III. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA PERSPECTIVA
2. As Redes como forma Predominante de Actuação do Estado
2.1. A actuação do Estado em Quadros de Public Governance: consequências institucionais,
2.2.2. A escolha dos “Policy Instruments” e sua influência na Implementação
Reportando-se à decisão do método que cada Governo utiliza na prossecução dos objectivos de uma política (Salamon e Lund (1989)103 por Birkland, 2001: 163), a escolha dos “policy instruments” (ou “policy tools”) é, indubitavelmente, o início da implementação de uma política.
Antes de abordarmos o tema da escolha propriamente dita, procedemos a uma apresentação dos
“instrumentos” disponíveis.
A)TIPOLOGIAS DE “POLICY INSTRUMENTS”
Desde o estudo seminal de Lasswell foram diversos os autores que se debruçaram, não só na tentativa de listar todos os “policy tools” disponíveis, mas sobretudo de os classificar. Nesta perspectiva destacam-se:
101 É disso exemplo o “Personal Responsability and Work Opportunity Act” (PRWORA) de 1996. 102 Osborne, D.; Gaebler, T.. 1992. Reinventing Government. Reading, MA.: Addison-Wesley
103 Salamon, Lester; Lund, Michael S.. 1989. “The Tools Approach: Basic Analytics”. in Salamon (Ed.). 1989. Beyond Privatization: The Tools of Government Action. Washington, D.C.: Urban Institute Press
− Christopher Hood (1986)104: propôs uma classificação que agrupava todos os instrumentos em 4 grandes categorias, de acordo com os recursos que o Governo tem ao seu dispor (Howlett e Ramesh, 2003: 90, 92):
Figura 8: Tipologia de "Policy Tools", segundo Christopher Hood (1986)
RECURSO EXEMPLOS
Informação
(nodality) Monitorização e Lançamento de Informação; Aconselhamento e Exortação; Publicitação; Comissões e Inquéritos
Poderes legais
(authority) Regulação de Comando e Controlo; Auto-regulação; Estabelecimento de Standards e Delegação de Regulação; Comités Consultivos
Dinheiro
(treasure) Subvenções e Empréstimos; Taxas de Utilização; Deduções Fiscais; Criação e Financiamento de Grupos de Interesse
Organização
(organization) Provisão Directa de Bens e Serviços; Criação de Empresas Públicas; Reorganização Institucional; Abertura aos Mercados; Recurso a ONGs Fonte: baseado em Howlett e Ramesh, 2003: 90, 92
− Salamon e Lund (1989)105: apresentam uma classificação de acordo com 4 critérios de distinção da actividade desenvolvida (Birkland, 2001: 163-165):
Figura 9: Tipologia de "Policy Tools", segundo Salamon e Lund (1989)
CRITÉRIOS EXEMPLOS
Natureza da actividade Pagamento total em dinheiro; Provisão dos bens e serviços; Protecções legais; Restrições e sanções Estrutura da actividade Provisão Directa; Provisão Indirecta
Grau de centralização Utilização de intermediários; Não Utilização de intermediários Grau de “automatismo” Auto-executáveis; Requerendo algum esforço de gestão Fonte: baseado em Birkland, 2001: 163-165
Para além destas tipologias, existe uma outra mais comum que distingue instrumentos substantivos (que afectam a substância dos policy outputs) e processuais (relacionados com a controlo sobre o processo de produção de políticas) (Howlett e Ramesh, 2003: 195).
Reportando-se aos instrumentos substantivos, Baxter-Moore (1987)106 procede à distinção entre instrumentos compulsórios (actividades exclusivamente desenvolvidas pelo Estado) e instrumentos
104 Hood, Christopher. 1986. The Tools of Government. Chatham, NJ: Chatam House
105 Salamon, Lester; Lund, Michael S.. 1989. “The Tools Approach: Basic Analytics”. in Salamon (Ed.). 1989. Beyond Privatization: The Tools of Government Action. Washington, D.C.: Urban Institute Press
106 Baxter-Moore, Nicolas. 1987. “Policy Implementation and the Role of the State: A Revised Approach to the Study of Policy
Instruments” in Jackson, Robert J.; Jackson, Doreen; Baxter-Moore, N. (Eds). 1987. Contemporary Canadian Politics: Readings and Notes. Scarborough, Ont.: Prentice-Hall, pp. 336-355
voluntários (que requeriam um envolvimento muito marginal do Estado). Hula (1988)107 posicionou
estes dois tipos de instrumentos nas extremidades de um continuum, intermediados por uma série de instrumentos mistos (ibidem), tal como se pode observar na figura 10.
Idêntico exercício poderá ser realizado com os instrumentos processuais, dado que a manipulação da natureza, número e actividades dos actores envolvidos no processo de produção poderá oscilar entre uma “gestão de redes” mais voluntária ou uma “reorganização institucional” mais coerciva, tal como é visível na figura 10 (ibidem).
