamentais formadas por uma reunião de Estados e por isso suas decisões ou relatórios não têm aplicação efetiva para os Estados. Contudo, as chamadas regras de Helsinque editadas pela ILA ―[...] por muito tempo nortearam as relações do direito internacional das águas doces e os seus princípios foram incorporados ao costume internacional e aos trabalhos da omissão de Direito Internacional‖182

.

Com efeito, os estudos originários desses organismos internacionais, elaborados por especialistas na área de recursos hídricos, passaram a ser considerados e norteiam a codificação (hard law) vinculante do direito internacional do meio ambiente de maneira geral.

Diferentemente, os documentos originários da ONU, ou das resoluções da Assembleia Geral vinculam os Estados-membros da organização e devem ser por eles respeitados e observados.

Antes de apontar o papel e os documentos originários de cada um desses organismos codificadores, é necessário ressaltar a importância de alguns documentos autônomos, ou seja, não têm vinculação com os órgãos citados mas contribuíram para a evolução da regulamentação dos recursos hídricos, entre eles o Congresso de Viena de 1815, o Tratado de Versalhes de 1919, a Convenção de Barcelona de 1921 e o Anteprojeto do Tratado de Bellagio de 1989.

Na interpretação de Soares:

A primeira observação a ser feita, neste campo, é que rios, lagos, bacias hidrográficas, recursos hídricos em geral são regulados por tratados e convenções internacionais muito particularizados, seja entre Estados vizinhos, seja, no máximo, por poucos Estados que têm interesse regional num determinado recurso hídrico. Trata-se portanto, de normas regionais, quando não sub regionais, casuísticas, e das quais muito dificilmente se podem extrair normas gerais ou paradigmas para quaisquer outras situações em outras regiões. Por tais motivos, não há, até o presente momento, uma convenção internacional global que regule as águas doces, que, como sabemos, são os

182

SANDS, Philippe et al. Principles of international environmental law, p. 303; VILLAR, Pilar C. Aquíferos transfronteiriços: a governança das águas e o Aquífero Guarani. Curitiba: Juruá, 2015. p. 110.

elementos da natureza mais importante para a biosfera, em especial, a vida humana.183

O Congresso de Viena, que ocorreu em 1815, é conhecido pela doutrina de direito internacional como o segundo grande evento de reunião dos Estados na concepção do Estado moderno, como hoje se conhece. O primeiro evento considerado pelos doutrinadores internacionalistas seria a Paz de Vestfália, em 1648.

Entre as decisões importantes tomadas em Viena e que se referem aos recursos hídricos está a liberdade de navegação fluvial para todos os Estados, ribeirinhos ou não184.

Cassese comenta que desde 1815 se formou um direito costumeiro o qual reconhece que ―todos os stados ribeirinhos têm o direito de livre navegação e à igualdade de tratamento‖185

. Ressalta-se algumas das regras originárias do Congresso, como o dever dos Estados ribeirinhos de regulamentar de comum acordo a navegação fluvial, a liberdade de navegação e a impossibilidade de ser interditada em se tratando de comércio.186

No fim da Primeira Guerra Mundial, ao assinarem o Tratado de Versalhes na Conferência da Paz em 1919, os Estados pretendiam estabelecer um regime geral e definitivo da liberdade de trânsito e das vias navegáveis. Todavia, por falta de tempo, inseriu-se no referido tratado apenas uma cláusula com tal previsão (art. 338).187 Com este mesmo objetivo e sob os auspícios da Sociedade das Nações, 42 Estados se reuniram em Barcelona, em 1921. Deste encontro resultaram três documentos: uma convenção um estatuto e um protocolo. ―Os princípios da liberdade e de igualdade que tinham adquirido pouco a pouco força consuetudin ria foram reafirmados e codificados.‖188

183

SOARES, Guido F. S. A proteção internacional do meio ambiente, p. 135- 136.

184

MCCAFFREY, Stephen C. The law of international watercourses, p. 42; SHAW, Malcolm. International law. 5. ed. Cambrigde: Cambridge, 2003. p. 26- 28.

185

CASSESE, Antonio. International law. 2nd. eth. Oxford: Oxford, 2005. p. 15.

186

MCCAFFREY, Stephen C. The law of international watercourses, p. 42.

187

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público, p.1.257.

188

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público, p. 1.257.

O estatuto alargou as competências das comissões

fluviais consideradas desde então como

instituições internacionais. Ele, contudo, deixou a opção para a escolha dos Estados interessados entre as comissões puramente ribeirinhas e as

comissões verdadeiramente internacionais,

compreendendo também os não ribeirinhos. Em matéria de trabalhos necessários à navegação, a soberania dos Estados ribeirinhos foi seriamente limitada: eles deveriam proceder à execução dos reclamados pelos Estados não ribeirinhos se estes aceitassem financiá-los.

As actas elaboradas por Barcelona marcaram o termo de uma evolução que levou ao seu ponto

culminante o princípio da liberdade. A

assimilação dos não ribeirinhos aos ribeirinhos que é dele o sinal, foi elevada a um nível nunca antes alcançado.189

Todavia, o princípio da liberdade de navegação não é absoluto e deve ceder espaço a exigências de ordem pública.190

No âmbito da codificação geral e autônoma também se pode mencionar o Anteprojeto do Tratado de Bellagio de 1989191. Este tratado é considerado ―[...] o modelo de acordo internacional mais detalhado sobre as guas subterrâneas e os aqu feros transfronteiriços‖192

. O documento, elaborado por um grupo de especialistas internacionais em matéria de recursos hídricos, é composto por vinte artigos comentados com base nos princípios e nos mecanismos que os Estados podem adotar para o gerenciamento das águas subterrâneas transfronteiriças. O projeto é considerado um modelo importante de convenção para administração das águas subterrâneas transfronteiriças, incluindo regras de

189

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público, p. 1.257-1.258.

