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A colaboração enquanto modelo interactivo das relações em rede

III. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA PERSPECTIVA

2. As Redes como forma Predominante de Actuação do Estado

2.1. A actuação do Estado em Quadros de Public Governance: consequências institucionais,

2.2.3. A colaboração enquanto modelo interactivo das relações em rede

Tal como acabámos de observar, a crescente complexidade dos cenários, bem como a existência de alguns constrangimentos à acção directa por parte das entidades oficiais, tem vindo a despoletar um aumento das relações multi-organizacionais, multi-governamentais e multi-sectoriais na implementação de políticas (Goldsmith e Eggers, 2004: 8).

Assumindo que o Estado já não possui o controlo absoluto sobre o processo de produção de políticas, os diversos actores que nele participam possuem um maior grau de autonomia, pelo que, tal como refere Stoker (1991)111, a tarefa dos organismos oficiais é, cada está cada vez menos, de

direcção ou controlo, mas crescentemente de avaliação dos contextos de interdependência e de fomento de relações de colaboração (O’Toole, 2003: 238).

Havendo, tal como já referimos anteriormente, diversos paradigmas de intervenção associados à “fragmentação do Estado”, são também diversos os tipos de “colaboração”, pelo que é necessário proceder a algumas distinções conceptuais. Pese embora a enorme multiplicidade de “arranjos colaborativos” de que Osborne (2000)112 e Parsons (1995)113 nos dão conta, todos derivam, segundo

Thompson et al. (1991)114, de 3 formas de colaboração inter-organizacional – contratos, parcerias e

111 Stoker, Robert P.. 1991. Reluctant Partners: Implementing Federal Policy. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press 112 Osborne, S. P. (Ed.). 2000. Public–Private Partnerships: Theory and Practice in International Perspective. London:

Routledge

113 Parsons, D. W.. 1995. Public Policy: An Introduction to the Theory and Practice of Policy Analysis. Aldershot: Edward Elgar 114 Thompson, G., Frances, J., Levacic, R.; Mitchell, J. (Eds). 1991. Markets, Hierarchies and Networks: The Co-ordination of

redes (que, para evitar confusões conceptuais, nos pareceu mais conveniente designar por comunidades de práticas) (Sullivan e Skelcher, 2002: 4).

Em relação aos dois extremos, Sullivan e Skelcher (2002: 4-5) distinguem os contratos pelo seu carácter formal, específico e legalmente vinculativo, em oposição às comunidades que assentam em relações informais de confiança e reciprocidade, estabelecidas frequentemente entre indivíduos, à margem das fronteiras organizacionais. Quanto às parcerias – a forma mais comum de “arranjo colaborativo” – são de difícil definição, sendo mais viável a enunciação de algumas características (ibidem: 5-6):

− implicam decisão e execução conjunta (Klijn e Teisman, 2000)115, sendo esta a sua principal diferenciação relativamente aos contratos, a par do alcance temporal do acordo;

− incorporam um compromisso de longo-prazo e reflectem uma dependência mútua (Lorenz, 1991)116;

− são o resultado da partilha de responsabilidade face à necessidade de acção; − envolvem negociação, coligação de interesses e construção de uma visão partilhada.

Contudo, o desenvolvimento de parcerias não é obviamente fácil, dado que, uma vez que a autoridade em cenários de inter-dependência é francamente menor, a necessária cooperação inter- actores não se poderá basear simplesmente na criação de canais de comunicação e de rotinas (O’Toole e Meier, 2010: 324). Tal como temos vindo a referir, a diversidade de actores implica também a multiplicidade de interesses, nem sempre coincidentes, pelo que a actuação em parceria tem vantagens mas também limitações/ desafios, tal como podemos ver na figura 12.

Figura 12: Vantagens e Desvantagens da actuação em parcerias

VANTAGENS DESVANTAGENS

− Promovem decisões reforçadas por um alto nível de legitimidade e validade;

− Têm condições para desenvolver soluções flexíveis e mais rápidas, por serem menos politizadas; − Promovem a inovação;

− Fomentam a partilha de recursos físicos e de conhecimento, promovendo a criação de sinergias; − Desenvolvem coerência nos serviços;

− Melhoram a eficiência e a accountability.