Figura 10: Espectro de "Policy Instruments" Substantivos e Processuais
Fonte: adaptação de Howlett e Ramesh, 2003: 195, 196
B) AS RAZÕES SUBJACENTES À ESCOLHA DOS “POLICY INSTRUMENTS” E OS DIFERENTES ESTILOS DE
IMPLEMENTAÇÃO
Se a própria definição do que é ou não uma questão merecedora de intervenção é já um assunto envolto em ambiguidade, a escolha da forma como o Estado irá tentar solucionar o problema suscita tammbém um espectro de discórdias, nomeadamente entre liberais e conservadores, que possuem diferentes visões sobre este assunto (Kraft e Furlong, 2007: 85).
Por um lado, temos os modelos economicistas que defendem a escolha dos “policy tools” através de um exercício estritamente técnico, que deverá ter em conta critérios de eficiência, e que defendem a utilização de instrumentos de carácter voluntário, aceitando apenas que o Estado intervenha
107 Hula, Richard C.. 1988. “Using Markets to Implement Public Policy” in Hula (Ed.). 1988. Market-Based Public Policy. London:
perante “falhas do mercado” ou quando estamos perante a provisão de “bens públicos puros” (Howlett e Ramesh, 2003: 197).
Por outro, temos os modelos políticos que são apologistas de que o processo de escolha dos
“tools” não é fruto de um exercício técnico mas resultado de questões políticas, tais como
constrangimentos de recursos, pressões, impedimentos legais ou experiências fracassadas do passado (Hood (1986)108 por Howlett e Ramesh, 2003: 199).
Sugerindo a harmonização de ambas as perspectivas, Linder e Peters (1989)109 referem a
necessidade de combinação de questões de maior tecnicidade, como a análise da quantidade de recursos necessários ou o grau de circunscrição precisa do grupo-alvo, não ignorando também contendas políticas como o risco político envolvido e eventuais constrangimentos da actividade política (Howlett e Ramesh, 2003: 199). A estes pontos aduz-se ainda aquilo a que os autores denominam de “national policy style” (cultura própria de formulação e implementação de políticas), ou os contextos organizacionais em que a implementação irá ocorrer (ibidem).
Perante este cenário, se o pensamento mais óbvio optaria simplesmente pela escolha do instrumento que fosse mais eficaz na tentativa de solucionamento do problema que motivou a formulação da política, existem outros critérios que terão de ser tidos em conta, nomeadamente aceitação política, exequibilidade técnica, impacto económico e efeitos de longo-prazo (Kraft e Furlong, 2007: 85).
Destas abordagens sobressai a noção de que o processo de implementação é claramente moldado por factores políticos relacionados, quer com a capacidade do Estado, quer com a complexidade do sub-sistema (Atkinson e Nigol (1989)110 por Howlett e Ramesh, 2003: 203). Assim, diferentes combinações destes dois factores dão origem a diferentes estilos de implementação, com recurso a “policy tools” tendencialmente distintos, tal como se pode observar na figura 11:
108 Hood, Christopher. 1986. The Tools of Government. Chatham, NJ: Chatam House
109 Linder, Stephen; Peters, B. Guy. 1989. “Instruments of Government: Perceptions and Contexts”. Journal of Public Policy, vol.
4 (3): 237-59
110 Atkinson, Michael; Nigol, Robert. 1989. “Selecting Policy Instruments: Neo-Institutional and Rational Choice Interpretations of
Figura 11: Estilos de Implementação e correspondentes "Policy Instruments" NATUREZA DOS OBJECTIVOS
Ampla Estrita SEVER ID A D E D O S C O N ST R A N G IM EN T O S D O EST A D O Elevada Voluntarismo Institucionalizado Perante limitações de acção e objectivos muito amplos, é comum
o recurso a “tools” de baixo custo, tais como a Exortação, enquanto
tenta (re)organizar uma rede de actores para lidar com o assunto
Ex: Segurança Rodoviária
Legalismo Representativo Tendo objectivos muito claros mas claras limitações de acção, o Estado
tende a optar pela Regulação, bem como pela criação de incentivos
financeiros para a criação de organizações especializadas
Ex: Associações de Defesa de Direitos
Baixa
Subsidiação Directa Com poucas restrições à sua acção, mas enfrentando objectivos
muito latos, é comum o Estado recorrer à Subsidiação, mas também a criação de Conselhos
Consultivos
Ex: Incentivos Empresariais
Provisão Directa Sem grandes restrições e com objectivos muito claros, é comum a utilização de formas de provisão directa
ou através de empresas públicas, bem como o recurso a audições públicas ou
avaliações
Ex: Caminhos de Ferro
Fonte: Howlett e Ramesh, 2003: 203, 204