190

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público, p. 1.258.

191

HAYTON, Roberto D.; UTTON, Albert. E. Aguas subterráneas transfonterizas: Anteproyecto de Tratado ― ellagio‖. Disponível em: <http://uttoncenter.unm.edu/pdfs/Bellagio_Draft_Treaty_S.pdf>. Acesso em: 18 maio 2015.

192

VILLAR, Pilar C. Aquíferos transfronteiriços: a governança das águas e o Aquífero Guarani, p. 110.

procedimento e mecanismos institucionais para a proteção das águas e o seu uso racional. ―Este entendimento, baseado na antecipação, no planejamento e na precaução é relevante porque em geral os stados adotam uma postura reacionária e não preventiva em relação aos danos a estes recursos.‖193

3.2.1 International Law Institute

O International Law Institute (ILI)194 teve um papel importante na codificação do direito internacional dos cursos de água, pois partiu do instituto as primeiras tentativas neste sentido, com a Resolução de Heidelberg, em 1887, a Declaração de Madri, em 1911, a Resolução de Salzburg, em 1961, e a Resolução de Atenas de 1979.195

Em 1887, a Resolução de Heidelberg, conhecida como

International Regulation on River Navigation (Normas Internacionais

para Navegação dos Rios) com quarenta artigos previa que os ― stados ribeirinhos de um rio navegável são obrigados, de acordo com o interesse geral, a regular, de comum acordo, tudo relacionado à

193

MILLER, Laura Martins. A aplicação dos princípios da cooperação hídrica internacional e da precaução na gestão das águas subterrâneas transfonteiriças: o caso do Aquífero Guarani. Cadernos de Pós-Graduação em Direito/UFRGS. Porto Alegre, UFRGS, v. 2. n. 5, 2004. p. 414. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/ppgdir/issue/view/2404/showToc>. Acesso em: 28 set. 2015.

194

―The International Law Institute was founded in 1955 at the Georgetown University Law Center. A sister institute, the Insitut für Auslandisches und Internationales Wirtschaftsrecht, was founded at the same time in Frankfurt, Germany. Professor Heinrich Kronstein, the Institute's first director, fled Germany in the 1930s and spent more than a decade studying and teaching at the law schools of Columbia University and Georgetown University. Professor Kronstein believed that closer ties between European and American legal systems would facilitate business and trade. The Institute's early years were marked by scholarly work and academic exchanges. Today the International Law Institute is an independent, not-for-profit organization. It continues to work

closely with universities, governments, corporations and international

organizations.‖. INTERNATIONAL LAW INSTITUTE. History. Disponível em: <http://www.ili.org/about/history.html>. Acesso em: 18 maio 2015.

195

FOOD AND AGRICULTURAL ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Sources international water law. Development Law Service. Rome: FAO Legal Office, 1998.

navegação daquele rio‖196

. No art. 3, estabeleceu que o talvegue seria a linha divisória dos rios, ou seja, a linha demarcadora da metade do canal. Esse seria, então, o primeiro documento regulando a navegação dos rios pós-Congresso de Viena.

A Declaração de Madri de 1911, nomeada de International

Regulation regarding the Use of International Watercourses for Purposes other than Navigation (Normas Internacionais sobre o uso

internacional dos cursos de águas para fins diversos da navegação), rompeu com a ideia de soberania permanente sobre os recursos naturais no seu primeiro parágrafo do preâmbulo, onde consigna que os Estados ribeirinhos dependem um do outro, o que afasta a ideia de soberania dos Estados.197 A Declaração conta com sete diretrizes para rios sucessivos que percorram de dois ou mais Estados, entre elas: a proibição de lançar qualquer substância que prejudique a qualidade das águas (1); os Estados a montante198 não podem modificar a constituição do rio (2); e os Estados a jusante199 não devem construir obras que acarretem perigo de inundação aos outros Estados (5).200

Em 1934, o ILI publicou a Resolução de Paris, Regulation

Governing Navigation on International River (Regulamento que rege a

navegação no rio internacional). O regulamento é composto por quinze

196

International regulation on river navigation, art. 1. FOOD AND AGRICULTURAL ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Sources international water law. Development Law Service. Rome: FAO Legal Office, 1998.

197

“Riparian States with a common stream are in a position of permanent physical dependence on each other which precludes the idea of the complete authonomy of each State in the section of the natural watercourse under its y ” FOOD AND AGRICULTURAL ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Sources international water law. Development Law Service. Rome: FAO Legal Office, 1998.

198

Montante é a direção de um ponto mais baixo para o mais alto. SIGNIFICADOS.COM. Significados de jusante e montante. Disponível em: <http://www.significados.com.br/jusante-e-montante/>. Acesso em: 28 set. 2015.

199

Jusante é o fluxo normal da água, de um ponto mais alto para um ponto mais baixo. SIGNIFICADOS.COM. Significados de jusante e montante. Disponível em: <http://www.significados.com.br/jusante-e-montante/>. Acesso em: 28 set. 2015.

200