− Processos de decisão mais morosos e muito burocráticos;

− Falta de clareza nas responsabilidades, causando problemas de accountability;

− Conflitos relativamente às metas e objectivos; − Aumento dos “custos de transacção”;

− Diferenças de “filosofia de acção” entre parceiros; − Lutas por poder;

− Dificuldade de obter informação precisa. Fonte: com base em McQuaid, 2010: 130-133 e Goldsmith e Eggers, 2004: 25-52

115 Klijn, E.-H.; Teisman, G. R.. 2000. “Governing Public–Private Partnerships: Analysing and Managing the Process and

Institutional Characteristics of Public–Private Partnerships” in Osborne, S. P. (Ed.). 2000. Public–Private Partnerships: Theory and Practice in International Perspective. London: Routledge

116 Lorenz, E. H.. 1991. “Neither Friends Nor Strangers: Informal Networks of Subcontracting in French Industry” in Thompson,

G.; Frances, J.; Levacic, R.; Mitchell, J. (Eds). 1991. Markets, Hierarchies and Networks: The Co-ordination of Social Life. London: Sage

De facto, apesar de todas as vantagens que poderá carrear, o modelo de actuação através de parcerias tem claramente também um lado negativo. Tal como Kickert e Koppenjan (1997: 41) referem, podemos aludir a dois grandes tipos de desvantagens: decision-making costs, que englobam dinheiro, tempo e energia dispendidos na negociação inter-actores; e, political costs, que se referem aos compromissos que as entidades oficiais são levadas a estabelecer. Estes dois problemas espelham os desafios referidos pela Transaction Costs Approach de Williamson (1985)117. Os autores referem ainda a perspectiva da Public Choice Approach, que nos dá conta que a acção colectiva negociada é responsável, não só pelo prejuízo causado nos interesses colectivos, como também nos interesses individuais da classe política (Kickert e Koppenjan, 1997: 42).

Neste sentido, diversos autores (McQuaid, 2010: 130-133; Goldsmith e Eggers, 25-52; Sullivan e

Skelcher, 99-117; Hibbert et. al., 2010: 400) avançam listas de factores que consideram ser essenciais

para que uma parceria seja conduzida com sucesso, nomeadamente: − Um enfoque estratégico muito claro;

− Liderança e apoio estratégicos;

− Construção de relações de confiança entre as pessoas e as organizações; − Criação de incentivos para a colaboração;

− Orientação dos processos para os outcomes e não tanto para os outputs; − Comunicação fluida e frequente;

− Estabilidade (temporal e de confiança mútua) das relações;

− Suficiência de recursos monetários, humanos, materiais e de tempo; − Transparência e accountability.

Como vimos, de forma a ultrapassar os eventuais problemas/ desafios que a actuação em parceria acarreta, diversos autores têm produzido listas de factores. De facto, a actuação em rede, por si só, pode ser geradora de diversos problemas, nomeadamente os advindos da fragmentação, como sejam (Peters, 2010: 41-43):

− Ao nível da decisão: a negociação entre actores poderia dar origem a decisões pelo “mínimo

denominador comum” (Scharpf, 1988)118 e, uma vez que tinha tendência a ter em conta valores do

sector-privado, menorizar o “interesse público”;

− Ao nível da participação: a actuação em rede, em vez de ser inclusiva, poderá ter a tendência a tornar- se elitista;

− Ao nível da coordenação: a fragmentação excessiva, que havia sido criada pela “pilarização” (princípio que defende a existência de organizações de “single-purpose”, com tarefas especializadas e sem sobreposições de papéis, que causou demasiada fragmentação (Christensen e Laegreid, 2007b: 11);

117 Williamson, O. E.. 1985. The Economic Institutions of Capitalism. New York: The Free Press

118 Scharpf, F. W.. 1988. “The Joint Decision Trap: Lessons from European Union Integration and German Federalism”. Public Administration, vol. 66 (2): 239-278

− Ao nível da accountability: a devolução de poder diminuiu a capacidade de controlo por parte do poder político, uma vez que os “gestores” das agências (semi-)autónomas tinham sido empoderados, o que motivou um problema de “democratic deficit”, na medida em que estes não são escolhidos pelos cidadãos (Hudson e Lowe, 2004: 97; Christensen e Laegreid, 2007b: 12).

Assim, e com o sentido de tentar solucionar estes problemas, as preocupações com as questões da coordenação têm ressurgido na agenda política e académica.