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III. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA PERSPECTIVA

1. A Teoria da Implementação: conceitos e abordagens geracionais

1.2. Abordagens Geracionais da Teoria da Implementação

1.2.3. Teorias Híbridas ou 3.ª Geração

Apesar de se enquadrarem em gerações que se diziam antagónicas, alguns dos estudos a que aludimos nos pontos referentes às teorias top-down e bottom-up assumem já como clara a importância que diversos actores e diversos níveis têm para o estudo da implementação.

Considerados os pais da 3.ª geração, Goggin, Bowman, Lester e O’Toole (1990) desenvolveram uma teoria que não foge a esta preocupação. Segundo estes autores, o papel do fluir de informação e comunicação entre os diversos níveis (quer de sentido descendente, quer de sentido ascendente) é de extrema importância, daí o papel central que os middle-range ocupam na determinação do sucesso da implementação (Hill e Hupe, 2002: 66-69).

60 Elmore, R.F.. 1980. “Backward Mapping. Implementation Research and Policy Decisions”. Political Science Quarterly, 94,

601–616

61 Bardach, E.. 1977. The Implementation Game: What Happens after a Bill Becomes a Law. Cambridge, Mass.: MIT Press 62 Sabatier, Paul A.. 1986. “Top-Down and Bottom-Up Approaches in Implementation Research: A Critical Analysis and

Suggested Synthesis”. Journal of Public Policy, vol. 6 (1): 21-48

Abandonando assim o “campo estéril da disputa entre top-down/ bottom-up (…) foram elaboradas algumas propostas de perspectivas de síntese e contingentes” (O’Toole, 2004: 315), que alguns autores designaram por teorias híbridas (Hill e Hupe, 2002) ou mesmo de 3.ª geração (Goggin et al., 1990).

Percebendo-se que ambas as perspectivas exageram nas suas posições e simplificam demasiado o estudo do processo de implementação, surgem então as teorias híbridas que representam uma combinação de elementos de ambas as perspectivas: top-down e bottom-up (Pülzl e Treib, 2006: 95). Importa assim, antes de apresentar as teorias híbridas, estabelecer uma diferenciação entre as matrizes das perspectivas anteriores, tendo por base algumas variáveis de análise. Para tal, tomamos de empréstimo o quadro que Pülzl e Treib construíram com esse mesmo fim.

Figura 4: Comparação de Teorias Top-Down e Bottom-Up

TEORIAS TOP-DOWN TEORIAS BOTTOM-UP

Estratégia de pesquisa Das decisões políticas à execução administrativa Dos burocratas individuais às redes administrativas

Objectivos de análise Predição/ recomendações Descrição/ explicação

Modelo do processo de

produção de políticas públicas Estagista Fusionista

Carácter do processo de

Implementação Orientação hierárquica Resolução de problemas descentralizada

Modelo de democracia

subjacente Elitista Participativa

Fonte: Pülzl e Treib, 2007: 94

Tal como Birkland refere, a utilização de uma abordagem de inspiração predominantemente top-

down ou bottom-up, depende muito da política pública em estudo (Birkland, 2001: 184).

É precisamente neste pressuposto que Elmore baseia as suas metodologias de “forward mapping” e de “backward mapping”, que poderão encontrar explicação na primeira coluna do quadro de Pülzl e

Treib (figura 4). Assim, forward mapping será a metodologia de estudo que inicia o seu percurso nas

decisões de topo, prosseguindo a sua análise na forma como a estrutura operacional utiliza os instrumentos e recursos que lhes são disponibilizados, enquanto que o enfoque inicial do backward

mapping se situa nos actores envolvidos na disponibilização da política e os grupos-alvo, continuando

a análise em sentido ascendente com a identificação das redes que se formaram para lidar com determinado problema, bem como as estratégias utilizadas (Pülzl e Treib, 2007: 93, 95).

Referindo a essencialidade de, na vida real, se conjugar a preocupação de ambas as perspectivas, Elmore poderá ser considerado como um dos primeiros synthesizers, não obstante o seu trabalho ser anterior à formalização da emergência de uma terceira geração. Tendo pois por base

a consideração que diferentes assuntos e circunstâncias requerem diferentes quadros de referência,

Elmore64 sugere a existência de 4 modelos diferentes de implementação (figura 5).

Figura 5: Modelos de Implementação de Políticas Sociais, segundo Elmore

SYSTEMS

MANAGEMENT BUREAUCRATIC PROCESS ORGANIZATIONAL DEVELOPMENT CONFLICT AND BARGAINING

Princípio Central Racionalidade Rotinização Discrição; Autonomia Competição

Distribuição do

Poder Centralizado Fragmentado Disperso e Responsabilidades Igualdade de Instável e Disperso

Processo de Tomada de Decisão Sub-optimização (resultado da necessidade de devolução de poder) Incrementalismo (rotinas conduzem à inércia) Grupos de Trabalho (desenvolvimento de relações interpessoais) Negociação para resolução de conflitos Processo de

Implementação Monitorização; Cumprimento Rotinas de trabalho estabelecidas Produção de Consensos diferentes interesses Conjugação de

Fonte: Hudson e Lowe, 2004: 210, baseado em Elmore, 1978

A partir da análise destas diversas correntes de pensamento e de análise do processo de implementação, as principais conclusões que se retiram é que a implementação é um mix de acções do poder central e dos actores locais. Nesta óptica, os conceitos de negociação e de redes tornam-se imprescindíveis para o debate (Pülzl e Treib, 2006: 100-102).

Posto isto, a implementação passa a ser entendida como um processo evolutivo e adaptativo. Neste sentido, encontramos trabalhos dos seguintes autores (Parsons, 1995: 471-472):

Lewis e Flynn (1979)65, que se debruçaram sobre um modelo comportamental que abordava a forma como o indivíduo numa organização lidava com a incerteza e ambiguidade de metas e objectivos, fruto da influência combinada dos contextos institucionais e da envolvente;

Barrett e Fudge (1981)66 que transportam para a análise da implementação o conceito de “ordem negociada”, na medida em que defendem que grande parte da acção inerente a este processo depende dos compromissos entre pessoas/ actores, numa lógica de “acção-reacção”.

Um outro conceito que passa a ser central na análise da implementação é o de networks, conceito que a partir do início da década de 80 do séc. XX ganhou bastante importância em diversos campos disciplinares, nomeadamente da Ciência Política e da Sociologia das Organizações (Hill e Hupe, 2002: 59).

Também visto como um dos primeiros conciliadores das duas perspectivas, o principal contributo

de Scharpf (1978)67 refere-se precisamente ao estudo da importância das redes no processo de

64 Elmore, R.F.. 1978. ‘Organizational models of social program implementation’. Public Policy, 26 (2): 185–228

65 Lewis, J.; Flynn, R.. 1979. “Implementation of urban and regional planning policies”. Policy and Politics, vol. 7: 123-142 66 Barrett, Susan; Fudge, C. (Eds). 1981. Policy and Action. London: Methuen

implementação. Partindo da premissa de que a implementação se desenvolve através de actores provenientes de diversos estratos e que são portadores de interesses, objectivos e estratégias por vezes divergentes, Scharpf alude para a extrema importância das relações de colaboração e de coordenação (Pülzl e Treib, 2007: 96). Tal importância advém sobretudo do facto de serem essenciais para a eficácia da implementação, na medida em que facilitam o estilo consultivo da governação, reduzem o conflito e atribuem previsibilidade ao processo (Hill e Hupe, 2002: 59).

Um outro autor que se dedica ao estudo das redes é Paul Sabatier. Deixando de parte a sua perspectiva estritamente top-downer, Sabatier vem a adoptar uma posição de synthesizer, na medida em que reconhece a importância do carácter inter-organizacional e em rede do processo de produção de políticas, se bem que continue a defender a perspectiva de que a tomada de decisão se faz sobretudo no seio de “sub-systems” (Hudson e Lowe, 2004: 212)68.

Também como synthesizers poderemos referir ainda os trabalhos de Jan Erik-Lane (1987)69 ou de

Laurence O’Toole Jr. (1988)70.

Segundo Jan-Erik Lane a implementação resulta da combinação de duas preocupações –

responsabilidade relativamente ao cumprimento de objectivos, de forma a que se atinjam resultados

(top-down); e confiança que terá de ser necessariamente atribuída aos operacionais na decisão sobre a melhor forma de alcançar os objectivos (bottom-up) (Hill e Hupe, 2002: 65-66).

Refere-se ainda a contribuição de O’Toole que, na sua alusão às redes, faz uma chamada de atenção para a multiplicidade de actores e de factores envolvidos no processo de implementação, daí a dificuldade de análise que se verifica como consequência da complexidade do campo de estudo (ibidem: 69-70).

Uma outra preocupação que caracteriza a 3.ª geração relaciona-se com a necessidade de reforçar os cuidados metodológicos dos estudos de implementação (Goggin et al. (1990) por O’Toole, 2000: 271). Segundo O’Toole (2000: 267, 269), a tradição da utilização de Case Studies nos estudos de Implementação deveria ser substituída por Estudos de grandes amostras e de carácter longitudinal, se bem que o autor reconheça a dificuldade de proceder a este tipo de investigação.

O’Toole (2004: 310) reforça ainda que, apesar do enorme esforço de produção de síntese, pouco

tem sido feito em proveito dos estudos de Implementação, já que esta nova geração de estudos não foi capaz de produzir consensos e continua ainda a lidar com demasiadas variáveis, produzindo, desta forma, poucas recomendações bem formuladas, sendo que algumas delas são até contraditórias entre si.

67 Scharpf, F.W.. 1978. “Interorganizational Policy Studies. Issues, Concepts and Perspectives”. in Hanf, K. I.; Scharpf, F.W.

(Eds.). Interorganizational Policy Making. Limits to Coordination and Central Control. London: Sage. pp. 345–370

68 Sobre este tema veja-se o ponto referente ao Modelo “Advocacy Coalition Framework” no capítulo II.

69 Lane, J.-E.. 1987. ‘Implementation, accountability and trust’. European Journal of Political Research, 15 (5): 527–46

70 O’Toole Jr., L. J.. 1988. ‘Strategies for intergovernmental management: Implementing programs in interorganisational